A concepção Spengleriana da História

A concepção Spengleriana da História

Texto introdutório (Alta Linguagem),
Neste texto, Mário Lins trata de chegar ao âmago da obra de Oswald Spengler, aquilo que é o ponto principal da obra do escritor alemão--a questão da morfologia das culturas e a rejeição do modelo "ptolomaico" da história. É este um texto então que pode servir como uma pequenina introdução ao cerne da principal obra de Spengler, a Decadência do Ocidente.

A concepção Spengleriana da História

Por Mário Lins

Diário de Pernambuco, 24 de novembro de 1935

A revisão que se tem processado no meio de compreender as diversas manifestações das formas sociais procura atingir os domínios da inteligência pura, alcançando as ideias estritamente filosóficas. O mundo regeu-se por novas orientações mentais. Começou a ser compreendida diversamente, por aspectos mais profundos, de maneira puramente crítica e relativista. Não há dúvida que constitui atualmente a moderna orientação do pensamento, a preocupação em fundamentar os valores da vida numa base essencialmente relativista. Onde há profundeza, há individualismo, idealismo (sentido filosófico), há relativismo. Esses sistemas de visão do mundo penetram-se daquela afirmação admirável de Spengler, de que a verdade é o pensador mesmo. O mundo deixou de ser compreendido de uma maneira absoluta, estática, afirmando implicitamente a existência da "humanidade", que o compreenderia de modo idêntico através das culturas. O maior erro da filosofia evolucionista fica aí prefigurado, quando se intenta estabelecer um absoluto na compreensão da história.

O mundo terá de ser visto dinamicamente, submetido à alma simbólica de cada cultura, que tem, inconfundivelmente, uma intuição particular de o observar. É esse o sentido relativista. A extrema variação dos conceitos humanos, a diferenciação brutal entre o homem da compreensão fáustica e o homem da compreensão apolínea ou indica, arruína a superficialidade da acepção absoluta da história. Por essa, não haveria diferenciação entre a forma de pensar de homens, que, representam o viver histórico de culturas diferentes. Subsistia, imutavelmente, através do tempo e espaço, a invariabilidade da instituição histórica, negando por isso mesmo a própria ideia da relatividade das culturas. Não há uma “humanidade”, há culturas, com vida própria, modo de sentir e pensar particular, que se extinguem e não se transmitem pela sua decadência. Aí temos uma afirmação relativista da história. Oswald Spengler preconiza a morte de uma dessas culturas–a fáustica, a ocidental–por onde o ocidente desaparece em sua decadência, surgindo nova cultura, com intuição diversa, característica e própria, expressada nas artes e nas manifestações do pensamento. O evolucionismo de Spencer, que concebia a vida, como passando de uma homogeneidade para uma heterogeneidade sucessiva, mono-linear, deixou de representar uma expressão segura da verdade histórica. Haveria, assim, uma estática na compreensão do mundo, apesar de sua filosofia evolucionista. O dinamismo que existia na evolução progressiva de Spencer, servia de base àquela compreensão, pela qual a “humanidade” apresentava um organismo uno, de uma só intuição da vida histórica. Parece paradoxo Spencer incorrer numa estática da vida, tendo-se em vista o que há de essencial em sua teoria da evolução. Mas, o estático na filosofia evolucionista não estava em que não variassem as instituições humanas. Estava em que a humanidade apresentava um corpo único, de intuição indiferenciada para os diversos tipos de cultura do mundo. A evolução das Instituições não nos levaria a uma diferenciação radical própria concepção da história e do mundo. O dinamismo seria apenas no progresso técnico, exterior das instituições, não afetando a interioridade, a alma, a profundeza. Spengler, ao contrário, visa a diferenciação absoluta de cultura para cultura, onde se transforma por completo o modo de intuição da vida, variando a compreensão do mundo, não somente nas formas exteriores, mas na própria interioridade. Para Spencer haveria para a humanidade uma mesma compreensão, que não se transforma em si, mas progride, apenas, em seus aspectos exteriores pelo crescimento da civilização. Aliás é essa também, a distância que separa o filósofo da decadência das culturas da filosofia Kantiana. “Kant fala em dividir o tesouro do saber humano em sínteses necessárias e universais a priori e em sínteses provenientes da experiência a posteriori; Spengler demonstra que não existe tal invariabilidade da forma de toda atividade mental e sua identidade para todos os homens, falhando assim a base kantiana; ou seja, que o fundamento do pensar está na necessidade da forma à qual todo homem, como membro de uma cultura determinada, está submetido”.[1]

Para Spengler há de cultura para cultura uma modificação radical no processo de compreender o mundo, que se manifesta interna e externamente na vida do ciclo cultural. A uma compreensão relativista é inconcebível a história no sentido evolucionista, mono-linear, passando numa só linha de progressão da antiguidade à idade moderna. A história, assim, é incompreensível, pelo relativismo do pensamento humano. Os evolucionistas, os que admitem a história por um aspecto absoluto, a fundamentam na imutabilidade do pensamento em homens que representam culturas diversas. Os relativistas, como Spengler, partem da variabilidade dos conceitos humanos e da intuição humana, que se diversificam de ciclo histórico de cultura para cultura.

Nota

[1]Kant habla dividido el tesoro del saber humano en síntesis necesarias y universales a priori, y en síntesis provenientes de la experiencia a posteriori; Spengler demuestra que no existe tal invariabilidad de la forma de toda actividad mental y su identidad para todos los hombres, falando así la base kantiana; es decir, que el fundamento del pensar está en la necesidad de la forma a que está sometido todo hombre, como miembro de una cultura determinada”. Revista de la Universidad de Buenos Aires–pág. 22–outubro 1924.

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