Nota introdutória (Alta Linguagem),
Nesta tradução, acha-se uma explicação impressionantemente completa (para um subcapítulo de um livro) sobre a doutrina do livre arbítrio de Luís de Molina, bem como a relação dela com a doutrina do direito, revelando no jesuíta um pensador genuinamente sistemático, dotado de diversas influências e ao mesmo tempo coerente, indo do mais simples ao mais abstrato, de forma ordenada e relacionando um com outro.
O texto é suficientemente claro e não exige muita explicação nesta nota. Vale a pena, todavia, dizer que nesta tradução os termos "livre decisão" (freie Entscheidung), "liberdade da vontade", "livre vontade" (freien Willen, Freiheit des Willens e derivados), e "livre arbítrio" são empregados em sentido de sinônimos, com poucas nuances, isto se dá porque o texto latino usa "arbitrium" para (decisão, vontade no sentido de escolha), onde o texto alemão fala de "Entscheidung" (decisão no sentido de escolha) e "Willen" para vontade como escolha e vontade como faculdade, propriedade do homem, esta última que em latim fica como "voluntas", mas que, por conta das diferentes raízes entre alemão e latim, podem induzir alguma confusão para aqueles que possuem muitos escrúpulos intelectuais--não há nada, todavia, a se temer quanto a isso.
A doutrina do livre arbítrio do homem na Concordia de Molina
[retirado de Danaë Simmermacher, Eingentum als ein subjektives Recht bei Luis de Molina (1553-1600), 4.1 Molinas Lehre von der Willensfreiheit des Menschen in der Concordia]
Molina inicia sua obra principal Concordia, cujo título completo é Liberi arbitrii cum gratiae donis, divina praescientia, providentia, praedestinatione et reprobatione concordia (Do livre arbítrio em harmonia com os dons da graça, a presciência divina, a providência, a predestinação e a reprovação[1]), com 24 Disputas sobre o livre arbítrio como capacidade humana para boas ações feitas a partir da liberdade, que compõem a primeira parte da Concordia. Molina define a livre vontade (voluntas), na segunda Disputa, como uma livre decisão (liberum arbitrium), que implica agir livremente (agens liberum), a saber:
“[...] denomina-se agente livre aquele que, tendo todos os requisitos postos para agir, pode agir ou não agir, ou ainda pode agir de uma maneira e também agir de forma contrária. E dessa liberdade vem a capacidade de tal agente pode operar dessa forma, denominada livre. Pois, de fato, não opera assim sem arbítrio e juízo da razão prévios, daí que na medida em que pré-exige juízo da razão, seja chamado de livre arbítrio. Do que se segue, o livre arbítrio [...] não é outra coisa que não a vontade, na qual reside formalmente a liberdade explicitada pelo juízo prévio da razão. Agente livre nessa significação se distingue do agente natural, em cujo poder não está agir e não agir, mas que, tendo todos os requisitos para agir, age necessariamente e ainda age de uma forma que não pode realizar o contrário”.[2]
Para Molina, a livre decisão é uma potência da vontade e não da razão, como ele enfatiza explicitamente pouco depois.[3] Ele equipara a livre decisão com a vontade; no entanto, a vontade é qualificada como livre por um juízo anterior da razão, isto é, ela não é determinada pela natureza. A razão não impõe à vontade o que ela deve desejar como um bem, mas dá a ela o conhecimento daquilo que parece ser um bem agradável ou útil e, portanto, desejável. Mas, ainda assim, cabe à vontade decidir produzir ou não uma ação que esteja em conformidade com esse bem.[4]
Annabel Brett chama a atenção para o fato de que, para Molina, a liberdade como possibilidade de agir ou não agir requer um juízo da razão, como em Tomás de Aquino; mas, para Molina, ao contrário de Tomás, isso não significa que a atividade da razão seja, em si, livre. Em consonância com seus irmãos de ordem jesuítas Francisco Suárez e Rodrigo de Arriaga (1592−1667), Molina localiza a liberdade na vontade.[5]
O livre arbítrio permite ao homem, em sua ação, ultrapassar o que é determinado pela natureza como necessário: Segundo Molina, toda ação livre envolve uma escolha livre.[6]
Uma ação é chamada livre quando é possível renunciar a agir dessa forma, ou seja, quando o homem pode também fazer o oposto ou pode decidir por não agir de forma alguma. Assim como Ockham, Molina chega a afirmar que o homem pode, por meio de seu livre arbítrio, optar contra seu objetivo mais elevado, a saber, o amor a Deus.[7] No entanto, a vontade não deve ser entendida como absolutamente livre, e a ideia de que o homem pode, por meio de seu livre arbítrio, optar contra o amor a Deus é, realiter, impossível, como Alexander Aichele interpretou a partir do seguinte trecho da Concordia:
Pois, de fato, a vontade daquele que contempla a Deus in patria não pode deixar de amar a Deus. Muitas vezes, também, ao longo dos processos, surgem atos que a vontade não consegue impedir. E daí se deduz que a vontade não obtém a condição de livre arbítrio em relação a quaisquer atos seus, mas apenas em comparação com aqueles [atos] que ela [também] pode não produzir; é nisto que se discerne a liberdade quanto ao exercício do ato. Mas, se ao mesmo tempo a vontade puder produzir indiferentemente este ato ou então o ato contrário, então percebe-se [nisto] a liberdade quanto à espécie do ato que, como dizem, possui razão de liberdade plena e perfeita.[8]
Molina faz uma distinção aqui entre a liberdade de execução de um ato e a liberdade da espécie ou especificação do ato. Através da liberdade da especificação do ato, pode-se fazer uma escolha entre diferentes atos. O amor a Deus, como ato, é exclusivamente atribuído à liberdade de execução, já que não é possível ao homem fazer uma escolha entre diferentes atos neste caso. Isto é, o homem não pode deixar de amar a Deus, mas poderia, no máximo, não gerar o amor a Deus em si, caso usasse sua liberdade para não executar o ato. Isso seria, segundo Aichele, seguindo Molina, “pensável, mas praticamente impossível”.[9]
A opção de não amar a Deus não deve ser interpretada como a possibilidade de odiar a Deus, pois isso é para Molina uma absurda opinio. Isso seria uma “opção moralmente má por natureza”.[10] Um ato que seria contra a lei divina e estaria em desacordo com a reta razão, como Molina explica em seu comentário à Prima Secundae da Summa Theologiae de Tomás de Aquino. Nem mesmo Deus poderia fazer com que o ódio a Deus deixasse de ser moralmente mau, pois Molina atribui o ódio a Deus à scientia naturalis, uma forma da onisciência divina, segundo a qual Deus só pode conhecer algumas coisas da maneira pela qual Ele as conhece e, portanto, não pode mudá-las. A tripartição do conhecimento divino é explicada com mais detalhes.
Embora a influência de Tomás de Aquino na obra De Iustitia et Iure de Molina seja inconfundível, como esta investigação até aqui demonstrou, assim também a doutrina da vontade de Molina é fortemente influenciada pelo opositor voluntarista de Tomás, João Duns Scotus (1266-1308), e, assim, indiretamente, também a doutrina do direito de Molina, como se torna claro neste capítulo. À primeira vista, essa última afirmação pode parecer bastante ousada, pois Molina menciona Duns Scotus basicamente apenas uma vez nas passagens do De Iustitia et Iure que servem de base para esta investigação (Tratado I, no Tratado II as Disputas 1−40 e no Tratado V a Disputa 46). Molina não se mostra particularmente favorável a Scotus nesse ponto: Scotus, segundo Molina, é justamente criticado por ter afirmado, em suas Quaestiones in quatuor libros Sententiarum, que o mandamento do direito natural sobre a propriedade comum teria sido revogado após a queda do homem.[11]
A influência de Duns Scotus no pensamento de Molina se torna evidente ao se examinar mais de perto a metafísica da vontade de Molina e a compreender como a base de sua doutrina do direito. Também Jean-Pascal Anfray destaca que a definição de Molina de livre-arbítrio tem claramente raízes scotistas,[12] como será explicado a seguir. A ponte entre a doutrina da vontade e a doutrina do direito é formada pela tese de que o livre-arbítrio é a condição para se ter dominium e, portanto, a condição para ser um sujeito de direitos.[13] Antes de detalhar a definição do livre-arbítrio de Molina, confirmando a tese de que ela se origina da doutrina da vontade de Duns Scotus e deve ser diferenciada da definição do livre-arbítrio de Tomás de Aquino, será brevemente apresentada novamente a famosa tripartição da onisciência divina da Concordia de Molina, que serve de base para o tão controverso molinismo.
Através da ideia de scientia media, Molina pretende conciliar a onisciência de Deus e a graça divina com a liberdade de vontade do homem. Assim, ele propôs uma solução refinada para um problema discutido na alta escolástica por teólogos proeminentes como Tomás de Aquino, João Duns Scotus e Guilherme de Ockham.[14] Em sua obra mais conhecida, Concordia (1588), Molina desenvolve a ideia de um “conhecimento médio”, uma scientia media: Deus sabe, por meio de sua providência, como os homens decidirão, levando em consideração todas as circunstâncias possíveis, e cria as condições de modo que as pessoas possam se decidir livremente e de acordo com seus sentidos [Sinne em alemão], pois Ele sabe que tipo de essências Ele criou. Portanto, Deus possui conhecimento médio apenas porque Ele sabe algo sobre o estado metafisicamente contingente das coisas. No entanto, Ele não tem controle sobre as decisões e ações dos seres humanos.[15]
A scientia media representa, em uma tripla distinção da onisciência de Deus, o estágio do meio, que é antecedido para Molina pelo conhecimento natural de Deus (scientia naturalis) como o primeiro estágio: O conhecimento natural sobre a natureza das essências criadas por Deus representa, para Ele, uma forma da onisciência de Deus que precede qualquer decisão divina sobre a criação—não temporalmente, mas logicamente ou ontologicamente.
Através do conhecimento natural, Deus já conhece antes da criação sua própria natureza e, assim, todas as potências possíveis que estão embutidas em sua própria natureza e de acordo com as quais Ele poderia criar diferentes mundos e diferentes essências. Isso significa que nem mesmo Deus pode mudar a natureza substancial de uma essência, pois ela já está determinada antes da criação e é independente da vontade de Deus. A terceira forma da onisciência de Deus é o conhecimento livre (scientia libera), através do qual Deus sabe o que, de fato, ocorrerá como resultado de sua livre decisão de criar essências específicas e, portanto, de criar um mundo específico, que é quando Ele submete essas essências a determinadas circunstâncias.
Essa tripartição do conhecimento divino pode ser resumida da seguinte forma: através da scientia naturalis, Deus sabe o que pode ser; através da scientia media, Ele sabe o que seria; e através da scientia libera, Ele sabe o que será.[16] Os valores verdade no conhecimento livre de Deus sobre os seres criados por Ele são contingentes e dependem da vontade divina. No entanto, os valores de verdade na scientia media de Deus são contingentes e independem de sua vontade.[17] Isso tem consequências para a doutrina das ações de Molina.
A ideia da scientia media concede ao homem a capacidade de escolher livremente ações boas sem a ajuda imediata de Deus. Assim, é-lhe atribuída autonomia, embora Molina não questione a providência divina nem a onisciência de Deus, ele foi acusado de heresia, especificamente de pelagianismo: a doutrina de Pelágio, segundo a qual a natureza humana não poderia ser corrompida pelo pecado original, foi interpretada de modo a sugerir que o homem, por meio de seu livre-arbítrio, poderia distinguir entre o bem e o mal de forma quase independente, e que a graça de Deus seria apenas um auxílio adicional secundário. Embora Molina não separe ou superordene o livre-arbítrio humano a graça e providência divinas, por conta de sua doutrina, o chamado molinismo, irromperam intensos conflitos entre dominicanos e jesuítas, e também dentro da própria Ordem dos Jesuítas.
Para os molinistas, por sua vez, a questão da providência ou onisciência de Deus e da liberdade de vontade humana é resolvida pela scientia media, através da qual a onisciência de Deus como Criador de essências livres é restaurada, pois Ele, munido do conhecimento das decisões das essências livres, poderia ter decidido não criar tais essências ou modificar as circunstâncias para que as ações se realizassem conforme o sentido Dele.[18] Esses debates, desencadeados pela publicação da Concordia em 1588, ficaram conhecidos como a “controvérsia da graça” e só terminaram em 1607, quando o Papa Paulo V proibiu novas acusações entre os envolvidos.[19]
Diante desse contexto, não há dúvida de que o livre-arbítrio do homem em todo o pensamento (e na ação) de Molina não pode ser superestimado. Portanto, a suposição de que a doutrina do direito de Molina também tenha sido influenciada por Duns Scotus não parece mais tão duvidosa, como poderia inicialmente parecer. Com base nas exposições sobre a tripartição da onisciência de Deus, a observação de Romanus Cessario parece clara: Molina, em relação à vontade de Deus como perfeita causa primeira, distancia-se de Tomás de Aquino da seguinte forma: “Molina achou difícil entender o ensinamento de Tomás, segundo o qual a vontade de Deus é a causa completa das coisas, sempre cumprida, mas não compulsiva”. [20]
A seguir, serão apresentados os conceitos de livre-arbítrio (liberum arbitrium) de Tomás de Aquino e João Duns Scotus (de maneira apropriadamente resumida), para fornecer uma base para a confirmação da tese de que a doutrina do direito de Molina é caracterizada pela compatibilidade de elementos scotistas dentro de um quadro tomista. Essa tese será então refletida em passagens selecionadas de De Iustitia et Iure.
As discussões medievais sobre a definição do livre-arbítrio sempre giram em torno das questões de como determinar a relação entre razão e vontade e o que se compreende por ato de vontade.[21] Assim, Tomás de Aquino também discute a liberdade humana como uma relação entre razão e vontade. Como mencionado no terceiro capítulo [NÃO CONSTA NESTA TRADUÇÃO], Tomás vê o homem como dominus suorum actuum [senhor de seus atos]—o homem sabe o que faz e faz o que quer: uma ação de livre vontade acontece através da vontade.[22] Tomás define a vontade como um apetite racional (appetitus rationalis), isto é, a vontade está na razão. Mas essas duas capacidades se diferenciam entre si em relação ao seu objeto formal: a vontade busca o bem,[23] enquanto o intelecto busca a verdade. O intelecto estabelece o que é desejável para a vontade como um bem.
Portanto, em Tomás, o intelecto é a causa da liberdade. Contudo, ambas as capacidades se referem mutuamente, porque o intelecto reconhece a vontade e a vontade deseja ser reconhecida pelo intelecto.[24]
Em Duns Scotus, surgem duas interpretações diferentes sobre a relação entre razão e vontade. Em sua Lectura, Scotus concorda com Tomás no sentido de que “toda a causa da atualidade em um ato de vontade ocorre por parte do objeto da vontade, de modo que toda a força [vis] na ação da vontade reside no objeto conhecido”.[25] Gerhard Leibold apontou que, segundo essa interpretação, a vontade é considerada determinada pelo intelecto, já que o exercício do querer não é determinado pela própria vontade, mas pela bondade do objeto conhecido (obiectum cognitum).[26]
Portanto, se a felicidade é reconhecida como um bem absoluto, a vontade necessariamente busca a felicidade. Contudo, como Leibold continua, isso coloca em dúvida a ideia de que a vontade é uma faculdade que pode se mover por si mesma, e o intelecto determina a ação da vontade como um agens naturale. No entanto, isso é aparência enganosa, pois Leibold explica: segundo Scotus, a vontade age “por um fim, mas não por esse fim, mas por si mesma”.[27] A posição de Scotus na Lectura, que leva erroneamente à interpretação de uma causa da ação da vontade como sendo o objeto conhecido, baseia-se em uma distinção imprecisa entre causa finalis e causa efficiens, segundo a qual a causa finalis só pode ser entendida metaforicamente como causa.
Na verdade, Scotus—como explica Leibold—na Lectura adota a visão de que vontade e intelecto, juntos, como causas parciais, provocam a ação da vontade, pois a vontade e o objeto causam o ato de vontade, sendo a vontade mais fundamental devido ao momento inerente de escolha livre.[28] Ao definir a vontade e o intelecto como causas parciais da ação da vontade, deve-se observar que Scotus considera o intelecto como parte da natureza, e ações morais não podem ser causadas pelo intelecto, pois, como Hannes Möhle destaca, “ser moral [...] não pode ser [...] analisado em termos da natureza do agente, porque ser livre no sentido próprio significa não estar dentro de uma natureza”.[29]
A segunda interpretação sobre a relação entre vontade e razão é dada por Duns Scotus em suas Additiones Magnae—essa é uma visão radicalmente voluntarista e é considerada a resposta principal de Scotus à questão sobre a causa de um ato de vontade:[30] Scotus defende lá a tese de que “nada além da vontade pode ser a causa completa da volição [, isto é, do ato de vontade], de modo que a vontade se determina livremente a produzir o ato de vontade”.[31] Embora as duas interpretações de Duns Scotus sobre a relação entre vontade e intelecto na produção do ato de vontade pareçam incompatíveis, não será necessário discuti-las aqui, pois isso nos afastaria demais do tema.[32]
Para a investigação a seguir, basta saber que para Scotus, a vontade é uma faculdade que não pode ter causa que não seja ela mesma, e que a vontade almeja um fim, mas não através desse fim que é dado a ela pelo intelecto. A vontade é, assim, a causa principalior e, portanto, pode não apenas determinar a si mesma, o que constitui sua liberdade, mas também determinar o intelecto, que, ao contrário da vontade, está vinculado à necessidade: “Pelo contrário, a vontade é indeterminada em relação ao seu próprio ato e exerce seu ato [por si mesma], e, através desse ato, ela determina o intelecto quanto à causalidade que o intelecto tem para fora”.[33] Como o intelecto só pode se fixar “de modo natural” em uma das duas possibilidades alternativas e não livremente, como é o caso da vontade, e além disso não pode agir externamente, a vontade é “no sentido próprio, a faculdade racional”, “caso entendamos ‘racional’ como ‘com razão’”.
Antes que as explicações sobre a relação entre vontade e intelecto de Tomás e Duns Scotus sejam conectadas com o De Iustitia et Iure de Molina, o conceito de livre-arbítrio (liberum arbitrium) de Molina será considerado novamente à luz dessas exposições: em relação ao liberum arbitrium, Molina segue Duns Scotus, que atribui ao homem um livre-arbítrio e vê sua perfeição não na livre decisão da vontade, mas na escolha do bem moral.
Assim, Jean-Pascal Anfray também destaca: “Ambos [Molina e Duns Scotus] consideram a vontade como o locus e a fonte da liberdade, contra a preeminência do intelecto que caracteriza a tradição tomista”. No entanto, o liberum arbitrium de Molina é, de certo modo, também inspirado pelo conceito tomista de livre-arbítrio, pois à vontade livre deve preceder um juízo racional, para que as ações provenientes dessa livre vontade sejam consideradas livres ou boas.
A diferença em relação a Tomás[34] é que, para Molina, a razão não pode comandar a vontade sobre o que ela deve desejar, mas pode, por assim dizer, “apenas” aconselhá-la, e a vontade decide se segue ou não esse conselho. A força primária é, portanto, atribuída à vontade, que, no entanto, depende do bom conselho da recta ratio, embora não precise segui-lo.
Além disso, ao contrário de Tomás, para Molina, a razão não faz parte integral da vontade livre como appetitus intellectivus. Assim como as praxes em Duns Scotus, as ações humanas de Molina são contingentes.[35] Em resumo: dado que a decisão de seguir ou não o juízo da razão depende, por fim, da vontade, mas esta não pode ser qualificada como livre sem o conselho da razão, Molina deve ser considerado um Scotista moderado, que é, sem dúvida, mais liberal em relação a Tomás. Molina não abandona a condição da razão.[36] E ainda assim, concorda-se com a avaliação de Romanus Cessario de que Molina rejeita uma teoria racionalista do livre-arbítrio.
há em Molina uma rejeição nada sutil da visão intelectualista da liberdade. Em vez disso, seu modelo favorece uma visão libertária da liberdade que preserva a liberdade de indiferença da criatura mesmo com referência à causalidade divina. Essa é a visão da liberdade que Molina tornou famosa em sua formulação na Concordia, a saber, que “a vontade é livre somente quando, todos os requisitos para agir estando postos, a vontade pode agir e não agir. [Concordia, quaest. 4, art. 13, disp. 2] [37]
As influências das doutrinas sobre o livre-arbítrio de Tomás e Scotus na doutrina do direito de Molina podem ser identificadas nos dois modelos teóricos do direito, cuja análise constitui o fundamento desta investigação: dominium e ius. Para esse fim, a seguir, alguns aspectos já tratados dentro desse contexto na análise do ius como direito subjetivo e do dominium serão retomados. Com relação ao ius e dominium, Molina se desvia um pouco da rota tomista, que, no entanto, representa seu ponto de partida teórico. O fato de o homem ter dominium sobre os bens externos foi derivado por Molina, com base em Tomás, a partir do conceito do homem como senhor de suas ações, domini suorum actuum.[38] Molina não desenvolve uma definição própria de dominium e adota a determinação de dominium de Bartolus de Saxoferrato como “o direito de dispor completamente de uma coisa corpórea, desde que não seja proibido por lei”.[39]
Vale lembrar que Molina define o dominium como a faculdade por excelência para ser portador de direitos, e define o dominium como o antecedente do ius. Essa consideração metafísica do direito é esclarecida pela seguinte imagem:
E embora essa metafísica não contribua muito para as coisas morais, e comumente se diga que o direito [ius] é o verdadeiro gênero de domínio [genus dominii], parece-me que o contrário é mais verdadeiro. Primeiro, porque dizemos corretamente que Pedro é o senhor [dominus] desta coisa, e por isso tem a faculdade de dispor perfeitamente dela; ao contrário, não se diz verdadeiramente que, porque ele tem a faculdade de dispor perfeitamente desta coisa, é senhor dela; assim como também não dizemos corretamente que, porque tem a faculdade de rir, é um homem. Logo, a faculdade, ou o direito [ius] de dispor perfeitamente, é o efeito do domínio [efectus dominii], assim como a faculdade de rir é o efeito do homem.[40]
Quando Molina compara a capacidade de disposição completa [perfeita], ou seja, o dominium, com o riso do homem, ele retoma o pensamento presente nas discussões medievais de Aristóteles sobre o riso como um proprium do homem, isto é, uma propriedade que, embora não defina a essência do homem, é algo que necessariamente lhe pertence, e somente a ele.[41] Com essa comparação, Molina reforça sua interpretação do dominium como antecedente do ius, isto é, que o homem, em virtude de seu dominium, é portador de direitos, e ele define o dominium como uma propriedade que compete necessariamente ao homem.
O fato de Molina, com sua interpretação do dominium como antecedente do ius, se distanciar da visão de [Francisco de] Vitoria, que sustenta que a capacidade de ter dominium sobre algo decorre da capacidade do ius, ganha relevância prática no direito quando se acrescenta a questão de saber se crianças e deficientes mentais (amentes) possuem dominium. Nesse contexto, é possível identificar outra diferença não apenas entre Tomás e Molina, mas, principalmente, entre Molina e Vitoria: pois, embora ambos os autores da escola de Salamanca partam das mesmas premissas “tomistas” para que alguém possa ter dominium, isto é, a faculdade do livre arbítrio, eles chegam a respostas distintas sobre o dominium de pessoas que ainda não podem ou não conseguem fazer uso do livre arbítrio.
Quando a grande importância da doutrina da natura rei, especialmente no contexto da scientia naturalis dentro da divisão da onisciência divina, é lembrada—segundo a qual tudo possui uma natureza ou substância imutável que não pode sequer ser alterada por Deus, pois, de acordo com a doutrina da natura rei, as substâncias das coisas precedem o ato criador de Deus—parece consequente que Molina atribua o dominium a crianças e deficientes mentais. Pois, embora não possam fazer uso do livre arbítrio devido a sua infância, imaturidade ou deficiência, a sua natureza humana, ou substância, não é alterada: como essências humanas, devem (de acordo com a ordem natural das coisas) possuir dominium, pois possuem, em virtude do sua potência humana para o livre arbítrio, também a potência para o dominium, mesmo que essa potência não se manifeste.[42]
Vitoria, por outro lado (como um racionalista rigoroso), não pode aceitar a ideia de um livre-arbítrio para aqueles que não podem fazer uso dele—a simples disposição para o liberum arbitrium sozinha não faz de um ser humano um ser humano. De acordo com Vitoria, o livre-arbítrio como faculdade deve se realizar em ações humanas e racionais.[43] E nisso, Vitoria concorda com a resposta de Tomás à questão de saber se as ações humanas recebem sua natureza a partir do fim [Ziel], pois tudo recebe sua natureza ou espécie de acordo com ato e não com a potência.[44] Parece que Vitoria até mesmo radicaliza essa posição, pois “uma faculdade que não pode ser revertida em uma ação é vã”.[45] Parece que, nesse ponto, Vitoria é até mais rigoroso que Tomás. Esse aspecto é fundamental para o significado da interpretação da relação entre ius e dominium em Vitoria, que define essa relação de maneira bem diferente de Molina: Vitoria parte da suposição de que o dominium depende do ius e define ius e dominium como equivalentes.[46]
Com relação ao dominium, no contexto da questão do dominium de crianças e deficientes mentais, a seguinte observação pode ser feita: Molina se desvia da posição de Tomás. Ao atribuir o dominium a crianças e deficientes mentais devido à sua natureza humana e ao potencial do livre arbítrio, Molina estabelece um paralelo com Duns Scotus, segundo o qual o livre arbítrio almeja um fim, mas não através desse fim, mas age por si mesmo. Molina, portanto, concede dominium a crianças e amentes devido à sua natureza humana e à potência do liberum arbitrium, mesmo que essa potência não se manifeste. Embora Vitoria rejeite essa argumentação, ele também concede, em De Indis, propriedade a crianças e aos amentes: como podem perceber o que é errado, também são dotados de direitos. No caso das crianças, para Vitoria, não há dúvida de que elas podem ser proprietárias, já que também são herdeiras. Com relação aos amentes, Vitoria é menos decidido, pois, além de não poderem fazer uso de sua razão, também não há esperança de que possam, e ele deixa “para a decisão dos juristas se podem ter propriedade civil”.[47]
A influência de Duns Scotus sobre a doutrina do direito de Molina torna-se ainda mais clara quando se considera a definição de Molina sobre a lei na Disputa 46 do quinto tratado de De iustitia et iure, que tem o título De legibus et constitutionibus e, ao final, define a lei da seguinte forma:
É um comando ou preceito emitido pela suprema autoridade na coisa pública, estabelecida e promulgada de maneira permanente, não para um ou outro, mas para todos, seja de modo absoluto ou para aqueles a quem cabe observá-la conforme sua condição, local, tempo e outras circunstâncias, e aceita, quando, para ter efeito, necessita de aceitação.[48]
No caminho para essa definição, Molina define a lei humana como “ato da prudência política [...] [ao qual] se acrescenta a vontade livre do legislador”.[49] A princípio, parece que Molina considera a lei primariamente como uma “questão de razão”, e por isso Frank Costello coloca a definição de lei de Molina em analogia à definição de lei de Tomás.[50] Se essa tese se basear na primeira definição da lei de Tomás, Costello estaria correto, pois Tomás define a lei da seguinte forma: “A lei é uma espécie de regra e medida dos atos, pela qual alguém é orientado ou impedido de agir. Lei (lex) vem do latim ligare, porque é vinculante para a ação”.[51]
Como foi mostrado no Capítulo 3.1 [NÃO CONSTA NESTA TRADUÇÃO], também em Molina se encontra a ideia de que as leis orientam os cidadãos como uma bússola para a iustitia legalis, que, segundo Aristóteles, deve ser entendida como o “sumo bem”. No entanto, parece que a tese de Costello se refere à segunda definição da lei em Tomás, segundo a qual a lei “não é outra coisa senão uma ordem da razão em relação ao bem comum, promulgada e publicamente anunciada por quem tem a preocupação pela comunidade”.[52] Ao se recorrer à segunda definição da lei em Tomás, não é possível sustentar a tese de que a lei em Molina deve ser compreendida de forma análoga à de Tomás, pois, para Molina, ambas as faculdades, razão e vontade, atuam sobre a lei. Assim, Molina afirma de maneira fundamental que as capacidades que estão excluídas do conceito de direito “carecem da razão e do livre arbítrio, de acordo com sua natureza”.[53] Assim, a razão e a livre vontade são, em princípio, as condições para que alguém possa ser titular de direitos e proprietário.
Já foi mencionado que o legislador, por meio de sua prudentia architectonica, sabe como deve estabelecer as leis para que elas sejam justas, mas Molina não atribui a justiça à razão, mas à vontade: “A justiça é a vontade constante e perpétua, isto é, o hábito, pelo qual somos inclinados a querer, com firmeza e constância, que cada um receba o que lhe é devido”.[54] Parece que a razão, sob a forma de prudência política, determina as leis de acordo com a justiça, e, portanto, com a vontade, ou seja, a razão deriva as leis da vontade. Para a formação das leis, não se pode determinar qual faculdade desempenha um papel mais forte.
Para ser eficaz, as leis necessitam de um comando, como mostrado na definição, e a definição do comando esclarece ainda mais a relação entre razão e vontade no que se refere à lei: “O comando pelo qual as leis, assim fabricadas e concluídas pelo intelecto através da prudência política, são impostas aos subordinados, é além de um ato do intelecto, igualmente produzido pela mesma prudência, no qual reside o fundamento da lei”.[55]
Um comando é a expressão da vontade do governante. Para ser eficaz, a vontade deve se manifestar sob a forma de um comando ao ato da razão, que determinou a lei. Esse jogo conjunto é realizado pela prudência política, à qual são atribuídas tanto a razão quanto a vontade. Pode-se resumir da seguinte forma: da vontade, ou melhor, da justiça, a razão determina a lei, e para que ela seja eficaz, pois sem eficácia não é uma lei, ela precisa, novamente, da vontade. Portanto, parece que a vontade tem um papel mais importante na lei, embora a razão não seja insignificante. Assim, a doutrina do direito de Molina poderia ser talvez chamada de “moderadamente voluntarista”, pois sem razão não se pode formar uma lei—e aqui se observa uma analogia com a doutrina da vontade de Molina, pois ele também não renuncia à condição da razão para o livre arbítrio, embora as raízes scotistas de sua definição do liberum arbitrium sejam claramente visíveis. Assim, a tese de que a doutrina do direito de Molina é caracterizada pela compatibilidade de elementos scotistas dentro de um quadro tomista pode ser sustentada. Como Jörg Tellkamp destacou, Molina ocupa uma posição única entre os autores da escola de Salamanca.[56]
A discussão sobre a liberdade da vontade na Concordia de Molina, no contexto de sua doutrina do direito em De Iustitia et Iure, abrangeu muitos aspectos que precisam de uma explicação mais detalhada ou que, por si mesmos, geram novas discussões. Como foi anunciado no início do capítulo, os próximos segmentos serão dedicados a essa tarefa.
[Fim]
Notas
[1] Isto é, a rejeição por parte da alma.
[2] Concordia, Parte I, Disputatio 2, Seção 3, Linha 7−18 (a seguir referido como I, 2.3, 7−18): “Quo pacto illud agens liberum dicitur quod positis omnibus requisitis ad agendum potest agere et non agere aut ita agere unum et contrarium etiam agere possit. Atque ab hac libertate facultas qua tale agens potest ita operari dicitur libera. Quoniam vero non ita operatur nisi praevio arbitrio iudicioque rationis, inde est, quod quatenus ita praeexigit iudicium rationis, liberum appelletur arbitrium. Quo fit ut liberum arbitrium […] non sit aliud quam voluntas, in qua formaliter sit libertas explicata praevio iudicio rationis. Agens liberum in hac significacione distinguitur contra agens naturale in cuius potestate non est agere et non agere, sed positis omnibus requisitis ad agendum necessario agit et ita agit unum ut non possit contrarium efficere”.
[3] Concordia I, 2.9, 28: “Ceterum arbitror libertatem esse in voluntate et non in intellectu […].”
[4] Brett Changes of State. Nature and the Limits of the City in Early Modern Natural Law (2011, 44): “Para esses jesuítas, a liberdade está puramente em e provém de uma vontade que pode agir ou não agir”.
[5] Ibid.
[6] cf. a introdução à tradução parcial da Concordia de Freddoso (1988, 25).
[7] Cf. Kaufmann, Matthias "Die willensfreiheit, das moralisch Gute un das Ziel des Menschen bei Duns Scotus, Wilhelm von Ockham und Molina", em Departure for Modern Europe. A Handbook of Early Modern Philosophy (2011, 172). Para uma comparação entre a metafísica da vontade de Molina e Ockham, cf. Aichele "The Real Possibility of Freedom" em A Companion to Luis de Molina (2014, 42−52).
[8] Concordia I, 2.5, 29 – 36: “Etenim voluntas eius qui Deum intuetur in patria non potest Deum non diligere. Saepe etiam, dum sumus in via, surrepunt actus quos voluntas non valuit impedire. Atque hinc est ut voluntas non comparatione quorumcumque suorum actuum sortiatur rationem liberi arbitrii, sed comparatione eorum tantum quos potest non elicere; in quo libertas quoad exercitium actus cernitur. Quod si simul possit elicere indifferenter vel hunc vel contrarium actum, cernitur etiam libertas quoad speciem actus, ut vocant, quae plenae et perfectae libertatis rationem habet”.
Agradeço a Alexander Loose pela ajuda valiosa na tradução deste trecho. A tradução de Aichele (2007, 74) está em parte incorreta, pois não exprime que a vontade escolhe, em relação à especificação do ato, simultaneamente e sem distinção entre diferentes atos, mas transmite a impressão de que a vontade faz isso de maneira indiferente: “E, por isso, se ela [a vontade] pudesse, de maneira indiferente, produzir ao mesmo tempo este ou o ato oposto, a liberdade também seria percebida até na espécie do ato, que, como se diz, possui a razão de liberdade plena e completa.”
[9] cf. Aichele (2007, 75) [O livro citado é Moral und Seelenheil. Luis de Molinas Lehre von den zwei Freiheiten zwischen Augustin und Aristoteles", em Politische Metaphysik. Die Entstehung moderner Rechtskonzeptionen in der Spanischen Scholastik]
[10] Isabelle Mandrella aponta (2002, 212) [O livro citado é Das Isaak Opfer. Historisch-semantische Untersuchung zu Rationalität und Wandelbarkeit des Naturrechts in der mittelalterlichen Lehre vom natürlichen Gesetz. Münster: Aschendorff.] aponta essa passagem de Molina do comentário a S. Th. I−II: “[…] suapte natura est malus moraliter, hoc est dissonans a recta ratione et a dictamine legis divinae aeternae qua Deus iudicat non esse faciendum.” ComSth I−II, qu. 100, a. 8, n. 250. O comentário está publicado em Diez-Alegría (1951)[ o livro citado é El desarrollo de la doctrina de la ley natural en Luis de Molina y en los Maestros de la Universidad de Evora de 1565 a 1591. Barcelona: Graficas Marina]: Apéndice C, 208−224: Luis de Molina, ComSth I−II 100,8 (cod. 2804/3848).
[11] DIEI II 20, 152: “Ex his constat, nullum ius naturale fuisse revocatum in statu naturae lapsae, ut rerum divisio esset licita: meritoque reprehendi Scotum in 4 d. 15 q. 2 […], post lapsum primorum parentum revocatum fuisse praeceptum legis naturae de possidendis rebus in commune.”
[12] Anfray (2014, 345−346) [O livro citado é "Molina and John Duns Scotus." em A Companion to Luis de Molina, hg. v. Matthias Kaufmann und Alexander Aichele, 325 – 364. Leiden: Brill]: “A definição de Molina de livre arbítrio (liberum arbitrium) possui claramente raízes escotistas. Considerando tanto a vontade como o locus e a fonte da liberdade quanto indo contra a preeminência do intelecto que caracteriza a tradição tomista”.
[13] Ver cap. 3.3. [NÃO CONSTA NESTA TRADUÇÃO].
[14] Kenny (2006, 303) [o livro citado é A New History of Western Philosophy. Vol. 3: The Rise of Modern Philosophy. Oxford: Clarendon Press]: “Uma nova e altamente engenhosa solução ao problema foi proposta ao final do século XVI pelo jesuíta Luís de Molina”.
[15] Cf. a introdução da tradução de parte da Concordia feita por Freddoso (1988, 47) [a tradução de Alfred Freddoso se chama On Divine Foreknowledge, corresponde ao livro IV da Concordia].
[16] Cf., Pegis (1939, 121) [O livro citado é "Molina and Human Liberty" em Jesuit Thinkers of the Renaissance, hg. v. Gerard Smith, 75 – 131. Milwaukee: Marquette University Press].
[17] Cf., Perszyk (2011, 2) [O livro citado é Molinism. The Contemporary Debate. Oxford: Oxford University Press].
[18] Cf., McCann (2011, 253-254) [o livro citado é "The Free Will Defense" em Molinism. The Contemporary Debate, hg. v. Kenneth Perszyk, 239−261. Oxford: Oxford University Press].
[19] Como os debates foram proibidos e, portanto, não foi possível chegar a um resultado de discussão (se é que isso era possível), as “Guerras Molinistas” continuam até hoje, como se pode ver no volume citado, editado por Perszyk em 2011.
[20] Cessario (2014, 308) [O livro citado é "Molina and Aquinas". En A Companion to Luis de Molina, hg. v. Matthias Kaufmann und Alexander Aichele, 291−323. Leiden: Brill].
[21] A seguinte apresentação da relação entre razão e vontade em Tomás de Aquino e João Duns Escoto é fortemente simplificada e não pretende abarcar essa relação de forma ampla em relação a todas as obras de ambos os teólogos, nem discutir os problemas que dela surgem. O objetivo é apenas tentar associar as posições de Molina sobre o livre-arbítrio às suposições fundamentais desses autores, ou delimitar suas diferenças.
[22] Cf., S. Th. I-II, q.6, art. 3.
[23] Marko J. Fuchs (2017, 164) [O livro citado é Gerechtigkeit als allgemeine Tugend. Die Rezeption der aristotelischen Gerechtigkeitstheorie im Mittelalter und das Problem des ethischen Universalismus. Berlin: De Gruyter] destaca que a qualidade moral de uma ação, segundo Tomás, é determinada pela direção da vontade: “Como, na teoria tomista, o objetivo, dentro dessa estrutura complexa, é o momento mais universal em contraste com o objeto da ação externa, porque a vontade, que se relaciona com o fim [Ziel] como seu objeto, como appetitus rationalis, é a capacidade universal da alma devido à sua natureza racional, a qualidade moral de uma ação é, em última instância, determinada pelo influxo da vontade”.
[24] Cf., S. Th. I, q. 16, art. 4 ad 1.
[25] Lectura II d. 25 n. 22: “Ad hanc quaestionem dicunt quidam quod tota causa actualitatis in actu voluntatis est ex parte obiecti voluntatis ita quod tota vis est in obiecto cognito respectu actus voluntatis”. Estou usando a tradução de Leibold (2011, 91−92).
[26] Cf., Leibold (2011, 92) [O livro citado é Wille und Willensverursachung bei Johannes Duns Scotus. En "Radix totius libertatis". Zum Verhältnis von Willen und Vernunft in der mittelalterlichen Philosophie, hg. v. Günther Mensching, 88−96. Würzburg: Königshausen und Neumann].
[27] Ibid.
[28] Ibid. 93.
[29] Möhle (1995, 322-323) [O livro citado é Ethik als scientia practica nach Johannes Duns Scotus. Eine philosophische Grundlegung. Münster: Aschendorff].
[30] Por exemplo, cf., Leibold (2011, 93) e cf., Möhle (1995, 191-198).
[31] Additiones Magnae 299: “respondeo ergo ad quaestionem quod nihil aliud a voluntate potest esse totalis causa volitionis in voluntate secundum quod voluntas determinat se libere ad actum volendi causandum”. Estou usando a tradução de Leibold (2011, 94).
[32] Para uma completa discussão das complexas relações entre as duas inteerpretações, cf. Möhle (1995, 185-187).
[33] FTN 72-75, n. 39 e 41. [FTN é uma tradução alemã de Scotus, Freiheit, Tugenden und Naturgesetz. Übersetzt, eingeleitet und mit Anmerkungen versehen von Tobias Hoffmann. Freiburg im Breisgau: Herder, 2012].
[34] S. Th. I, q. 82, art. 5.
[35] Möhle (1999, 51): “Ações humanas, que Scotus compreende no sentido estrito como praxes [...], acontecem pelo fato de serem geradas livremente na interação entre razão e vontade como uma causa eficaz complexa. Nesse sentido—isto é, por serem causadas pela vontade livre—as praxes são contingentes”.
[36] Cf. Anfray (2014, 346) [MESMO LIVRO CITADO EM NOTA ANTERIOR].
[37] Cessario (2014, 312) [MESMO LIVRO CITADO EM NOTA ANTERIOR].
[38] DIEI [abreviação para De Iustitia et Iure] II 3, 55: “Quae namque suorum actuum dominium non habent, multo minus aliarum rerum poterunt dominium habere” [Pois aqueles que não têm domínio sobre os próprios atos, muito menos poderão ter domínio sobre outras coisas].
[39] DIEI II 3, 50: “Est ius perfecte disponendi de re corporali, nisi lege prohibeatur”. Jörg Tellkamp (2014, 128) já vê na definição de dominium de Bartolus um significado ativo, que confere à sua definição uma clara impressão voluntarista: “O aspecto que pode ser destacado não é apenas o fato de Bartolus identificar dominium e ius, mas que ele lhes confere um significado ativo, isto é, administrar algo completamente ou tê-lo à sua disposição. Há um indiscutível caráter voluntarista nesta definição”.
[40] DIEI II 3, 53: “Et quamvis metaphysica haec non multum ad rem moralem conferat, communiterque dici consueverit, ius esse verum genus dominii; contrarium mihi videtur verius. Primo, quoniam recte dicimus, quia Petrus est dominus huius rei, habet facultatem perfecte de illa disponendi: e contrario vero non recte dicimus, quia habet facultatem perfecte disponendi hac re, est dominus illius; sicut etiam non recte dicimus, quia habet facultatem ridendi est homo: ergo facultas, seu ius perfecte disponendi, est effectus dominii non secus ac facultas ridendi est effectus homini”.
[41] Cf. Schnepf (2008, 221) Schnepf aponta que a determinação do riso como um proprium do ser humano aparece, por exemplo, em De partibus animalium 3, 10 (673a 2-13) de Aristóteles.
[42] Tellkamp (2014, 133) [Livro citado é "Huarte de San Juan und Suárez: Lachen im spanischen Humanismus und in der Spätscholastik" em Klassische Emotionstheorien. Von Platon bis Wittgenstein, hg. v. Hilge Landweer und Ursula Renz, 221−246. Berlin/New York: De Gruyter]: “Molina pensa que a razão é ontologicamente exigida e não somente na medida em que possa ser usada ativamente”. Assim também Brett (2011, 45) [MESMO LIVRO CITADO EM NOTA ANTERIOR]: “Mas para Molina, ao contrário de Vitoria, isso dá a tais agentes não somente a libera voluntas (livre vontade), mas liberum arbítrio, livre arbítrio, mesmo que o “uso” deles não seja suficiente para a moralidade.
[43] Anselm Spindler (2015, 262−263) [O livro é Die Theorie des natürlichen Gesetzes bei Francisco de Vitoria. Warum Autonomie der einzig mögliche Grund einer universellen Moral ist. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog] mostra que, para Vitoria, a faculdade de uso da razão é, além disso, “não apenas a razão da faculdade moral de um agente, mas também a razão da moralidade. Vitoria resolve, portanto, o problema da fundamentação de uma moral universal, argumentando que aqueles que estão sujeitos a essa moral são simultaneamente e pelo mesmo motivo também sua origem, pois a regra suprema da lei natural é idêntica ao princípio fundamental constitutivo da razão prática. O destinatário das obrigações morais é todo aquele que tem a faculdade de uso da razão, ou seja, a razão prática e a vontade”.
[44] S. Th. I-II, q. 1, art. 3: “Respondeo dicendum quod unumquodque sortitur speciem secundum actum, et non secundum potentiam, [...]”.
[45] De Indis, V II.
[46] Uma discussão detalhada das diferentes interpretações da relação entre ius e dominium em Vitoria e Molina foi realizada por mim juntamente com Christoph Haar, (Haar e Simmermacher 2014, 454−464) [O livro é "The foundation of the human being regarded as a legal entity in the 'School of Salamanca'− Dominium and Ius in the thought of Vitoria and Molina" Jahrbuch für Recht und Ethik / Annual Review of Law and Ethics 22:445−483].
[47] De Indis I 21−22: “Sed sit secunda propositio: Pueri ante usum rationis possunt esse domini. Hoc patet, quia possunt pati iniuriam; ergo habent ius rerum; ergo et dominium, quod nihil aliud est quam ius. Item bona pupillorum non sunt in bonis tutorum, et habent dominos, et non alios; ergo pupillos. Item pueri sunt haeredes. Sed haeres est, qui succedit in ius defuncti et qui est dominus haereditatis (I. cum heres ff., De diversis temporalibus praescriptionibus, et Inst., De heredum qualitate et differentia, § fin.). Item diximus quod fundamentum dominii est imago Dei, quae adhuc est in pueris, et Apostolus eodem loco (ad. Gal. 4,2): ,Quanto tempore heres parvulus est, nihil differ a servo, cum sit dominus omnium.‘ Nec est idem de creatura irrationali, quia puer non est propter alium, sed propter se, sicut est brutum. 22. Sed de amentibus quid? Dico de perpetuo amentibus, qui nec habent nec est spes habituros usum rationis. Sitque tertia propositio: Videtur adhuc quod possint esse domini, quia possunt pati iniuriam, ergo habent ius. Sed hoc remitto ad iurisconsultos utrum possint habere dominium civile”.
[48] DIEI V 46, 1698: “Est imperium seu praeceptio a suprema ad id potestate in republica permanenter lata ac promulgata, non uni aut alteri, sed omnibus aut simpliciter, aut ad quos id pro eorum conditione, loco, tempore, ac aliis circumstantiis servare spectat, et acceptata, quando, ut vim habeat, acceptatione indiget”. Cf. Kaufmann (2010, 387) [O livro é "Das Verhältnis von Recht und Gesetz bei Luis de Molina" em Lex und Ius. Lex and Ius, hg. v. Alexander Fidora, Matthias Lutz-Bachmann und Andreas Wagner, 369−391. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog].
[49] DIEI V 46, 1675: “[...] legem humanan civilem actum esse prudentiae politicae, [...] concurrente ad illum voluntate legislatoris libera per actum virtutis legalis, quae in eo architectonice refidet”.
[50] Costello (1974, 203) [O livro é The Political Philosophy of Luis de Molina S. J. (1535−1600). Rom: Institum Historicum S.I.]: “A lei é primariamente um ato do intelecto e Molina expressamente afirma que ele compreende os termos no mesmo sentido que compreende São Tomás em sua definição de lei”.
[51] S. Th. I-II, q. 90, art. 1. Tomei essa e as seguintes traduções de: Die deutsche Thomas-Ausgabe. Summa Theologica, vol. 13, (1977, 5).
[52] S. Th. I-II, q. 90, art. 4.
[53] DIEI II 1, 41: “Per eandem partem definitionis reiiciuntur a ratione iuris facultates, quibus, quacunque ratione contraveniatur, nulla habentibus eas facultates iniuria infertur: cuiusmodi sunt facultates rerum omnium ratione et libero arbitrio suapte natura carentium, ut brutorum ad pastum, et ad utendum propriis membris, lapidum ad descendendum deorsum, et caeterae aliae. Cum enim eiusmodi res eo ipso, quod libero arbitrio praeditae non sint, iniuriae non sint capaces, sane ut in eo, quod earum facultatibus quacunque ratione contraveniatur, nulla eis fit iniuria; sic nec facultates illae iuris rationem habent”.
[54] DIEI I 8, 26: “[…] iustitia est constans et perpetua voluntas, idest, est habitus quo inclinamur cum constantia et firmitate ad volendum ius suum unicuique”.
[55] DIEI V 46, 1675: “[…] imperium, quo eiusmodi leges, ita intellectu per politicam prudentiam fabricatae ac confectae, subditis imperantur, sit ulterior actus intellectus ab eadem politica ulterius elicitus, in quo ratio legis constat;”
[56] Tellkamp (2014, 128) [O livro citado é "Rights and Dominium" em A Companion to Luis de Molina, hg. v. Matthias Kaufmann und Alexander Aichele, 125−153. Leiden: Brill]: “Assim como para a maioria dos teólogos do século XVI em Portugal e Espanha, Tomás de Aquino é o ponto de partida inevitável, embora possa se notar que ele [Molina], buscou explicitamente se distanciar de Tomás à mandeira mais radical que seus colegas salmantinos— Domingo de Soto, que ele frequentemente critica, sendo o mais proeminente desses”.