Nota introdutória,
Neste texto Ludwig Lachmann, em 1954, busca sumarizar as principais mudanças e traçar os principais rumos que o pensamento econômico de sua época estava tomando, a ênfase dada a ele está na insatisfação dos economistas no que diz respeito às análises de equilíbrio neoclássicas, em meio a essas discussões, surge uma maior importância de fatores antes um tanto negligenciados: como a função econômica do tempo, as expectativas e questões metodológicas.
Algumas Notas Sobre o Pensamento Econômico, 1933-1953
Ao comentar o pensamento de uma época imediatamente após seu fim, o comentarista enfrenta uma tarefa semelhante à do biógrafo de um contemporâneo. Por mais íntimo que seja seu conhecimento sobre o assunto, por mais copiosas as fontes que ele possa explorar, fontes que podem não estar mais disponíveis vinte ou trinta anos depois, ele poderá falhar pela falta de perspectiva histórica. Todos nós sabemos que uma biografia escrita após cinquenta anos será, em muitos aspectos, diferente de uma escrita logo após a morte de um homem.
Os problemas da perspectiva histórica são notoriamente complexos e intrincados. Sem dúvida, conforme passa o tempo, autor e leitores obtêm uma visão mais clara do assunto, podendo vê-lo de uma distância, mas, ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais difícil apreciar o clima social, não mais o seu próprio, que motivou as ações dos homens sobre os quais eles estão interessados.
Não há, é claro, uma receita pronta para comentar sobre o passado recente sem parecer tolo dentro de cinquenta anos. Mas, incapazes de prever o que os futuros historiadores dirão sobre nossos assuntos, provavelmente não erraremos muito se nós --
- em primeiro lugar, tentarmos remover aqueles eventos cuja influência já está visivelmente desaparecendo, ou seja, limpar nossas mentes do que já pode ser visto como tendo sido puramente efêmero e;
- em segundo, dedicar nosso esforço principalmente ao discernimento das principais tendências de nossa época que também moldarão o futuro, a menos que todas elas sejam revertidas ou interrompidas, o que é improvável.
Não é preciso dizer que por razões de espaço nossa tarefa será limitada. Não pode nem sequer ser questão de tentativa nossa se aproximar de uma abordagem razoável e completa das ideias e discussões dos últimos vinte e um anos. Nem isso é tudo. Tudo que podemos fazer aqui é enfatizar o que parecem ter sido os “pontos críticos” do pensamento econômico de nosso período. Isso significa não apenas que muito terá de ser deixado de fora, mas que a seleção desses pontos críticos para discussão nestas páginas será altamente subjetiva. O leitor deve ter em mente que, caso outra pessoa escrevesse este comentário, sua seleção de tópicos para discussão, bem como sua ênfase nos vários tópicos selecionados, necessariamente diferiria das nossas. No presente contexto, isto é inevitável, mas, em nossa opinião, não se trata de um sacrifício sério. Toda história é interpretação. O leitor do que se segue estará em condições de comparar nossa interpretação do pensamento do período com o seu próprio e, assim, julgar por si mesmo.
Como visto a partir do quase advento de 1954, três grandes eventos parecem ter caracterizado o pensamento econômico dos últimos vinte e um anos: a ascensão da economia keynesiana, a evolução de diversas teorias sobre formas mistas de mercado, como o monopolista e o de concorrência imperfeita, e os novos desenvolvimentos em Economia do Bem-estar, associados ao Professor Hicks e ao Sr. Kaldor e seus críticos.1
Muito pouco precisa ser dito aqui sobre a nova Economia de Bem-estar. Apesar de seu impressionante nome e da engenhosidade mostrada por muitos de seus protagonistas, seu objeto está de algum modo longe da realidade. Certamente, todo esse corpo de pensamento tem sido desenvolvido ostensivamente como um código para orientar a política. Mas é difícil de ver como poderia ser colocado em operação. Seu conceito central, a “função de bem-estar social”, não é exatamente um brinquedo para políticos. E toda política, afinal de contas, é feita por políticos. Na realidade, como sabe todo leitor de jornal, os políticos buscam o poder, não o bem-estar social. Na verdade, um eminente economista do bem-estar admitiu francamente que “nossos arranjos podem talvez ser mais propriamente descritos como constituindo uma discussão de teoria de comportamento racional em vez de uma completa teoria do estado: pois estamos muito pouco preocupados com o que um o governo faz de fato em um caso em particular, e também não consideramos a questão ética do que um estado deveria fazer.”2
No campo do pensamento econômico, a ascensão da teoria Keynesiana do emprego e da renda foi sem dúvida a mais dramática, já que foi o evento mais discutido nos últimos vinte e um anos. Os produtos tanto da literatura Keynesiana quanto da anti-Keynesiana já atingiram tamanhos de montanhas. Tratar com precisão alguns dos problemas levantados nos é claramente impossível. Para pesquisar e avaliar a nova doutrina, até mesmo se nós nos limitássemos às questões mais debatidas, seria exigido um quadro de discussão de, pelo menos, o tamanho de um livro. Felizmente, aqui não há necessidade de tal esforço, pois o Professor Hutt irá, em outra parte deste volume, lidar com o que é provavelmente a questão mais crítica da doutrina keynesiana, a saber, a relação entre a curva de preços e o nível de renda. Mas alguns breves comentários sobre o significado da economia Keynesiana como um todo não estarão deslocados aqui.
Se o enxergamos simplesmente como um modelo teórico, o sistema Keynesiano é suficientemente sólido. É consistente no sentido de que, caso nós concedermos as premissas, as conclusões seguirão: o “nível de renda e emprego” serão determinados pelos bem-sabidos determinantes. A verdadeira questão é precisamente se se pode conceder às premissas: até que ponto elas refletem a realidade. Nas palavras de Schumpeter, o realismo da “visão” de Keynes, e não à consistência lógica de seu sistema, é que está em questão.
Tem sido dito às vezes que a economia Keynesiana, longe de nos fornecer uma “Teoria Geral”, reflete em suas suposições, explícitas e implícitas, as condições da Grande Depressão de 1929-1933, sob a influência da qual Keynes escreveu seu livro. Isto é, na melhor das hipóteses, uma meia verdade. Não faz justiça ao grande arquiteto do esforço econômico de guerra dos Aliados, a quem todos nós devemos tanto, e ao homem que tanto pensamento dedicou aos problemas do mundo do pós-guerra. Além disso, em “How to Pay for the War” (1940) Keynes mostrou, com seu brilhantismo habitual, como a técnica do “multiplicador” poderia ser usada para descrever os processos inflacionários. E, em geral, não precisamos duvidar que as condições de pleno emprego e “super-pleno” emprego, como as encontramos durante e nos anos do pós-guerra, foram descritas em termos Keynesianos, assim como o são as condições de desemprego geral.
A verdade parece ser que, para o modelo Keynesiano, há outro limite de sua validade. A economia keynesiana é uma economia de situações extremas: ela se ajusta às circunstâncias da guerra e inflação do pós-guerra, com a escassez universal de mão-de-obra e recursos materiais, tanto quanto o mundo do início da década de 1930, com desemprego quase universal e “capacidade em excesso”. Em outras palavras, o modelo keynesiano se encaixa razoavelmente bem em qualquer mundo no qual encontramos as várias classes de fatores de produção em condições aproximadamente semelhantes, e onde eles, portanto, possam ser tratados como se fossem homogêneos. Em tal mundo, a heterogeneidade real dos fatores pode muitas vezes ser desconsiderada com impunidade. É aqui, mas somente aqui, que o famoso método “macroeconômico” funciona satisfatoriamente.
Mas, da mesma forma, nosso modelo pouco pode-nos dizer sobre o que consideramos ser a situação normal de uma economia progressiva. Onde há desemprego em algumas indústrias e escassez de mão-de-obra em outras, onde a escassez de equipamentos em alguns setores rapidamente em expansão coincide com o excesso de capacidade em outros, as noções macroeconômicas são de pouca utilidade. Em tais circunstâncias, um “ponto de pleno emprego”, que poderíamos esperar alcançar, mas não exagerar, aplicando aqueles familiares remédios baratos, não existe. A suposição de homogeneidade universal se desfaz. Os economistas precisam procurar outras ferramentas.
Quando agora nos voltamos às teorias de formas mistas de mercado, o monopolista e o de concorrência imperfeita, para aplicar aí, como fizemos no caso Keynesiano, nossos testes iguais de consistência interna e correspondência à realidade, vemos um quadro muito diferente. Por um lado, a singularidade do propósito analítico, a unidade do projeto estrutural, que são características tão fascinantes do sistema keynesiano, aqui se tornam faltantes. As teorias da concorrência não são todas criadas da mesma maneira. Como resultado, testemunhamos o Professor Chamberlin descartando em voz alta uma filiação intelectual que a Sra. Robinson manifesta existir.3
Por outro lado, a maioria dos ataques feitos às novas teorias que se baseiam em acusações de falta de realismo, foram derrotados com surpreendente facilidade. Ao evitar o que, por um tempo, pareceu o mais perigoso desses ataques, a investida dos entusiastas do “preço de custo total” [full-cost pricing]4, os defensores demostraram destreza e geralmente uma compreensão muito melhor das circunstâncias reais nas quais a ação econômica [business action] precisa ser tomada, particularmente nas firmas multi-produtos, do que poderiam mostrar seus oponentes, com todo seu alegado realismo.5
Há, contudo, algumas fissuras ameaçadoras no edifício doutrinário. Recentemente, tanto o Professor Chamberlin quanto a Sra. Robinson acharam necessário revisitar seus triunfos anteriores, uma visita que, pelo menos da parte da Sra. Robinson, parece tê-la levado a uma considerável introspecção, enquanto o Sr. Harrod agora submeteu uma versão revisada da teoria da concorrência imperfeita.6 Nenhuma alteração estrutural importante foi considerada necessária, mas parece haver uma tendência comum em reavaliar a parte da curva de receita marginal, que há vinte anos era amplamente considerada o próprio fio condutor das novas doutrinas. Enquanto o Professor Chamberlin a rejeita como “um pedaço de pura técnica não relacionada ao problema central,”7 o Sr. Harrod baseia sua rejeição da doutrina do excesso em capacidade sobre uma distinção entre receita marginal de longo e curto prazo, dos quais, segundo ele, apenas o primeiro determina o preço e a produção sob concorrência imperfeita.
Mas os problemas mais interessantes da teoria das formas mistas de mercado surgem em conexão com a questão se, sob que medida, e, se realmente o fazem, em que sequência as diversas formas de mercado podem suceder umas às outras no tempo. Neste contexto, a “inevitabilidade do monopólio”, ou talvez do oligopólio, exige especial atenção. Mas estas são questões para as quais será melhor retornarmos após termos explorado as questões mais amplas das quais eles fazem parte.
Até agora, lidamos com problemas que se tornaram importantes nas discussões das duas últimas décadas e ocuparam a maior parte da literatura. Devemos agora nos voltar àquelas questões mais amplas que, embora não reconhecidas na época, e mesmo agora talvez pouco visíveis, estavam de fato implícitas, e fundamentam as questões atualmente em discussão. Mas antes de começarmos a examinar a profundidade do fluxo de pensamento econômico, temos de lidar com uma questão que não pode ser assim facilmente classificada: um problema cujos aspectos ganharam relevância e foram amplamente discutidos, mas que tinham raízes e ramificações que não foram reveladas. Ao longo de nossas duas décadas, notamos um sentimento crescente de insatisfação com os métodos tradicionais de equilíbrio da economia neoclássica, e um forte desejo de tornar a análise econômica “mais dinâmica”.
A análise de equilíbrio foi sentida como sendo irrealista. Na realidade, foi-nos dito, raramente se encontra um equilíbrio. Dessa forma, para ser sincero, as críticas não precisam ser levadas muito a sério. Nenhum modelo teórico, é claro, pode sempre fornecer uma figuração completamente adequada da realidade. Os méritos de um determinado modelo precisam ser julgados em comparação com aqueles de outro modelo, atual ou potencial, não em comparação com a “realidade” que está, e sempre permanecerá, para além de nossa compreensão teórica. O caso de senso comum para o método de equilíbrio é que, se quisermos pesquisar um conjunto de forças diversas, o método mais fácil de fazer isso é realizar o experimento mental de imaginar aquele estado de coisas que seria alcançado quando todas essas forças tivessem desdobrado todas as suas implicações. Isso é certamente muito mais simples do que ter de avançar através do laborioso processo de descrição e classificação de cada força separadamente. O método, entretanto, só pode ser aplicado se, primeiro, o desdobramento das forças puder ocorrer sem interferência exógena e, segundo, se o modo de interação de nossas forças é conhecido e pode ser previsto. A primeira condição, habitualmente declarada como o familiar ceteris paribus, é simplesmente um postulado fundamental de todo método científico. Mas a segunda condição levanta uma questão peculiar às ciências sociais. Nossas forças, afinal de contas, refletem a ação humana provocada pelo conhecimento. A segunda condição, portanto, significa que os indivíduos que agem durante o processo de interação que leva ao equilíbrio não adquirem novos conhecimentos: caso contrário, suas ações não podem ser previstas. Há muitos casos (a arbitragem cambial é um exemplo óbvio) em que o processo de interação é tão rápido que a segunda condição será aproximadamente cumprida, mas há outras nas quais não será. A verdadeira objeção ao método do equilíbrio é que ele deve ignorar o processo pelo qual os homens adquirem e processam novos conhecimentos sobre as necessidades e recursos uns dos outros. Mas durante nosso período, o problema foi raramente visto sob esta luz, exceto pelo Professor Hayek, cujos profundos estudos desses problemas romperam muito terreno novo e abriram perspectivas inteiramente novas.8
O desejo de dar às ideias proeminentes da época uma maior dinâmica do que aquela com a qual originalmente surgiram foi uma forte tendência no período aqui analisado.9 Em particular, a visão de Keynes sobre a economia capitalista, afundando num pântano de desemprego permanente, claramente exigiu uma teoria do desenvolvimento econômico para a qual o próprio mestre havia contribuído apenas com alguns poucos fragmentos. Do escrito do Sr. Harrod “Essay in Dynamic Theory”10 até sua posterior contribuição “Towards a Dynamic Economics”, incluindo o “Generalisation of the General Theory” da Sra. Robinson,11 houve muitas tentativas para “dinamizar” a doutrina Keynesiana. Se nenhuma dessas tentativas foi bem-sucedida, isto se deveu, à primeira vista, ao fato de que o modelo empregado, o de uma economia em expansão, era um pouco simples demais, apenas a “economia uniformemente progressiva” de Cassel atualizada para igualar o cenário Keynesiano da época, a “sociedade que faz menos do que o pleno uso de seus recursos humanos e materiais”. Mas precisamos apenas sondar um pouco abaixo da superfície para ver que a verdadeira razão de sua derrota foi o descaso com os problemas do tempo e do conhecimento.
Isto não quer dizer que o papel do tempo na economia tenha sido negligenciado durante nosso período. Certamente não foi,12 mas suas implicações o foram. A Sra. Robinson, em um clima retrospectivo, confessou: “Na minha opinião, as maiores fraquezas da Economics of Imperfect Competition é uma que compartilha com a classe de teorias econômicas à qual pertence—o fracasso em lidar com o tempo.”13 Como uma generalização sobre economia neoclássica, isto é dificilmente um comentário justo. Afinal, Marshall tinha muito a dizer sobre o tempo e seus efeitos econômicos. Mas enquanto o tempo como uma dimensão dos fenômenos econômicos não era, de forma alguma, desconhecido antes de 1933, seu verdadeiro significado econômico foi somente tardiamente reconhecido.
O tempo traz mudanças, e as mudanças trazem a necessidade de ajustes a novas condições. Mas uma resposta pronta a essa necessidade não pode ser dada como algo certo. Em uma sociedade baseada na divisão do trabalho, os homens precisam conhecer as necessidades e os recursos uns dos outros a fim de alcançar seus objetivos.
Em uma economia estacionária, em um mundo no qual o hoje é como foi o ontem e o amanhã será como foi o hoje, a pergunta de como os homens adquiriram o conhecimento pelo qual vivem não oferece problema particular. Basta perguntar, em geral, como a economia estacionária chegou a ser estacionária. Aqui não é descabido assumir, como economistas clássicos e neoclássicos fizeram, que todos os homens possuem o conhecimento necessário para realizar suas tarefas diárias.
Mas em um mundo em mudança, a questão não pode ser evitada. Aqui, a mudança implica que parte do conhecimento de ontem não será mais útil hoje. Os homens precisam travar uma batalha contínua com as forças da mudança e da ignorância, uma vez que todos os dias que passam transformam o conhecimento anterior na ignorância atual. Aqui, o problema econômico começa a consistir em grande parte, se não exclusivamente, em “manter-se atualizado” com o fluxo de mudanças. Será o mestre aquele que compreender melhor, e de forma mais rápida, que o próximo homem o que as mudanças recentes “significam” em termos de necessidades e recursos. Além disso, surge agora a tarefa de adivinhar hoje com precisão o que a mudança de amanhã trará. Torna-se claramente impossível assumir que novos conhecimentos são adquiridos por todos com a mesma velocidade com a qual mudam as condições, ou mesmo que, se houver um atraso, será o mesmo para todas as pessoas. A mudança traz a necessidade de adaptação às novas condições, mas poucas pessoas irão, a princípio, compreender quais são essas novas condições, ou o que elas exigem, e poucos lucrarão às custas dos outros. (A reação típica do público poupante à inflação secular de nosso tempo fornece amplas ilustrações sobre isso). O tempo, portanto, implica em mudanças no conhecimento e sua distribuição, logo, também mudanças nos recursos dos vários indivíduos, uma conclusão dificilmente agradável para os igualitários.14
Este problema, no qual qualquer tentativa séria de trazer o tempo à teoria econômica precisa enfrentar, tem sido, via de regra, até agora ignorado. Os “modelos dinâmicos” dos senhores Harrod e Hicks são proeminentes exemplos dessa tendência, enquanto a mais engenhosa tentativa, até agora, a fugir abertamente do problema, assumindo “perfeita previdência”, logo foi vista como implicando muitos absurdos para encontrar a pronta aceitação. No entanto, durante nosso período, repetidas vezes, o problema veio à tona. Este fato foi refletido no crescente interesse nas expectativas.
Seria muito errado, é claro, pensar que as expectativas não existiam para os economistas antes de 1933. Nenhum economista que tivesse de lidar com problemas concretos poderia alguma vez se permitir esquecer que em um mundo incerto os homens não baseiam suas ações no que é, mas no que eles pensam que será. Continua sendo verdade, no entanto, que a introdução das expectativas na teoria econômica foi um dos maiores eventos de nosso período. Acreditamos que historiadores futuros do pensamento econômico o classificarão como o evento de destaque.
Devemos primeiro esboçar brevemente a posição como ela existia em 1933. Já em 1912, Schumpeter15 realizou a distinção entre o “empreendedor”, o homem que possui o poder mental para imaginar que o amanhã diferirá do hoje, e que é capaz de agir de acordo, e o “indivíduo estático”, que não possui esse poder e só pode se adaptar às circunstâncias existentes. O professor Knight, por uma via diferente, chegou praticamente à mesma conclusão, que, em um mundo incerto, lidar com a admissão de incertezas torna-se uma função de especialistas. Na Suécia, no final da década de 1920, os pupilos de Wicksell haviam encontrado esse problema, e o Professor Myrdal escreveu o primeiro livro explicitamente dedicado a ele.16 Até mesmo na Inglaterra, Keynes, embora provavelmente de maneira involuntária, já havia introduzido expectativas em 1930, quando ele discutiu a influência do “otimismo” e “pessimismo” do público.17
Permanece verdade que somente na Teoria Geral as expectativas foram oficialmente introduzidas na economia anglo-saxônica. É de se lamentar que isso tenha sido feito de forma tão caótica. Assim, a eficiência marginal do capital e a preferência pela liquidez são magnitudes das expectativas, mas a importantíssima propensão marginal ao consumo não o é, embora seja difícil perceber por que decisões de consumidores não devam ser influenciadas por expectativas de preços futuros. Além disso, em um mundo no qual a maior parte dos produtos duráveis e semiduráveis, desde aparelhos de televisão até roupas, pode ser comprada a crédito, as despesas dos consumidores não se limitam à renda atual, e o consumidor está em uma posição não muito diferente daqueles que tomam decisões de investimento. É difícil evitar a impressão de que Keynes introduziu as expectativas sempre que se adequavam ao seu argumento, e as deixado de fora quando não. Além disso, em seu Capítulo 12 sobre "O Estado de Expectativa de Longo Prazo", a famosa diatribe contra à Bolsa de Valores, torna-se dolorosamente evidente que Keynes falhou em compreender a natureza do problema colocado pela existência de expectativas inconsistentes. Em vez de estudar o processo pelo qual os homens em um mercado trocam conhecimentos entre si, e assim gradualmente reduzem o grau de inconsistência por suas ações, ele redondamente condenou a instituição mais sensível para a troca de conhecimento que a economia de mercado já produziu!
Não se pode dizer que a teoria das expectativas tenha feito muito progresso desde os escritos de Keynes. Para ser sincero, possuímos agora um conjunto de ferramentas de análise impressionante. A “elasticidade de expectativas” Hicksiana,18 o “intervalo prático” do Dr. Lange,19 e a “função de surpresa potencial”, do Prof, Shackle,20 todas atestam a grande quantidade de engenhosidade que tem sido dedicada ao assunto durante nosso período. Se, por todos os esforços feitos, os resultados tenham sido escassos, a razão precisa ser buscada na natureza do mecanismo das ferramentas e teorias em que são empregados. Nenhuma dessas teorias veio para lidar com o fato central de um mundo dinâmico: os atos humanos de interpretação pelos quais os homens tentam se manter a par das mudanças nas necessidades e recursos. Estes autores desconsideram que o homem lança o material de seu conhecimento na forma de expectativas.
A insatisfação com as deficiências do método do equilíbrio anteriormente mencionada deu origem, durante nosso período, às primeiras experiências com um novo método de análise, que veio a ser conhecido como “Análise do Processual Sueca” [Swedish Process Analysis]. O senso comum desse novo método é, resumidamente, que enquanto de cada indivíduo, produtor ou consumidor, quando ele planeja, pode razoavelmente esperar coordenar seus recursos de tal forma a utilizá-los da melhor maneira possível (para que “ele esteja em equilíbrio”), estes vários planos não precisam ser, e provavelmente não serão, coerentes entre si. Portanto, de tempos em tempos, estes planos terão de ser revistos à luz dos novos conhecimentos advindos de seus fracassos. Em outras palavras, a Análise de Processual considera que, em um mundo em mudança, os homens adquirem somente gradual e imperfeitamente os conhecimentos sobre as necessidades e recursos uns dos outros.
O novo método fez sua primeira aparição no mundo Anglo-saxão em 1937, no Studies in the Theory of Economic Expansion, do Professor Lundberg. Seu raciocínio foi explicado de forma lúcida pelo Professor Lindahl, em 1939. Foi utilizado com destreza pelo Professor Hicks nas Partes III e IV de Value and Capital. Embora com seus críticos,22 talvez tenha sido uma das mais promissoras novidades de nosso período.23 Nos anos do pós-guerra, mostrou-se útil no estudo dos processos de inflação, abertos ou suprimidos.24
A Dinâmica também invadiu a teoria das formas de mercado durante nosso período. Com o oligopólio, isto se tornou inevitável assim que foi compreendido que, para o bem ou para o mal, os oligopolistas precisam agir sobre o que eles esperam que seus rivais façam no futuro. Mas aqui, novamente, o verdadeiro problema vai muito mais fundo, e certamente passa pelo oligopólio. Desde que a concorrência fosse considerada a principal forma de mercado, com o monopólio como exceção, era suficiente perguntar que circunstâncias peculiares o causaram. Mas nas últimas duas décadas, aprendemos que a maioria das formas de mercado são híbridos de monopólio e concorrência. A pergunta agora surge se todas essas diversas formas de mercado precisam ser consideradas como alternativa, através de tipos permanentes de organização de mercado, ou como etapas sucessivas de um processo. Se for este último, devemos perguntar no que constitui a sequência típica desse processo, e também se existe apenas um desses tipos de processo ou se, na verdade, existem vários.
O problema encontra sua expressão mais crua nas afirmações neo-marxistas de que o “Capitalismo competitivo” é inevitavelmente seguido pelo “Capitalismo de Monopólio”. Mas mesmo fora da órbita do marxismo, o problema é suficientemente importante para merecer uma discussão. É uma das questões sobre as quais as discussões das últimas duas décadas têm ocorrido sem a elas prover uma resposta conclusiva.
Até agora, o problema foi, em regra, discutido no contexto de Retornos Crescentes. Sempre se soube que a competição perfeita é incompatível com o aumento dos retornos. Este fato forneceu o ponto de partida original para a Economics of Imperfect Competition. Mas os retornos crescentes levam necessariamente ao monopólio ou ao oligopólio? Ao final de nosso período, encontrarmos o problema de forma alguma resolvido. O Sr. Harrod crê que “o aumento dos retornos é compatível com qualquer tipo de concorrência imperfeita, mas não com a concorrência perfeita”.25 A Sra. Robinson, por outro lado, chegou à conclusão de que: “A principal causa do monopólio (em sentido amplo) é obviamente a concorrência. As empresas estão constantemente se esforçando para expandir, e algumas devem ser mais bem-sucedidas que outras.”26
A inevitabilidade do oligopólio é aqui inferida a partir da existência de retornos crescentes. Na medida em que estes últimos são consequência das “indivisibilidades técnicas”, o argumento é plausível o suficiente: a firma maior tem a vantagem sobre a firma menor. Mas, como o Sr. Harrod demonstrou, os retornos crescentes também são frequentemente uma função do tempo. E o tempo, como vimos, implica a difusão de conhecimento. É difícil perceber por que o conhecimento adquirido por uma firma durante o curso de sua expansão deve permanecer para sempre como sua posse exclusiva, a menos que assumamos que cada firma, em qualquer momento, é de um caráter tão único que ninguém mais pode aprender com ela visando lucrar, uma suposição que naturalmente destruiria a maioria das generalizações em nosso campo e, em todo caso, tornaria impossível a concorrência.
É possível, no entanto, sentir que toda a discussão repousa sobre um conceito fundamental errado da natureza da concorrência. Quase sempre se supõe que a concorrência, perfeita ou não, é uma forma de mercado dentre outras. Na discussão mencionada, a questão era apenas se se tratava de uma forma “estável” de mercado. Na realidade, como o Professor Hayek coloca, “concorrência é, por natureza, um processo dinâmico cujas características essenciais são ignoradas pelas suposições subjacentes a análise estática.”27
Em outras palavras, a concorrência não é uma forma de mercado, mas o próprio processo pelo qual uma forma de mercado evolui para outra. E este processo é idêntico ao de difusão do conhecimento, não apenas de produtores para consumidores, mas de produtores para seus rivais. O “estado de perfeita competição” que, nas duas últimas décadas têm servido como modelo padrão dos livros-texto é, se é que é possível, concebível apenas como o produto-final desse processo de concorrência. Para existir uma situação na qual todos os consumidores são completamente indiferentes acerca dos produtos dos vários vendedores, deve haver uma situação na qual cada consumidor sabe tudo o que há para saber sobre todas as mercadorias no mercado. Por outro lado, todo o novo conhecimento, técnico ou não, é, a princípio, necessariamente a posse de alguns poucos, a quem provavelmente conferirá uma posição temporária de monopólio. Gradualmente, à medida que os novos conhecimentos são testados nas fábricas, bem como no mercado, cada vez mais pessoas vem a conhecê-los e, assim, a difusão do conhecimento gradualmente mina o monopólio de outrora. No decorrer do progresso, podemos esperar que à medida que uma “onda de conhecimento” alcança a periferia do sistema, tornando-se “conhecimento comum”, uma nova onda emanará de algum outro lugar, e o processo voltará a se repetir. Esse é, sem dúvida, o verdadeiro sentido do “processo de destruição criativa” de Schumpeter.
Um “estado de competição perfeita”, no sentido dos livros-texto, exigiria, portanto, que este processo chegue ao fim. Em outras palavras, denota um estado de estagnação. Na realidade, o conhecimento é sempre desigualmente distribuído, embora, em cada momento, forças estejam operando para ampliar sua distribuição. Não há razão para acreditar que essas forças deixem de operar sob o oligopólio. A fim de compreender o que ocorre em um mercado, não é suficiente contar o número de vendedores. O que precisa ser estabelecido é o grau existente de diferenciação de conhecimento, e se, e por qual motivo, ele aumentou ou diminuiu recentemente.
Como exemplo final da má interpretação das forças de mercado, de provável ocorrência quando elementos do processo competitivo são forçados ao leito Procustiano da análise estática, podemos escolher a noção de Diferenciação de Produto, que tem ocupado um proeminente lugar nas discussões de nosso período. Diferenciação de produto é geralmente concebido como o resultado de tentativas deliberadas por empresários para se protegerem contra as forças competitivas. Eles devem fazer isso espalhando informação enganosa, por meio de publicidade e outras formas, aos consumidores, que não possuem meios de obter melhores conhecimentos. Sem dúvida, se olhamos para um mercado em um determinado momento, podemos frequentemente ter essa impressão: mas é, no entanto, provável que seja um engano. Quando colocada no pano de fundo do processo de progresso econômico, a asserção de que a diferenciação de produtos é praticada por produtores astutos em um público insuspeito aparece um absurdo. A melhoria da qualidade é uma das marcas registradas do progresso econômico. É claramente impossível sem a diferenciação de produto. Alguém pode imaginar como os aviões, automóveis, máquinas de escrever, etc., de cinquenta anos atrás poderiam ter evoluído para suas formas atuais sem diferenciação de produtos? A visão de diferenciação de produtos aqui criticada parece, portanto, cair na classe de generalizações ilegítimas.
Sem dúvida, um produtor muitas vezes tentará esconder uma particular informação do público, e, por um tempo, ele pode muito bem ser bem-sucedido. Mas neste caso, ele tem de pagar a penalidade de não ser capaz de utilizar seus próprios conhecimentos, testando-os, e melhorando-os através de seu uso. Mais cedo ou mais tarde, novas ondas de conhecimento o varrerão. O processo de difusão do conhecimento é inerente a uma sociedade de especialistas que trocam bens e serviços entre si. É uma concomitância da divisão de trabalho. Nem mesmo os políticos não conseguem pará-lo de uma vez, embora eles possam muito bem retardá-lo.
1 NOTAS
- N. Kaldor, “Welfare Propositions of Economic and Interpersonal Comparisons of Utility”, Economic Journal 49 (setembro de 1939): 549-52; J. R. Hicks, “The Foundations of Welfare Economics,” Economic Journal 49 (dezembro de 1939): 696-712. Para críticas à visão de Hicks-Kaldor, ver I. M. D. Little, A Critique of Welfare Economics (Londres: Clarendon Press, 1950), especialmente os Capítulos VI e VII.
- W. J. Baumol, Welfare Economics and the Theory of the State (Cambridge: Harvard University Press, 1952), p. 140.
- “Eu nunca fui capaz de entender a natureza da distinção entre a concorrência imperfeita e monopolista à qual o Professor Chamberlin dá tanta importância.... Parece-me que onde lidamos com a mesma questão, em nossos respectivos livros, e fizemos as mesmas suposições, alcançamos os mesmos resultados (exceto erros e omissões). Quando lidamos com diferentes questões, nós naturalmente fazemos diferentes suposições” (Joan Robinson, “Imperfect Competition Revisited”, Economu Journal 63 [setembro de 1953]: 579n).
- Ver P. W. S. Andrews, Manufacturing Business, 1949.
- E. A. G. Robinson: “The Pricing of Manufactured Products,” Economic Journal 60 (dezembro de 1950): 771-80; e “The Pricing of Manufactured Products and the Case against Imperfect Competition,” Economic Journal (junho de 1951): 429-33; R. F. Harrod, Economic Essays (Londres, 1953), pp. 157-74;. E. H. Chamberlin, "'Full Cost' and Monopolistic Competition," Economic Journal (junho de 1952): 318-25.
- E. H. Chamberlin, “Monopolistic Competition Revisited,” Economica 18 (novembro de 1951): 343-62; Joan Robinson, “Imperfect Competition Revisited,” Economic Journal (setembro de 1953): 579-93; R. F. Harrod, “The Theory of Imperfect Competition Revisited”, em Economic Essays,, pp. 139-87.
- Economic Journal 62 (junho de 1952): 321.
- "Economics and Knowledge" e “The Use of Knowledge in Society,” reimpresso em Individualism and Economic Order (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1949), pp.33-56 e pp.77-91.
- Por razões bastante óbvias, este sentimento encontrou sua mais forte expressão na teoria dos ciclos econômicos. Mas como o professor Schumann lida com este campo em outro lugar neste volume, podemos negligenciá-lo aqui.
- R. Harrod, “An Essay in Dynamic Theory”, Economic Journal 49 (março de 1939): 14-33.
11. Joan Robinson, The Rate of Interest and Other Essays (Londres: Macmillan & Co., 1952), pp. 69-142.
- Ver, por exemplo, P. N. Rosenstein-Rodan, “The Role of Time in Economic Theory”, Economica 1 (fevereiro de 1934) 77-97.
- "Imperfect Competition Revisited", Economic Journal 63 (Setembro de 1953): 579-93.
- Sobre todo este problema, ver Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (New Haven: Yale University Press, 1949), especialmente pp. 308-11, e pp. 580-83. Este importante livro não tem, até agora, recebido a atenção que merece.
- Na versão original em alemão de seu Theory of Economic Development [ed. Inglês, Cambridge: Harvard Economic Studies Series,1934].
- Gunnar Myrdal, Prisbildningsproblemet och föränderligheten (Uppsala: Almquist & Wiksells, 1927).
- Treatise on Money, vol. 1, Capítulos 10 e 15.
- J. R. Hicks, Value and Capital (Oxford: Clarendon Press, 1939), p.205.
- Oscar Lange, Price Flexibility and Employment (Bloomington, Ind.: Principia Press, 1944), p. 30.
- G. L. S. Shackle, Expectation in Economics (Cambridge: Cambridge University Press, 1949), p. 4.
- Studies in the Theory of Money and Capital (Londres: Allen & Unwin, 1939), Parte I.
- Ver, por exemplo, A. P. Lerner, Essays in Economic Analysis, pp. 215-241.
- Ver também Karl Bode, “Plan Analysis and Process Analysis,” American Economic Review 33 (junho de 1943): 348-54.
- Ver Bent Hansen, A Study in the Theory of Inflation (Londres: Allen & Unwin, 1951).
- Economic Essays, p. 186.
- “Imperfect Competition Revisited”, p. 592.
- Individualism and Economic Order, p. 94.