ARTHUR PAP (1921-1959): UMA BREVE BIOGRAFIA INTELECTUAL
Traduzido por Gabriel Marculino
[Retirado de ‘The Limits of Logical Empiricism: Selected Papers of Arthur Pap’ (2006): 365-68]
Arthur Pap nasceu no dia 1 de outubro de 1921 em Zurich, na Suíça. Seu pai foi um homem de negócios bem-sucedido. O talento de Pap na música mostrou-se prematuramente. Por um tempo, ele estudou com o pianista clássico Walther Frey. Durante seus anos de ginásio (High School), Pap desenvolveu uma paixão por filosofia, com um interesse primário em Hegel e a filosofia especulativa (neo)Kantiana. Enquanto estudava na Universidade de Zurich, ele fez alguns cursos de filosofia e lógica de Karl Dürr.
Sendo de descendência judaica, a vida se tornou cada vez mais difícil para a família de Pap durante a Segunda Guerra Mundial. Eles foram forçados a sair da Suíça e, depois de uma longa e difícil jornada através da ainda não-ocupada parte da França, Espanha e Portugal, chegaram nos Estados Unidos em fevereiro de 1941, se estabelecendo na cidade de Nova Iorque. Pap queria estudar filosofia na faculdade, mas a Universidade de Columbia não o admitiu imediatamente, porque tinha uma cota no número de estudantes judeus. Ele, portanto, entrou na Juilliard School of Music antes de iniciar seus estudos em Columbia no outono de 1941. Pap continuou a praticar o piano intensamente até 1945.
Depois de obter seu Bacharelado de Artes (Bachelor of Arts) em Columbia, Pap foi à Yale University em 1943 para seu mestrado. Cassirer tornou-se seu supervisor e forneceu o estímulo original para o trabalho de Pap sobre a necessidade hipotética e o a priori funcional. Cassirer foi um professor convidado em Yale durante o período de 1941-1944, onde realizou seminários conjuntos sobre filosofia da história (1941-2), filosofia da ciência natural (1942-3, junto com Henry Margenau), e epistemologia (1943-4, junto com Frederic B. Fitch e Charles L. Stevenson). Stevenson, que estudou com G. E. Moore e Wittgenstein no início de 1930 em Cambridge e, junto com Nelson Goodman, participou dos seminários informais de Quine sobre o Aufbau de Carnap (Carnap 1928) em Harvard (1935), foi professor de ética em Yale de 1939 a 1946. Sua versão do emotivismo ético (apresentado especialmente com força em Ethics and Language (Stevenson 1944)) foi muito controverso lá e Stevenson acabou sendo demitido.
Stevenson foi uma importante influência formativa sobre a orientação filosófica de Pap. Stevenson o introduziu à tradição empiricista na epistemologia, notavelmente Hume, a refutação do idealismo de Moore sob as bases do “senso comum”, e através do Language, Truth, and Logic (Ayer 1952b) de Ayer, a doutrina central dos empiristas lógicos (a teoria verificacionista do significado). Os primeiros papers de pap na filosofia analítica, datados de 1946, lida exclusivamente com questões na meta-ética, ou a análise do significado (meaning-analysis) de juízos éticos (Pap 1946a; Pap 1946c; Pap 1946d). Pap permaneceu interessando em ética analítica ao longo de sua vida (veja e.g. Pap 1962, capítulo 21 e Pap 1961). Além disso, em anos posteriores, Pap tendia a minimizar a importância de seus primeiros trabalhos em Yale, escritos sob a orientação de Cassirer (Pap 1943a; Pap 1943b; Pap 1944).
Em 1944 Pap decidiu retornar a Columbia, onde ele completou sua tese de PhD sob a supervisão de Ernest Nagel, que, de início, rejeitou o manuscrito. Entretanto, ganhou o prêmio Woodbridge de melhor dissertação filosófica e foi, subsequentemente, publicada como The A Priori in Physical Theory (Pap 1946b). Na primeira parte, intitulada “The Functional A Priori”, Pap desenvolve sua própria interpretação do sintético a priori na ciência, se referindo não apenas a Cassirer, mas também a C. I. Lewis (veja Pap 1968) e J. Dewey. A segunda parte, intitulada “Application of the Functional Theory of the A Priori to Newtonian Mechanics” providenciou um análise dos procedimentos metodológicos da física moderna, com uma especial atenção epistemológica à natureza contrafactual das leis teóricas básica na física.
No restante de 1946, Pap ministrou cursos de extensão em filosofia na Columbia. Ele foi nomeado instrutor na faculdade de graduação da Universidade de Chicago no ano seguinte. Lá ele desenvolveu uma amizade intelectual ao longo da vida com Rudolf Carnap. Pap não ficou muito tempo, no entanto, já que ele não só era obrigado a ensinar química (um curso sobre a teoria da luz de Huygens) ao lado de filosofia, mas também porque tinha pouquíssima liberdade para ensinar filosofia. Antes que o ano de 1947 terminasse, Pap notificou e partiu para o City College da City University of New York. Pap mais tarde comentou que aprendeu muito com Carnap e Bertrand Russell (Pap 1958c, p. xvi). Ele frequentemente defendeu a visão de Carnap sobre a análise semântica contra oponentes (veja e.g. Pap 1955d; Pap 1955b; Pap 1955f; Pap 1960), mas diferia fortemente com ele sobre a possibilidade de ser capaz de distinguir entre componentes de significado analítico e sintético de conceitos de disposição (veja em particular Pap 1953d; Pap 1958a; Pap 1963b). Talvez tenha sido através de Cassirer que Pap ficou sabendo do trabalho de Carnap sobre conceitos de disposição no final da década de 1930. Certamente Cassirer conhecia bem o ramo escandinavo do Círculo de Viena e, em particular, o intercâmbio de Eino Kaila com Carnap.
Em 1948, Pap trabalhou no que talvez seja hoje em dia seu trabalho melhor conhecido, Elements of Analytic Philosophy (Pap 1949b). Herbert Feigl fez as primeiras publicações possíveis e, junto com Stevenson e Carnap, providenciaram várias sugestões críticas. Neste estudo, Pap defende um vínculo estreito entre filosofia analítica e lógica, referindo-se principalmente à tradição empirista na epistemologia (Locke, Hume, Berkeley) incluindo Russell. Ele argumenta que muitos, senão todos, problemas de uma natureza metafísica podem ser reformulados como problemas de análises lógicas ou ser demonstrados como pseudo-problemas. De uma maneira notavelmente franca e impetuosa para ele, Pap afirma logo de início que o livro não é destinado àqueles que preferem a abordagem convencional da filosofia (p. vi) e que ele não quer se juntar à bandeira de nenhum dos grandes chefes do partido (p. x). As ressalvas de Pap em relação a um forma carnapiana de empirismo lógico são formuladas mais claramente em Pap 1949d, que é um bom acompanhante para Pap 1949b. Como Pap (1956) claramente indica, “Pap não considerou o empirismo lógico fundamentalmente incompatível com o “racionalismo a priori”.
De 1949 a 1953, Pap foi Professor assistente de filosofia na University of Oregon (Eugene). Durante esse período ele escreveu “em relativo isolamento dos filósofos analíticos interessados nos mesmos problemas” (Pap 1958c, xvi) a maior parte de seu estudo principal na filosofia analítica Semantics and Necessary Truth: An Inquiry into the Foundations of Analytic Philosophy, em que ele continuou o trabalho até o outono de 1956 (ibid., xvi). Pap não era um filósofo eremita, entretanto. Ele permaneceu em contato próximo com muitos dos principais empiristas lógicos exilados, incluindo Hans Reichenbach, Carl G. Hempel e Gustav Bergmann bem como filósofos analíticos nos EUA, incluindo Wilfrid Sellars, Hilary Putnam e Michael Scriven, ambos em várias conferências nacionais e internacionais, e através de correspondência pessoal.
No início da decada de 1950, Pap traduziu o Der Wiener Kreis: Der Ursprung des Neopositivismus [*O Círculo de Viena: As origens do Neopositivismo] de Viktor Kraft para o inglês (Pap 1953b). Kraft (1880-1975), um dos membros originais do Círculo de Viena, havia se aposentado em 1952, cinco anos depois de sua reabilitação bastante problemática como professor de filosofia na Universidade de Viena. A partir de 1949, Kraft e seu colega Bela Juhos (1901-1971) lideraram um grupo de discussão de estudantes de filosofia e física, do qual Paul Feyerabend se tornou o porta-voz. Wittgenstein, G. E. M. Anscombe e G. H. Von Wright estão entre os falantes convidados. Sob a recomendação de Kraft, Pap foi nomeado palestrante Fullbright na Universidade de Viena no ano acadêmico de 1953-1954. Pap realizou várias palestras e seminários sobre filosofia analítica contemporânea em toda a Europa, incluindo sua cidade natal (Pap 1953a; Pap 1955c; Pap 1963a). Feyerabend, que pouco antes havia recusado uma oferta similar de Popper, foi empregado por Pap como seu assistente de pesquisa. Entretanto, a esperança compreensível de Pap de garantir uma posição na Universidade de Viena não se materializou. De acordo com apresentações na Terceira Conferência Internacional de História da Filosofia da Ciência em 2000, suas aspirações foram frustradas por um membro influente da faculdade de filosofia de Viena.[1]
As palestras de Pap na Universidade de Viena foi subsequent mente publicado como Analytische Erkenntnisstheorie: Kritische Übersicht über die neueste Entwicklung in Usa und England [*Teoria do conhecimento analítica: Visão crítica do desenvolvimento recente nos EUA e na Inglaterra](Pap 1955a). Pois fragmentos desses primeiros três capítulos, um “Vorlesungsmanuskript” existiram. O resto foi ditado a Feyerabend com base nas anotações detalhadas feitas por Feyerabend ao assistir às palestras de Pap. O manuscrito resultante foi finalmente revisado por Pap. Levava o lema “Dem Wiener Kreis zum Andenken und zur Wiederbelebung”*.
Após sua estadia na Europa, Pap ficou brevemente na Universidade de Lehigh (Bethlehem, Pensilvânia). No verão de 1955, foi convidado por Feigl para participar de uma conferência de seis semanas no Minnesota Center for Philosophy of Science. Em 1953, Feigl obteve uma bolsa da Fundação Hill para convidar vários filósofos da ciência para workshops e pesquisas colaborativas. Os resultados foram publicados no Minnesota Studies in the Philosophy of Science (veja Pap 1958a para as contribuições de Pap ao segundo volume, intitulados Concepts, Theories and the Mind-Body Problem). . Este deve ter sido um momento particularmente ocupado para Pap. Ele estava trabalhando duro sobre sua contribuição planejada para o volume de Schilpp a respeito de Carnap (Pap 1963b), e provavelmente já havia incorporado os comentários iniciais de Carnap na época da conferência de agosto de 1955 em Los Angeles, onde Carnap apresentou um artigo no qual ele propôs pela primeira vez sua forma existencializada de uma teoria.[2]
Depois desse ano, Pap sucedeu Hempel como filósofo da ciência em Yale. Lá ele deu cursos e seminários sobre lógica, probabilidade e indução, a filosofia de Russell, e a história da filosofia analítica. Em 1957, ele editou (junto com Paul Edwars) o bem conhecido livro-texto A Modern Introduction to Philosophy (Pap e Edwards 1957), com introduções separadas sobre Ceticismo e o Problema da Indução, Percepção e o Mundo Físico, Conhecimento A Priori, e Significado, Verificação e Metafísica. Na primeira parte do Semantics and Necessary Truth, Pap discute o conceito de verdade necessária na epistemologia tradicional (Leibniz, Kant, Locke e Hume). A segunda parte foca no conceito de verdade analítica na filosofia analítica contemporânea. Três distinções receberam tratamento elaborado: conhecimento a priori/empírico, verdade contingente/necessária e proposições analíticas/sintéticas. No verão de 1959, Pap completou seu último livro, An Introduction to the Philosophy of Science, publicado posteriormente (Pap 1962).
Arthur Pap morreu em 7 de setembro de 1959 aos 37 anos de idade de uma doença renal.[3]
Notas
[1] Veja Heidelberger, M. e Stadler, F. 2003. [N do T. “Para relembrar e reviver o Círculo de Viena.”]
[2] Esse episódio chegou ao meu conhecimento pelos papers de Stathis Psillos; Psillos 2000a; e Psillos 2000b
[3] Para um breve in memoriam de seu amigo Alan Ross Anderson, veja Proceedings of the American Philosophical Association; 1960-1961, vol. 34. Anderson também escreveu uma breve introdução em 1972 a reedição de Pap 1949b.