Texto introdutório (Alta Linguagem): Texto do mesmo autor dos verbetes traduzidos anteriormente sob o nome Molina e as Teorias da Concórdia e Molinismo: antecedentes históricos, neste aqui, o original é de nome L'ESSENCE ET LES DIVERSES MODALITÉS DU MOLINISME, escrito por J. Carreyre, encontra-se em Dictionaire de Theologie Catholique. trata de qualificar as características essenciais da doutrina molinista e as divergências internas que se deram dentre os jesuítas ao longo dos séculos.
A ESSÊNCIA E AS DIFERENTES MODALIDADES DO MOLINISMO
A onda de protestos contra a Concordia de Molina e as controvérsias que se seguiram não foram em vão. Apesar da paixão exacerbada que frequentemente permeou os debates e das palavras lamentáveis proferidas por ambos os lados, o processo de reflexão e discernimento seguiu seu curso. Belarmino escreveu, em 27 de julho de 1602, a seu agente em Roma: «Os Padres da Companhia que defendem Molina não afirmam que todas as suas afirmações sejam verdadeiras, mas sustentam que elas não são pelagianas» (X. Le Bachelet, Auctarium Bellarminianum, p. 26). Assim, os próprios jesuítas dividiram a obra de seu colega espanhol em duas partes: uma que abrangia ideias reconhecidas ou aceitas por toda a ordem religiosa, e outra que não. Daí surge, para nós, a necessidade de distinguir entre o molinismo de Molina e o molinismo da Companhia de Jesus—ou melhor, de discernir, entre todas as ideias dos molinistas, aquelas que são essenciais ao sistema e as que são particulares a certos autores.
Para isso, não adotaremos o ponto de vista metafísico, que nos levaria a discussões excessivamente longas, mas sim o ponto de vista histórico e prático, classificando como essenciais os pontos em que todos os molinistas concordam e como secundários os demais. I. A essência do molinismo II. As modalidades do molinismo
I. A essência do molinismo
O problema central das discussões suscitadas em torno da Concordia era a infalibilidade da graça eficaz.
Essa infalibilidade tem sua origem ab intrinseco ou ab extrinseco? Provém ela da natureza íntima da graça eficaz, do poder interno que Deus lhe conferiu para mover as vontades segundo Seus decretos absolutos, ou devemos buscar sua fonte fora da graça, a fim de destacar melhor o papel da liberdade humana? Sobre esse ponto, todos os teólogos da Companhia de Jesus concordam com Molina, contra os tomistas, em rejeitar a eficácia ab intrinseco da graça e a predeterminação física ad unum que ela pressupõe.
Todos também concordam em sustentar que a razão “extrínseca” da infalibilidade da graça eficaz deve ser buscada no conhecimento médio, isto é, no conhecimento que Deus tem dos futuros contingentes condicionais.
Essa é a essência do molinismo, considerada em seu duplo aspecto: Negativo: rejeição da predeterminação física e da graça eficaz ab intrinseco; Positivo: afirmação da existência, em Deus, de um conhecimento médio, e o uso desse conhecimento para harmonizar a infalibilidade da graça com o livre-arbítrio.
A esse ensinamento fundamental, que se tornou sua doutrina oficial, a Companhia de Jesus permaneceu fiel, como atestam os decretos e ordens de seus generais sucessivos: Acquaviva (14 de dezembro de 1613), Vitelleschi (7 de junho de 1616) e Piccolomini (1651). No entanto, seus teólogos mantiveram liberdade para opinar sobre pontos secundários, como:
1. O ponto de inserção do concurso divino;
2. O ponto de aplicação do conhecimento médio;
3. O papel desse conhecimento na predestinação;
4. O caráter da predefinição das boas obras;
5. A razão da eficácia da graça.
Pode-se dizer que todos introduziram emendas significativas ao que o autor da Concordia havia dito sobre o poder do livre-arbítrio deixado a si mesmo.
II. As modalidades do molinismo
1° As forças do livre-arbítrio
As forças naturais atribuídas por Molina, no estado presente, à nossa inteligência e vontade pareceram excessivas para muitos.
Pouco tempo após a publicação da Concordia, no início de 1589, Belarmino declarou a seu superior geral, Acquaviva, que reprovava as seguintes proposições de Molina, submetidas à censura:
«Homo in statu peccati potest ex suis naturalibus sine auxílio gratiae diligere Deum super omnia dilectione naturali, et voluntate absoluta, sic quod habeat absolutum pro positum servandi omnia praecepta. Imo hoc propositum est saepius in peccatore majus quam in homine justificato.
Hoc propositum absolutum potest esse in peccatore taie et adeo sufficiens, ut ad actum contritionis supernaturalis nihil deficiat, nisi modus ille supernaturalis et divinus, qui sit ab auxilio gratiae.
Ex naturalibus ipsius liberi arbitrii possumus habere actum contritionis quantum ad substantiam modo praedicto, ut videlicet nihil deficiat ibi, nisi modus ille supernaturalis.
Si pelagiani ponerent in nobis actus naturales similes iis quos habemus supernaturales, dummodo faterentur eos non esse sufficientes ad salutem, nihil de hec curaret Ecclesia.»
[«O homem, em estado de pecado, pode, por suas forças naturais e sem o auxílio da graça, amar a Deus acima de tudo com amor natural e com vontade absoluta, de modo que tenha a firme intenção de observar todos os mandamentos. Mais ainda: essa intenção é frequentemente maior no pecador do que no homem justificado.
Essa intenção absoluta pode ser no pecador tão completa e suficiente que, para o ato de contrição sobrenatural, nada falte, exceto o modo sobrenatural e divino que vem do auxílio da graça.
Por nossas forças naturais do livre-arbítrio, podemos ter um ato de contrição quanto à substância, no modo predito, de forma que nada falte ali, exceto aquele modo sobrenatural.
Se os pelagianos atribuíssem a nós atos naturais semelhantes aos que temos sobrenaturais, desde que confessassem que eles não são suficientes para a salvação, a Igreja não se preocuparia com isso.»]
Na mesma época, Belarmino apontou como insustentáveis as afirmações de Molina segundo as quais o homem pode, sem um auxílio especial de Deus:
1. Realizar um ato de fé natural nos mistérios, na medida em que são revelados por Deus; depois, um ato de esperança e um ato de caridade naturais quoad substantiam actus; e ter uma firme intenção absoluta de observar todos os mandamentos, suficiente para a atrição e contrição quoad substantiam actus; 2. Arrepender-se de seus pecados por meio das virtudes da fé e da esperança; 3. Provavelmente vencer qualquer tentação, por maior que seja; 4. Obter, se fizer o que lhe é possível, a concessão da graça (X. Le Bachelet, Auctarium, p. 18-19).
O bem-aventurado Belarmino não recuou dessa posição. Em um documento apresentado ao Papa Clemente VIII em 1597, ele afirmou:
«Ludovicus Molina in modo loquendi de liberi arbitrii viribus nonullis videtur excessisse.»
[«Luís de Molina, em seu modo de falar sobre as forças do livre-arbítrio do homem, parece ter exagerado em alguns pontos»] (Auctarium, doc. VI, p. 120).
Diante das censuras feitas pelos consultores romanos em 1600, Belarmino aprovou cinco que tratavam do mesmo tema (Op. cit., doc. XII, p. 177-178). Finalmente, em uma nota enumerando proposições que, em sua opinião, poderiam ser definidas, ele propôs várias que afirmam o que o homem não pode fazer apenas com suas forças naturais:
1. Não pode superar nenhuma tentação verdadeira de modo a vencê-la perfeitamente;
2. Não pode crer, amar ou arrepender-se como é necessário para que tais atos sejam uma disposição para a justificação;
3. Não pode fazer com que a graça lhe seja devida de certo modo, etc. (Op. cit., doc. XIII, p. 179).
Sem entrar em mais detalhes, pode-se dizer que as sábias precisões ou distinções de Belarmino nessas questões tornaram-se autoridade entre os molinistas.
2° O concurso divino
Os examinadores de Molina apontaram como digna de censura a teoria segundo a qual Deus, por meio de seu concurso geral, não influencia as causas segundas impulsionando-as à ação, mas sim age imediatamente sobre suas operações. Belarmino, em seu opúsculo De novis controversiis (1597 ou 1598), distingue duas controvérsias sobre a cooperação de Deus com o livre-arbítrio—1. Deus coopera movendo o livre-arbítrio ou produzindo o mesmo efeito que ele, como causa parcial? A primeira opinião é a dos censores; a segunda é a de Molina. Belarmino prefere a primeira, por ser a de São Tomás e por considerá-la mais conforme à filosofia, mas não condena a segunda, que foi defendida por Tolet e muitos outros.
2. Se admitimos que Deus, ao cooperar com o livre-arbítrio, o move, surge uma segunda questão: Deus o move determinando-o à ação ou permite que ele se determine a si mesmo? Este é o objeto da segunda controvérsia, «a principal que divide dominicanos e jesuítas na Espanha». Sobre esse ponto, Belarmino prefere a doutrina de Molina, que julga mais segura (X. Le Bachelet, Auctarium, opusc. V, p. 107-109). Assim, Belarmino concorda com todos os molinistas em negar a predeterminação física, mas distancia-se de alguns ao admitir uma “moção” sobre o livre-arbítrio.
3° O conhecimento médio
Todos os teólogos admitem que Deus conhece os futuros livres condicionais. Os tomistas afirmam que Ele os conhece nos decretos predeterminantes de Sua vontade. Os molinistas, porém, rejeitam isso: como a existência desses futuros pressupõe a intervenção de uma vontade livre, é preciso dizer que Deus possui um conhecimento especial, intermediário entre Seu conhecimento livre e Seu conhecimento puramente natural: o conhecimento médio. Contudo, os molinistas divergem ao explicar esse conhecimento.
1. Explicação pela supercompreensão das causas
Afirmou Molina: «Deus vê os futuros condicionais nas vontades criadas: não apenas conhece todas as circunstâncias em que elas estarão e os motivos que agirão sobre elas, mas as penetra tão profundamente que vê claramente o que fariam, em plena liberdade, na infinidade das circunstâncias possíveis» (q. XXIII, a. 5).
Essa teoria, chamada de supercompreensão das causas, foi adotada por Belarmino (De novis controversiis—em Le Bachelet, Auctarium, p. 106-107; De gratia, IV, 15) e ainda hoje é defendida por molinistas como Kuhn (Allgemeine Gotteslehre, § 55) e A. d'Alès (Providence et libre arbitre, Paris, 1927), que considera a eminentissima comprehensio «uma peça constitutiva e indispensável nas descrições do conhecimento médio de Molina» (p. 99).
Entendida em sentido passivo (como frequentemente ocorre), essa explicação enfrenta, parece, graves dificuldades: antes do ato, a vontade livre é indeterminada. Como o conhecimento dessa vontade poderia revelar o que nela não existe? De duas uma: se o conhecimento de um efeito contingente em sua causa for apenas conjectural, é deficiente; se for certeiro, a liberdade é tão ameaçada quanto pelos decretos predeterminantes.
Porém, como observa o Pe. d’Alès (Op. cit., p. 98-99), para Molina, o conhecimento divino não é derivado das coisas, mas tem sua única fonte na própria essência divina. Ao falar da compreensão inescrutável de cada livre-arbítrio criado [inscrutabilis comprehensio cujusque liberi arbitrii creati], refere-se à potência idealmente criadora pela qual o intelecto divino delineia em Si mesmo “mundos inteligíveis” e os penetra totalmente com Seu olhar—daí a infalibilidade de Suas combinações. Belarmino defendia o mesmo: «Deus vê a vontade humana não por uma espécie recebida dela, mas por Sua própria essência divina» (De novis controv., p. 107).
2. Explicação pelo conhecimento dos futuros em sua verdade objetiva
Molina havia exposto (e rejeitado) outra explicação em sua edição de 1595 (p. 322): nos futuros contingentes, uma das alternativas é sempre verdadeira desde toda a eternidade, de modo determinado, enquanto a outra é falsa. A primeira é, por natureza, cognoscível como futura, e a segunda como não realizável.
A ideia de que Deus conhece os atos futuros determinados em sua verdade objetiva ou formal foi adotada por Suarez (Opusc., II, De scientia Dei futurorum contingentium, L. I, c. VIII; l. II, c. VII; De gratia, prolog. II–cf. L. Mahieu, François Suarez, Paris, 1921, p. 231-234) e por muitos molinistas, como Ruiz (De scientia Dei, dist. LXXV) e Mazella (De gratia, dist. III, a. 7, II. 668).
3. Recusa de explicação
Outros teólogos, seguindo Kleutgen (Institutiones theologiae, t. I, Ratisbona, 1881, p. 321, n. 548), mantêm o conhecimento médio mas renunciam a explicá-lo:
«A única coisa que podemos conhecer [...] é que Deus, cuja essência é existir e cujo Ser contém eminentemente todas as existências, alcança imediata e diretamente, em si mesmas, todas as existências presentes, passadas, futuras, possíveis e condicionais [...] Explicar esse conhecimento é obra de diletantismo filosófico; afirmá-la é questão de bom senso» (Pe. de Régnon, Bañes et Molina, Paris, 1883, p. 114-115).
Esse pensamento é compartilhado por Cornoldi (Della libertà humana, Roma, 1884) e Baudier (Revue des sciences ecclésiastiques, 1887, p. 360). Perrone (De gratia, 1ª parte, c. IV, n. 329) declara: «Convém renunciar totalmente a um problema tão obscuro, cujas tentativas de solução não escapam às dificuldades».
4° A predestinação à glória
Os tomistas, para os quais o conhecimento médio não existe, são unânimes em afirmar que a predestinação não apenas é totalmente independente dos méritos, mas também que o decreto divino que escolhe os predestinados é anterior à presciência que Deus tem de seus atos futuros.
Os molinistas, embora concordem em ensinar a perfeita gratuidade da predestinação à glória, dividem-se quanto ao lugar que o conhecimento médio ocupa, logicamente, em relação a essa predestinação.
1. A posição de Lessius e seus seguidores
Lessius, já em suas teses de Louvain contra Baio (1586), admitira uma predestinação à vida eterna post praevisa mérita ut absolute futura. Distinguindo entre “eleição eficaz” e “predestinação” nas proposições que submeteu à faculdade, ele definiu a predestinação como: «a preparação da graça e de todos os benefícios pelos quais Deus prevê que o homem será salvo» [praeparatio gratiae et omnium beneficiorum quibus Deus praescit hominem salvandum].
Concluiu, assim: «Os homens não são propriamente predestinados ou reprovados antes da previsão do pecado original» [homines non sunt proprie praedestinati aut reprobati ante praevisum pecatum originale] (L. de Meyer, Hist. contr., p. 14-15).
Essa ideia remete à encontrada em Molina. Lessius desenvolveu seu pensamento após as controvérsias De auxiliis em suas obras De gratia efficaci e De praedestinatione et reprobatione (Antuérpia, 1610), escrevendo: «A eleição absoluta e imediata para a glória não foi feita antes da previsão da perseverança (ou do fim em estado de graça), assim como a reprovação absoluta não foi feita antes da previsão do fim em estado de pecado» [Electionem absolutam et immediatam ad gloriam non esse factam ante praevisionem perseverantiae seu finis est ante praevisionem finis in statu peccati] (sect. II, n. 6).
Sua visão foi seguida por pensadores como Vásquez, Valencia, Maldonat, Stapleton e a maioria dos molinistas. Para esses teólogos, a ordem real condiciona a graça e a glória: argumentam que, no plano dos fatos, os atos meritórios são cronologicamente anteriores à recompensa.
2. A posição de Belarmino e Suárez
Belarmino, Suarez e outros adotaram um ponto de vista diferente: considerando não a ordem real, mas a ordem intencional, observaram que, para Deus, a escolha e o uso dos meios seguem logicamente a definição do fim. Distinguindo entre predestinação à glória e reprovação, sustentaram que: «A predestinação ocorre ante praevisa mérita ut absolute futura, embora post praevisa mérita conditionalia futura». [Isto é, antes da previsão dos méritos como futuros absolutos (conhecimento livre), mas após a previsão dos méritos como futuros condicionais (conhecimento médio)].
Em seus ensinamentos em Louvain, Belarmino defendia: «Deus, por vontade antecedente, predestinou gratuitamente todos os homens e anjos à glória» [Deus antecedente voluntate gratis omnes homines et angelos praedestinavit a gloriam] (Le Bachelet, Auctarium, p. 38-40).
Em um memorial sobre o caso de Lessius (provavelmente de 1599), embora defendesse a ortodoxia de seu discípulo, Belarmino rejeitou sua opinião. Opôs-se novamente, com vigor, em um texto enviado ao geral da Companhia após a publicação do De gratia efficaci de Lessius (1610), afirmando: «Aderimos ao pensamento de Santo Agostinho, sobre o qual não há dúvida, e destacamos o interesse da Companhia em manter-se alinhada com dominicanos, franciscanos e agostinianos» (Op. cit., doc. XV, p. 186-187).
Sua posição é detalhada no De gratia et libero arbitrio (L. II, c. IX-XV), onde defende: «Nenhuma razão de nossa parte pode ser atribuída à predestinação divina.—Não há causa da predestinação em nós» [praedestinationis divinae nulla ratio ex parte nostra assignari potest.—praedestinationis nullam esse causam in nobis]. Suarez concorda (De divina praedestinatione, L. I, c. VIII), ensinando que toda a predestinação é anterior à previsão do pecado original e constitui, em seu todo, um ato de vontade (L. Mahieu, François Suarez, p. 445-446). Essa visão (ante praevisa merita), que aproximava os molinistas dos tomistas, teve poucos adeptos, como de Lugo, Ruiz, Ramirez e Antoine.
5° A predefinição das boas obras.
A predefinição está para as boas obras tal como a predestinação está para a glória. Deus quer que tais e tais atos bons sejam livremente realizados, e concede aos homens as graças pelas quais eles certamente os realizarão. Isso é chamado de predefinição das boas obras. Mas como Deus quer esses atos e essas graças? É por uma vontade indireta, implícita, mediata? Nesse caso, a predefinição é virtual. É de modo direto e imediato? Então, ela é formal.
Molina (p. 583, 587) só admitia uma predefinição virtual. Essa também é a opinião de Gregório de Valência (In primum, dist. 1, q. XXII, § 3; q. XXIII, § 4), de Vasquez (In primum, dist. I, XXXIX, c. X; dist. XCIX, c. III e VII), e de outros diversos.
Belarmino, pelo contrário, defende que «Deus quis diretamente tudo o que acontece, exceto o pecado» (Le Bachelet, Auctarium, p. 20). Suarez (Opusc. De concursu et effic. auxilio Dei, l. IX, c. XVII, ed. Vives, t. XI, p. 249 ss.) admite também essa predefinição formal. Ele é seguido por Silvestre Maurus, Tanner, Viva, entre outros.
6° A eficácia da graça atual
De onde provém a eficácia da graça? Os tomistas respondem: do fato de que a graça move fisicamente o livre-arbítrio a querer ou consentir. Molina, ao contrário, responde: da cooperação do livre-arbítrio com a graça suficiente. Como vimos [ver artigo Molina e as teorias da concórdia, neste site], ele elaborou explicações para sustentar essa afirmação.
Desde o início, os censores da Concordia acusaram como pelagiana essa proposição: Divisio auxilii in efficax et inefficax, ab effectu et arbitrii libertate pendet [A divisão entre auxílio eficaz e ineficaz depende do efeito e da liberdade do arbítrio]. Belarmino, acreditando reconhecer nela a opinião de antigos escolásticos como Henrique de Gand, Tomás de Estrasburgo e Biel, recusou-se a endossar essa condenação; no entanto, rejeitou com firmeza tanto essa dependência da graça em relação ao livre-arbítrio quanto a predeterminação física, pois, se a segunda elimina a graça suficiente, a primeira elimina a graça eficaz.
Belarmino retomou, assim, uma opinião já ensinada em Louvain por Ruard Tapper, que chamou de quasi media. Disse ele que «A graça eficaz determina a vontade não fisicamente, mas moralmente, agindo sobre ela por meio de persuasão, inspirações internas, ameaças etc., de tal modo que o efeito siga infalivelmente, embora não necessariamente. Quando Deus quer que um homem se converta, Ele o solicita da maneira que sabe ser conveniente para que o chamado não seja rejeitado: «Ita ei loquitur, ut videt ei congruere, ut vocationem non respuat» [Fala de acordo com aquilo que vê que é congruente para o homem não recusar o chamado]. (De nov. controv., em Le Bachelet, Auctarium, doc. V, p. 103. Cf. De gratia et libero arbitrio, L. I, c. XII).
Suárez explica a eficácia da graça da mesma maneira: para ele, a graça eficaz é aquela que é côngrua. O general Acquaviva elevou esse congruísmo à doutrina oficial da Companhia de Jesus.
Billuart (De gratia, diss. V, a. 2, § 3, ed. Lequette, Arras, 1868, t. III, p. 133-135) e muitos outros tomistas interpretaram o congruísmo como uma mitigação do molinismo. O Pe. de Régnon, S.J., em Bañes et Molina (p. 154), ao falar do congruísmo, qualificou-o como «um sistema intermediário que, se assim posso dizer, é apenas um processo de conciliação entre dois sistemas inconciliáveis». Eles foram encorajados nessa visão por Belarmino, como já mencionado.
Não ensinara Molina, todavia que, em última análise, a causa da eficácia da graça é a misericórdia de Deus, que concede ao livre-arbítrio precisamente uma graça da qual Ele prevê, por meio do conhecimento médio, que seria infalivelmente eficaz? O chamado «molinismo puro», em oposição ao congruísmo, nunca foi professado por Molina; pode-se sustentar que o congruísmo é, na realidade, uma modalidade do molinismo.
7° O poder dos hábitos sobrenaturais
Segundo Molina e Belarmino, as virtudes sobrenaturais desempenham na alma o papel da graça atual: elas a incitam e movem ao ato salvífico, de modo que, para quem as possui, a graça atual torna-se supérflua para os atos correspondentes a essas virtudes. Muitos molinistas não aceitam essa potência. O Pe. Chr. Pesch, por exemplo, em suas Praelectiones dogmaticae (t. V, De gratia, 4ª ed., Freiburg-in-B., 1916, p. 65-69), afirma a necessidade da graça atual para qualquer ato salvífico.
Poderiam-se citar muitos outros abandonos parciais de Molina entre os teólogos molinistas. Destaca-se o do Pe. Billot, S.J., que em seu De gratia Christi et libero hominis arbitrio (Roma, 1908) descreve a graça atual excitante como uma moção incompleta, uma espécie de virtude passageira, classificável na categoria da qualidade, assim como o ponto pode estar na da quantidade. Os teólogos da Companhia desfrutam de grande liberdade de opinião: o critério de sua fidelidade à doutrina da ordem, em matéria de graça e liberdade, segundo o Pe. Pesch, é a rejeição da predeterminação física (Zeitschrift f. kathol. Theol., 1909, p. 92).