"Iniciação à Lógica", por Gilberto Freyre

"Iniciação à Lógica", por Gilberto Freyre

Nota introdutória (Alta Linguagem)

Este pequeno de Gilberto Freyre trata de uma breve resenha de Iniciação à Lógica do professor José Carlos Cavalcanti Borges. O "lógica" no título do livro não se refere somente ao estudo de inferências em geral, mas enquanto limitado também aos diversos campos das diferentes disciplinas do conhecimento, tais como a sociologia. É esta parte que comenta Freyre, esboçando algumas discordâncias e referências adicionais para além do livro aqui resenhado. 

Iniciação à Lógica

Diário de Pernambuco, 2 de Agosto. 1942.

Iniciação à Lógica é um livro escrito com nitidez e até com elegância. Faz gosto lê-lo. Do seu autor, o jovem professor José Carlos Cavalcanti Borges, pode-se muito bem dizer que nele a virtude da lógica começa por casa. Aqui está um trabalho a que não falta clareza na exposição e equilíbrio no comentário. 

Talvez lhe perdoássemos mesmo alguma deselegância e desordem que resultam do empenho do autor em ser mais compreensivo e mais amplo. Mas tendo sido o seu propósito limitar-se a pequena introdução à matéria e esta introdução dentro de exigências escolares já estabelecidas, era inevitável e excesso de compreensão.

A quem, como o autor deste comentário, o interesse pelo assunto do trabalho do professor Cavalcanti Borges está ligado ao interesse pela filosofia e ciências sociais, é claro que as páginas dedicadas às mesmas ciências e filosofia se apresentem como particularmente significativas. Na verdade, é diante do pretendido estudo científico dos fenômenos sociais que melhor se define quem hoje se ocupa da lógica: dos seus princípios e das suas possibilidades. Digo pretendido, não porque discreia de tal estudo científico mas por considerá-lo em fase ainda imatura. Tanto que me parece este um dos trabalhos do professor José Carlos Cavalcanti Borges onde há excesso de compreensão da matéria: no caso, matéria controvertida, da qual seria conveniente que o iniciando ganhasse visão mais larga. Precisa o iniciando no seu estudo da lógica de ser informado, quanto ao método científico, de que para ser científico nas ciências sociais não precisa de seguir a mesma terminologia e os mesmos meios de verificação experimental que na física e na biologia. A experimentação não tem tão estreitos limites.

Um dos maiores sociólogos de hoje é o professor Znaniecki ligado ao mesmo tempo à Polônia e aos Estados Unidos. E é no que mais insiste ao considerar o problema do método sociológico: na distinção entre o que é sensorialmente objetivo e o que é culturalmente objetivo.

Quanto ao critério do professor Cavalcanti Borges de situar a sociologia entre as denominadas ciências históricas não me parece de todo feliz. Sendo dos que consideram de máxima importância a sociologia histórica, não sei, entretanto, separar da sociologia genética a de probabilidade, da classificação de Giddings. Nem da sociologia racional a geral. 

Se o que em sociologia se procura principalmente estudar é o processo de interpretação social e as formas em que esse processo se manifesta, temos de concluir que a interação oferecendo-se primeiro ao nosso estudo dentro de peculiaridades de formação histórica e ecológicas, pode também apresentar-se, como Simmel salienta, tão sem sequência a ponto de poder ser considerada fora de tempo e de espaço. 

Esta é aliás a perspectiva que o sociólogo alemão abriu à sociologia: a da reciprocidade--ou alternativa--entre o método histórico que trace o desenvolvimento das chamadas formas sociais--e, pode-se acrescentar--do seu processo: o de interação; e o método que procure para essas formas e esse processo leis independentes de tempo e de espaço. É uma perspectiva que se tornou possível depois de ultrapassados tanto o critério do cru naturalismo sociológico como o de reduzir-se a sociologia a puro instrumento de dilatação da história em história científica ou mesmo em história social e cultural. Dilatação muito proveitosa ao estudo da história, não há dúvida; mas só em promover tal dilatação não poderia considerar-se satisfeita a sociologia, cujas ambições não indo hoje, como no século passado, ao sonho de “rainha das ciências”, não se contraíram, entretanto, a ponto de contentar-se o sociólogo ao papel de fecundar história e de dar ao produto do conúbio dignidade científica.

Não devo porém me estender. Se aqui esboço reparos ao trabalho do sr. Cavalcanti Borges é por nele ter encontrado virtudes, a começar por uma capacidade para expor com clareza conhecimentos bem assimilados que o recomenda como estudioso e como professor.

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