"Joan Robinson sobre o Acúmulo de Capital", de Ludwig Lachmann

"Joan Robinson sobre o Acúmulo de Capital", de Ludwig Lachmann

Texto introdutório Vitor G. Calado

Neste texto, Ludwig Lachmann faz uma resenha crítica da obra  “The Accumulation of Capital” da economista pós-keynesiana Joan Robinson. Aqui, o economista explora conclusões interessantes, desde algumas elaborações que se assemelham à teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, até as tentativas, falhas segundo o escritor deste artigo, da autora de inserir noções dinâmicas e de mutabilidade em um modelo de equilíbrio estático. A curiosa forma pela qual Robinson enxerga a economia ao tentar escrever um tratado que aparente os moldes da economia clássica e partindo de uma visão específica da teoria do valor-trabalho também são alvo de exame e crítica do economista austríaco.

Joan Robinson sobre o Acúmulo de Capital

Reproduzido do South African Journal of Economics 26 (junho de 1958).


Ludwig Lachmann


Traduzido por José Aldemar Santos Pereira Júnior

1.

Na literatura desta década, nada notável pela qualidade de sua escrita econômica, o último livro da Sra. Robinson destaca-se como um marco histórico.[1] Não é apenas a mais elaborada contribuição à literatura pós-Keynesiana até hoje. Possui, naturalmente, todas as qualidades de rigor, lucidez e sofisticação que esperamos de sua autora. Mas, em certos aspectos, é bastante singular.

A autora, renunciando deliberadamente aos instrumentos de análise marginal, tenta ver os problemas do progresso econômico de uma perspectiva clássica; seu tema é as condições de expansão contínua.

A maior parte da análise é conduzida com a ajuda de um modelo de alto grau de abstração. Mas a Sra. Robinson tem, como poucos outros construtores de modelos, um toque de realismo.

Ela tem muito cuidado em dizer ao leitor quais são as características importantes da realidade excluídas do modelo. Deste esforço para combinar uma medida de realismo com um grau de abstração bastante elevado, surgem certos problemas, como veremos.

Mas no interesse de uma economia mais palatável, em comparação com a que andamos tendo ultimamente, é de se esperar que a franqueza da Sra. Robinson ao enfatizar as limitações de seu modelo encontre muitos imitadores.

O título do livro é, naturalmente, emprestado de Rosa Luxemburgo. De seu principal problema, a autora diz que se apresentou a ela como “A Generalização da Teoria Geral, ou seja, uma extensão da análise do curto período de Keynes para o desenvolvimento a longo prazo”. Apesar destas aparências, no entanto, a Sra. Robinson não é Keynesiana nem Marxista, mas sim uma Ricardiana dos tempos atuais.

Keynes, é claro, estava preocupado principalmente com o equilíbrio de subemprego, um problema de curto prazo, enquanto a autora lida com o longo prazo. Keynes, diz ela, "deixou pela teoria estática um enorme chão de problemas de longo prazo coberto com cacos de vidro quebrado e deu apenas dicas vagas sobre como a estrutura poderia ser reconstruída".

Mas a Sra. Robinson não aceita pelo menos duas importantes diretrizes que Keynes deu a seus discípulos a longo prazo. Ela rejeita explicitamente a "Lei Psicológica" da propensão marginal decrescente ao consumo que, curiosamente, ela chama de "tese Liberal de subconsumo", e que ela ridiculariza como dizendo que "o destino inevitável das economias prósperas é chafurdar na lama".

Ela também aponta que a "falta de oportunidades de investimento" não é um resultado necessário da rápida acumulação de capital, mas um possível resultado de um declínio na intensidade da concorrência, enquanto Keynes, é claro, assumiu a concorrência perfeita durante todo o tempo. O status da Sra. Robinson como Keynesiana deve, portanto, permanecer em dúvida.

Como Ricardiana, a Sra. Robinson adota uma teoria de valor baseada no custo de produção, mas não uma teoria pura do valor-trabalho. O enunciado “os juros entram no custo dos bens de capital, tanto no que diz respeito ao período de gestação, quando o equipamento está sendo construído e o trabalho em andamento é abundante, e em relação ao período da vida útil do equipamento” é algo que, naturalmente, seria um anátema para os Marxistas.

Um desejo de voltar ao modo clássico de pensar implica, naturalmente, uma rejeição de grande parte da economia moderna preocupada com a escolha e a decisão humana. Para a Sra. Robinson, esta rejeição é bem deliberada. “A análise econômica, que por dois séculos serviu para obter uma compreensão da Natureza e das Causas da Riqueza das Nações, comprou gato por lebre—uma Teoria do Valor [...]. Diante da escolha de qual sacrificar primeiro, os economistas dos últimos cem anos sacrificaram a teoria dinâmica para discutir os preços relativos”.

Pode-se questionar a verdade desta afirmação, já que a economia moderna está tão preocupada com quantidades relativas quanto com preços relativos. Pode-se também questionar se é possível discutir o progresso econômico ignorando não apenas os preços relativos, mas também  as mudanças intersetoriais na produção e nos recursos por exemplo.

Mas tais críticas estariam aqui tangenciando o assunto. No livro, a Sra. Robinson evita isso assumindo que toda a produção seja homogênea. E embora, como veremos, esta suposição dê origem a uma série de dificuldades, não devemos questionar o nível de abstração com o qual um autor opta por conduzir o argumento.

Na próxima seção será feita uma tentativa de apresentar um breve e conciso esboço do argumento central do livro. As duas seções seguintes deste artigo são dedicadas a reflexões críticas sobre o que parecem ser questões cruciais decorrentes deste argumento.

Na seção final serão examinados alguns aspectos metodológicos da tentativa de reavivar o estilo clássico de análise em pleno meio do século XX.

Naturalmente, não sei se é possível fazer justiça a tal livro dentro do espaço à nossa disposição. Teremos de ignorar seções inteiras dele e algumas linhas importantes de pensamento, e nos concentrar no que nos parecem ser as questões cruciais.

O leitor, confiamos, não se deixará enganar pela preponderância da matéria crítica neste artigo. Em primeiro lugar, um argumento como este, cercado como está por um conjunto tão formidável de suposições, dificilmente pode ser discutido apropriadamente sem críticas.

Mas, em segundo lugar, é precisamente porque as questões levantadas são tão cruciais para nossa ciência e, em terceiro lugar, porque o livro está, de qualquer forma, fadado a se tornar um foco de discussão generalizada, que requer que ele seja submetido a um exame minucioso.

Esperamos que de modo algum o leitor se convença de deixar de ler o livro em si. Vale a pena ler.

2.

Da maneira clássica, a principal preocupação da Sra. Robinson repousa sobre as condições do progresso através da acumulação de capital e, em particular, com sua origem e seus efeitos sobre a distribuição de rendimentos entre salários e lucros.

Seu principal problema é se, e em quais circunstâncias, o progresso contínuo sob “as regras capitalistas do jogo” é possível. Estas circunstâncias estão consagradas em um modelo primeiro estabelecido no Capítulo 7 e posteriormente modificado em muitos aspectos.

Com a ajuda deste modelo, examinaremos os problemas de acumulação a longo prazo [...]. Nossa principal preocupação é com a relação entre salários e lucros, e o argumento é conduzido em termos de (1) as relações do estoque de capital com a força de trabalho disponível, (2) a influência da concorrência, e (3) a técnica de produção.

A princípio, a autora assume que todos os lucros são economizados e todos os salários consumidos; não há, nesta fase, nenhuma outra renda. A taxa de acumulação é, portanto, idêntica à taxa de lucro sobre o capital e, se assumirmos uma relação capital-produto constante, com a taxa de expansão da produção como um todo.

As suposições incorporadas no modelo geram um alto grau de abstração. Todos os problemas de número-índice são eliminados ao assumir uma homogeneidade completa de mão de obra e produção. Uma “dada técnica de produção” significa coeficientes fixos de produção. O estoque de bens de capital “necessário para produzir um determinado fluxo de produção é rigidamente determinado pela técnica em operação. Como as mercadorias são produzidas em proporções rígidas, o estoque de equipamentos de todos os tipos deve estar em proporções adequadas.” O progresso técnico significa, portanto, que o custo por unidade da mercadoria composta, da qual toda a produção consiste, é reduzido.

A influência das expectativas variáveis é eliminada pela suposição seguinte suposição

[...] que a cada momento os empreendedores esperam que a taxa futura de lucro que pode ser obtida sobre o investimento continue indefinidamente no nível que está sendo determinado naquele momento; que eles esperam que a taxa de progresso técnico (que pode ser nula) seja estável; e que fixam as provisões para amortização dos equipamentos de longa duração correspondente. Quando ocorre algo que causa uma mudança, assumimos que as expectativas são imediatamente ajustadas, e que mudanças futuras não são esperadas.

 A princípio, só há empreendedores e trabalhadores na economia, embora rentistas e locadores entrem mais tarde. A economia é um sistema fechado e não há economias de escala.

Sobreposto a este modelo há outro conjunto de suposições que determinam o que a Sra. Robinson chama de idade de ouro, um equilíbrio móvel do sistema econômico como um todo.

Esse conjunto de suposições é descrito da seguinte forma:

Quando o progresso técnico é neutro e prossegue de forma constante, sem qualquer mudança no padrão de tempo de produção, o mecanismo competitivo funciona livremente, a população cresce (se é que cresce) a um ritmo constante e a acumulação prossegue em um ritmo suficientemente rápido para fornecer capacidade produtiva para toda a mão de obra disponível, a taxa de lucro tende a ser constante e o nível de salários reais a subir com a produção por homem. Não existem, então, contradições internas no sistema.

 É importante notar que neste equilíbrio móvel não só a taxa de lucro tende a ser constante e uniforme para todas as indústrias, mas “a produção anual total e o estoque de capital (valorizado em termos de mercadorias) crescem juntos a uma taxa proporcional constante composta da taxa de aumento da força de trabalho e da taxa de aumento da produção por homem”.

Em outras palavras, a relação capital-produto permanece constante. O capital por trabalhador aumenta, mas a produção por trabalhador também aumenta, de forma a deixar a relação capital-produto constante ao longo do tempo.

Somos, é claro, repetidamente advertidos de que as condições de uma idade de ouro são improváveis de serem encontradas na realidade, mas, diz a autora: “A persistência do capitalismo até hoje é prova de que certos princípios de coerência estão embutidos em sua confusão”.

Como a taxa de progresso está ligada à distribuição de renda? A resposta é dada pela conhecida máxima keynesiana de que, enquanto os trabalhadores gastam o que ganham, os empreendedores ganham o que gastam.

Portanto, cada empreendedor fica melhor quanto mais investimentos seus colegas realizam. Quanto mais os empreendedores e rentistas (tomados na totalidade) gastam em investimento e consumo, mais eles recebem na forma de quase-aluguel.

Mas existe um limite superior para o montante de investimento possível em cada momento, estabelecido pelo que a autora chama de barreira inflacionária.

Preços mais altos de bens de consumo em relação às taxas de salário monetário envolvem um consumo real menor por parte dos trabalhadores. Há um limite para o nível ao qual as taxas salariais reais podem cair sem que se estabeleça uma pressão para aumentar as taxas salariais monetárias. Mas um aumento das taxas salariais aumenta as despesas monetárias, de modo que a espiral viciosa de salários monetários perseguindo os preços se instala. Existe, então, um conflito frontal entre o desejo dos empreendedores de investir e a recusa do sistema em aceitar o nível de salários reais que o investimento implica; algo deve ceder. Ou o sistema explode em uma hiperinflação, ou algum controle opera para reduzir o investimento.

Por outro lado, não há um nível mínimo de lucros como tal. Os lucros são o resultado, não a causa do investimento. Mas para a barreira da inflação, “a acumulação é limitada pela energia com a qual os empreendedores a realizam”, e nada mais.

Sob as suposições estabelecidas, a acumulação de capital, tornando o capital menos escasso e a mão de obra mais escassa, tende a aumentar os salários reais a menos que seja acompanhada por um aumento da população tal que o capital por trabalhador não possa aumentar, ou realmente diminua. Mas a medida em que isso ocorre depende do grau de concorrência.

O mecanismo que garante que a produção real se expanda mais ou menos conforme o aumento da produção potencial devido ao progresso técnico é a concorrência que mantém os preços alinhados com os custos, e assim aumenta a taxa salarial real com a produtividade.

Quando isto não acontece, quando os empreendedores não permitem que os preços caiam à medida que a produtividade aumenta, a economia arrisca cair na estagnação, uma vez que os empreendedores só conseguem manter os preços altos mantendo a produção baixa.

Uma vez que os preços se tornam inflexíveis,

[...] a principal defesa contra a tendência à estagnação vem da pressão dos sindicatos para aumentar as taxas salariais. Quando são bem-sucedidos, a rigidez dos preços conta a seu favor, pois os empreendedores podem preferir (dentro dos limites) aceitar um corte nas margens em vez de alterar sua política de preços. Na medida em que isto ocorre, as taxas salariais reais aumentam. Se por este meio os salários reais podem aumentar tão rapidamente quanto a produção por homem, a raiz do problema é cortada, e a economia pode acumular capital e aumentar o produto total ao ritmo adequado em que as melhorias técnicas estão sendo introduzidas, como se a concorrência ainda estivesse ativa.

Mas embora uma “economia com salários altos” seja melhor do que a estagnação, ela está longe de ser um ideal, “um tipo de sistema permissivo é, então, estabelecido, e desde que os salários reais estejam aumentando um pouco (a longo prazo) ninguém se preocupa em perguntar se eles podem subir mais rapidamente por meio de uma taxa de acumulação mais rápida”.

O que acontece se a produção aumentar menos do que o capital, fazendo aumentar a relação capital-produto? A taxa de lucro tenderá a cair e os empreendedores substituirão o capital pelo trabalho, escolhendo um método de produção mais intensivo em capital.

Já se o capital se acumula mais rapidamente do que a população cresce, a distribuição da renda se desloca em favor do trabalho, esse processo também cessará quando os empreendedores optarem por uma técnica mais intensiva em capital. “Eles cruzam a fronteira da mecanização”, na terminologia da Sra. Robinson. “Nossa argumentação traz à tona o fato de que é a acumulação como tal que tende a aumentar os salários, enquanto a mecanização bloqueia a queda na taxa de lucro que ocorreria se a acumulação continuasse na ausência de espaço para a mecanização”.

O argumento também é importante de outra forma. Ele mostra o quanto a Sra. Robinson se afastou de seus ancoradouros Keynesianos,

A incapacidade de manter o acúmulo nas economias reais é frequentemente atribuída a uma ‘falta de oportunidades de investimento’, mas, em um sentido técnico, nunca há falta de oportunidades de investimento até que a dádiva tenha sido alcançada. Há sempre um uso para mais capital, desde que seja possível aumentar o grau de mecanização.... A concepção que está subjacente ao ‘fracasso das oportunidades de investimento’ é antes a de que as regras capitalistas do jogo criam uma resistência a um aumento da relação capital/trabalho quando isso implica uma queda na taxa de lucro.

A essência da tese da Sra. Robinson é que a acumulação de capital aumenta os salários reais. Onde ela é acompanhada por suficiente progresso técnico, a relação capital-produto e a taxa de lucro permanecem constantes. A expansão segue, então, o caminho de uma era de ouro.

Quando isso não ocorre e a produção cresce menos que o capital, a taxa de lucro tende a cair. Por conseguinte, os empreendedores tomam medidas evasivas por meio de métodos de produção mais intensivos (“aprofundamento de capital”), que limitam o aumento dos salários reais. Se não o fizerem, se decidirem reduzir o investimento, reduzirão assim seus próprios ganhos, pois eles são as pessoas que ganham o que gastam.

O modelo é posteriormente modificado de muitas maneiras que não afetam a validade do argumento principal. É permitido o fato de que uma parte dos lucros seja consumida. Portanto, a taxa de lucro agora excede a taxa de crescimento da economia pela proporção de sua renda que os capitalistas dedicam ao consumo. Em termos marxistas, “os preços dos bens de consumo excedem seus custos salariais em medida suficiente para permitir o consumo dos capitalistas, assim como o investimento”.

Outras seções do livro são dedicadas ao curto prazo, “um período no qual as mudanças no estoque de capital podem ser negligenciadas, mas a produção pode ser alterada”, para finanças, terras e vários outros tópicos. Mas o esboço principal da análise, conforme descrito acima, não é afetado pelos argumentos apresentados nestas seções.

         3.

A noção de um estoque de capital cujo crescimento acompanha o crescimento da produção é crucial para a análise da Sra. Robinson. É também crucial que “a longo prazo, o estoque de capital corresponda mais ou menos à soma de todos os investimentos líquidos feitos” (p. 334). Chamaremos isso de condição de integrabilidade. A autora diz que “é amplamente verdade” que esta condição se mantém na realidade.

Evidentemente, onde tal coisa acontece, não pode haver outra mudança de capital que não seja investimento e desinvestimento. Não pode haver ganhos e perdas de capital, ou pelo menos, quando eles ocorrem, não possuem importância econômica. O modelo não tem espaço para eles. A questão surge, entretanto, se a condição de integrabilidade é consistente com as condições do progresso técnico, uma questão que abordaremos na seção seguinte.

Mas como podemos mensurar o capital? Nossa autora enfatiza que: “a ausência de tranquilidade impossibilita definir com precisão o significado de uma quantidade de capital.” Como, então, podemos dar sentido à noção de um estoque de capital em um mundo em mudança?[2] A resposta é que este é apenas o propósito que a noção de uma era de ouro deve servir: ela nos permite combinar “tranquilidade” com mudança.

O motivo pelo qual a quantidade de capital é uma noção sem sentido em um mundo de mudanças inesperadas é bem conhecido. Em uma era de ouro, todavia, toda mudança é esperada. Em um estado estacionário, tal problema não existe.

Aqui todos os valores de capital podem ser apurados sem ambiguidade, pois todos os bens de capital valem seu custo; os valores de custo e os valores de ganhos descontados são idênticos, mas nossa autora está preocupada com o progresso.

O verdadeiro significado de seu conceito de idade de ouro é que ele denota um equilíbrio móvel, uma contrapartida dinâmica ao estado estacionário, a última versão até hoje da “Economia Uniformemente Progressiva” de Cassel, de quarenta anos atrás, na qual todas aquelas relações cuja constância nos permite determinar a quantidade de capital em um estado estacionário permanecem constantes, mas são projetadas para um mundo dinâmico. Neste equilíbrio móvel, os empreendedores sempre descontam os ganhos futuros para a taxa de lucro que obtiveram no passado, e só existe uma!

Diante disso, é difícil o leitor se surpreender ao saber que, em seu esforço para manter o benefício das condições estacionárias ao lidar com um mundo de mudanças, nossa autora logo se depara com problemas.

Nas condições de uma idade de ouro, certamente, é possível medir a quantidade de capital, já que “o valor do estoque de capital é, então, determinado pela taxa de lucro que rege as condições da idade de ouro”.

Mas como podemos comparar os estoques de capital em economias em diferentes estágios de desenvolvimento, cada uma delas em uma idade de ouro própria, onde a homogeneidade geral postulada para nosso modelo não existe?

Um conjunto de dificuldades decorre desta diferença na composição dos produtos nas diferentes economias. Outro conjunto de dificuldades decorre do fato […] que uma taxa salarial diferente em termos de produção implica valores relativos diferentes de mercadorias, bens de capital e tempo de trabalho, de modo que não há uma simples unidade de valor a ser considerada.

No capítulo sobre “A Avaliação do Capital”, talvez a discussão mais penetrante deste assunto proibitivo na literatura, a autora, tendo exposto amplamente todas essas dificuldades, conclui surpreendentemente que o problema da mensuração do capital é realmente um problema puramente verbal.

O problema da mensuração de capital é um problema sobre palavras. O capital é o que é, não importa como o chamemos. A razão de termos tanto trabalho para descrevê-lo é evitar que sejamos enganados por nossa própria terminologia e pensar que coisas diferentes são iguais por serem chamadas pelo mesmo nome. Como nenhuma maneira de medir o capital proporciona uma quantidade simples que reflita todas as diferenças relevantes entre diferentes estoques de bens de capital, temos que usar várias medidas em conjunto.

Entre as várias medidas de capital agora introduzidas por nossa autora, torna-se evidente que os conceitos-chave são a capacidade produtiva (“um conjunto de bens de capital que pode ser utilizado pela quantidade apropriada de mão de obra para fornecer um fluxo de produção especificado em caráter físico e em seu futuro padrão de tempo”) e a relação capital-real  (“a relação entre o capital estimado em termos de tempo de trabalho e a quantidade de mão de obra atualmente empregada, quando está trabalhando em sua capacidade normal”). Esta última, segundo nos dizem, “corresponde mais estreitamente à concepção do capital como fator técnico de produção”, e é realmente a medida do grau de mecanização ou intensidade de capital.

Somos advertidos, entretanto, que esta recaída na teoria do valor-trabalho não significa que todo o tempo de trabalho seja homogêneo: os dois tipos de tempo de trabalho expressos nesta relação não estão em pari materia; “um desses consiste em tempo de trabalho passado, composto a juros, incorporado a um estoque de bens de capital, o outro é um fluxo por unidade de tempo de trabalho atual”. Esta é, naturalmente, a heresia que Rosa Luxemburgo jamais perdoaria.

A noção de capacidade produtiva não possui um significado inequívoco, a menos que a produção seja homogênea. Este fato não nos impede meramente de introduzir no modelo novos produtos, uma característica normal do progresso econômico.

 Como podemos comparar a produção em diferentes economias com diferentes taxas de investimento? A Sra. Robinson admite francamente que

[...] essa comparação possui um sentido exato apenas para economias em estado de investimento líquido zero. Quando, a acumulação está ocorrendo a taxas diferentes em economias que utilizam técnicas diferentes, que é o que geralmente ocorre, a composição da produção (que inclui incrementos de bens de capital) difere em cada uma delas, e a comparação está sujeita à mesma ambiguidade de número-índice que encontramos acima.

 Naturalmente, é de conhecimento comum que as comparações internacionais dos números de índices de produção fazem pouco sentido.[3] Dizer que o crescimento da capacidade produtiva é uma medida do progresso econômico não é, portanto, dizer muito, exceto em um mundo de produção homogênea.

E quanto ao outro conceito-chave, a relação capital-real, nossa medida do grau de mecanização? Em uma era de ouro, ela permanece constante junto à relação capital-produto e a taxa de lucro, uma vez que a produtividade aumenta uniformemente em todo o sistema.

Mas o progresso técnico pode afetar a relativa escassez de trabalho e capital e, portanto, a taxa de lucro. Quando isto acontece, e, em geral, sempre que os empreendedores são impelidos a mudar o grau de mecanização, a relação capital-real muda de modo que a mudança na taxa de lucro impossibilita comparar o valor dos ativos de capital antes e depois da mudança.

Temos aqui uma transição de uma idade de ouro para outra, ou seja, de um equilíbrio para outro, um problema de estática comparativa. Mas onde existe um sistema de coordenadas que, não afetado pela mudança, pode servir para medi-la?

Para a maioria dos economistas, este seria apenas mais um exemplo da impossibilidade de comparar a quantidade de capital em duas posições de equilíbrio diferentes.

Nossa autora, todavia, é destemida. Ela substitui o conjunto de suposições que definem a economia da idade de ouro por outro conjunto de suposições especiais

[...] [suposições] concebidas para permitir analisar a transição de uma técnica para outra como se ela tivesse ocorrido sem qualquer perturbação à tranquilidade. O argumento, por esta razão, é um tanto fantasioso, mas defini-lo desta forma nos permite ver o funcionamento do mecanismo, que é difícil de seguir na agitação do desequilíbrio de curto período em que realmente opera.

Neste ponto, porém, chega o momento em que até mesmo o leitor mais paciente não pode deixar de perguntar a si mesmo se isso realmente vale a pena. Será que um argumento confinado por abstrações tão rigorosas lança alguma luz sobre o mundo industrial como o conhecemos? Por que temos de medir o capital em circunstâncias nas quais sabemos que não pode ser feito?

A Sra. Robinson, como Ricardiana, provavelmente responderia que no tempo de trabalho temos uma medida “objetiva” de capital corporificada na relação capital-real que podemos comparar antes e depois da mudança.

Com certeza há o problema de somar as horas de trabalho gastas em diferentes anos e pagas a diferentes taxas salariais. Mas se tivermos uma “taxa de juros nocional”[4] constante para compor nossas unidades de trabalho, para calcular o valor presente das horas trabalhadas no passado, o problema não parece intransponível.

Parece que, desta forma, uma teoria do valor-trabalho, embora em uma versão modificada, pode ser colocada em uso econômico.

Mas o que realmente ganhamos? O que uma hora de trabalho feito na Grã-Bretanha em 1957 tem em comum com uma feita há duzentos anos, exceto que ambas duram sessenta minutos?

A tentativa de encontrar em um mundo em mudança, em algum lugar, uma entidade imutável para servir como medida de mudança, está fadada ao fracasso.

A mudança econômica afeta o significado econômico das horas de trabalho junto a tudo mais. As horas de trabalho não possuem “qualidades intrínsecas” que não mudem e contenham significado econômico.

Não podemos deixar de suspeitar que este é outro exemplo em que um método desenvolvido nas ciências naturais está sendo usado em economia sem o devido cuidado com os limites de seu significado.

Na física (pelo menos antes de Bohr e Heisenberg), o continuum espaço-tempo era usado como sistema universal de coordenadas. Todos os processos na natureza eram, então, reduzidos a mudanças no espaço e no tempo, que poderiam ser consideradas como as “categorias finais”.

No campo da ação humana, entretanto, o mero lapso de tempo não tem significado, a não ser possivelmente como uma estrutura de ordem cronológica. Como uma dimensão da ação humana, uma hora de trabalho não permanece constante ao longo dos anos, já que mais ou menos pode ser feito com essa hora.

Quando a Sra. Robinson escreve: “O trabalho leva tempo, mas o tempo não trabalha”, temos de acrescentar que o mesmo trabalho nem sempre leva o mesmo tempo.

As horas de trabalho estão sendo compradas e vendidas nos mercados e interagem com outras magnitudes econômicas num sentido que não possui contrapartida na física clássica.

A heroica tentativa de encontrar uma medida de capital invariável ao tempo, seja como relação capital-real ou de qualquer outra forma, até agora não se pode dizer que tenha tido sucesso.

A Sra. Robinson falhou em fazer o que não pode ser feito.

4.

Não seria justo criticar nosso modelo por seu nível de abstração, por mais alto que ele seja. O mesmo poderia ser dito, afinal de contas, de noções neoclássicas como o estado estacionário, ou de certos modelos de expansão econômica que têm ultimamente sido amplamente aclamados entre os economistas.

Pelo contrário, é a luta da Sra. Robinson pelo realismo; a tentativa de deixar seu modelo refletir circunstâncias e processos que conhecemos do mundo ao nosso redor, o que tantas vezes desperta as dúvidas do leitor sobre se tais circunstâncias e processos são de alguma forma compatíveis com as condições de seu modelo. As situações mais embaraçosas provavelmente passam a surgir e quando nossa autora diminui subitamente o nível de abstração para permitir que ela “pegue” uma característica interessante que observou.

Muito frequentemente o leitor se lembra bem de outras ocasiões nas quais o que deve ser considerado pelo menos como características igualmente importantes da realidade foram deixadas de lado, e tiveram que ser deixadas de lado, porque o modelo não tinha espaço para elas.[5]

Tal redução “seletiva” do nível de abstração se torna mais estranha quando a autora precisa lidar com o progresso tecnológico. Uma boa parte desta seção estará, portanto, preocupada com os paradoxos que a introdução deste tópico cria no modelo da Sra. Robinson. Mas vamos primeiro dar um exemplo mais geral.

A Sra. Robinson está muito preocupada com o modus operandi do que ela chama de capitalismo. Repetidamente nos diz que, “sob as regras capitalistas do jogo”, tal e tal acontecerá.

Nunca se questiona sobre se essas regras seriam de alguma forma aplicáveis ao seu modelo econômico, nem quantas dessas regras seriam aplicáveis.

Na realidade, a mais importante destas regras é certamente que o capital é investido onde, considerando o “risco líquido”, promete o maior retorno. Mas em uma economia na qual o estoque de capital sempre tem exatamente a composição necessária para produzir um determinado fluxo de produção composta, todo o problema desaparece.

O mau investimento é abolido por definição. Todo investimento produz o melhor retorno. Toda a gama de escolhas que enfrentam aqueles que precisam tomar decisões de investimento, desaparece de vista.

Em que sentido, então, ainda podemos falar das “regras do jogo”, se, na verdade, estamos confinados à escolha entre algumas poucas jogadas? Ainda seria possível jogar xadrez e obedecer “às regras do jogo” mesmo que cada jogador receba, digamos, apenas um rei, uma rainha e um bispo para jogar. Mas a maioria destas regras tornar-se-iam inoperantes, como seria o caso de todas as regras sobre os movimentos de cavalos e torres.

O leitor do livro da Sra. Robinson nunca é advertido de que suas “regras do jogo” são uma versão bastante mutilada do jogo real.

É fácil perceber porque a colisão entre realismo e abstração, latente em toda a técnica de análise de nossa autora, torna-se mais perturbadora quando se trata de lidar com o progresso técnico.

Homogeneidade e progresso são, em essência, incompatíveis entre si. Uma economia progressiva é uma economia na qual, a cada momento, uma série de experiências está sendo realizada com novos produtos e novos métodos de produção de produtos antigos.

Mesmo se todos eles tivessem sucesso, seus resultados não seriam consistentes entre si; no mínimo, os custos de oportunidade relativos mudariam. A Sra. Robinson, posteriormente, admite isso.

Mas mesmo que algumas dessas experiências fracassem, elas são elementos indispensáveis do progresso econômico, pois fornecem conhecimentos valiosos para os outros, uma espécie de “know-how negativo”. Mas elas também deixarão o que a autora chama de “fósseis” na estrutura do capital, e assim afetarão a composição do estoque de capital.

No entanto, se os mesmos novos métodos de produção fossem adotados por todos simultaneamente, talvez não haveria muito problema.

Mas, para a Sra. Robinson, o progresso significa a difusão das inovações introduzidas pelos empreendedores através da competição.

A concepção aqui é essencialmente Schumpeteriana. Os inovadores, a princípio, obtêm grandes lucros, mas, mais cedo ou mais tarde, os imitadores os alcançam, os preços caem, os salários reais sobem e, no fim, a taxa de lucro uniforme é restaurada. Estamos de volta a um equilíbrio da idade de ouro.

Dois problemas surgem. Como um estoque de capital de “proporções apropriadas” pode continuar a existir durante um período de inovação tecnológica? O novo equilíbrio que será alcançado no final do processo de difusão, quando a inovação tiver ganhado aceitação universal, independerá dos eventos que ocorrerem durante o período de transição?

Com relação ao primeiro problema, a Sra. Robinson concebe a mudança de uma técnica de produção para outra como um processo gradual durante o qual o equipamento antigo está sendo substituído por um novo à medida que ele se desgasta. Enquanto assim for, o segundo problema não surge, pois a duração do processo de transição é inteiramente determinada pela idade e durabilidade do equipamento existente.

Durante a transição, é verdade, a taxa de lucro não pode ser uniforme. Mas a concorrência está sempre trabalhando, e se nos limitarmos a uma comparação de posições de equilíbrio, ou seja, a um problema de estática comparativa, parece que podemos manter o segundo problema à distância.

Mas a autora precisa admitir que outras forças influenciarão o processo de transição. “A velocidade com a qual os novos métodos são difundidos por toda a economia depende em parte da vida física dos bens de capital,” mas em que locais esta vida é longa, depende em grande parte da intensidade da concorrência.

O mecanismo da concorrência “tende a ficar mais fraco à medida que a economia avança, pois quanto mais vigorosa for a competição entre os empreendedores, mais rapidamente os fortes engolirão os fracos, de modo que o número de vendedores em cada mercado tende a cair com o passar do tempo”.

Em outras palavras, nem todas as empresas sobrevivem ao processo de transição. O que acontece com os recursos daquelas empresas que não sobrevivem a ele?

Dizem-nos que eles podem ser forçados a sucatear seu equipamento antes que ele tenha sido totalmente amortizado, uma possibilidade que, naturalmente, é inconsistente com a condição de integrabilidade.

Outra possibilidade, bem conhecida na história industrial, é que os fortes “engolem” os fracos, assumindo-os como preocupações contínuas. Mas é improvável que os fortes façam as tais “ofertas de compra” aos fracos, a menos que vejam a possibilidade de utilizar os recursos destes últimos de maneiras em que até agora não foram utilizados. Uma das coisas que acontecerão em nosso caminho de transição é que os recursos existentes serão voltados para usos diferentes (mais apropriados?).

O progresso técnico não significa apenas a introdução e difusão de novas e melhores máquinas, mas também o uso mais eficiente dos recursos existentes. Mesmo que possamos ignorar esta possibilidade em nosso modelo formal, não podemos mantê-la fora de nossa descrição dos processos secundários de ajuste à mudança.

Independentemente da inovação com a qual começamos, quão dourada será a próxima era, isso depende também das mudanças no uso dos recursos existentes, feitas no caminho de transição de um equilíbrio para o próximo.

A fim de tornar plausível uma transição suave, de uma técnica para outra melhor, nossa autora também precisa supor que as inovações se apresentem de forma suficientemente lenta para que a economia se tenha adaptado completamente à primeira antes que a próxima comece a ter seu impacto.

Onde tal coisa não acontece, onde as inovações se sucedem tão rapidamente que a economia nunca tem tempo de digerir completamente uma antes de aparecer a próxima, nunca haverá equilíbrio.

Em cada momento nos encontraremos em meio a um processo de transição. Quando, então, voltaremos à era de ouro? O que acontece ao nosso equilíbrio móvel com sua taxa de lucro uniforme?

A tentativa da Sra. Robinson de inserir o progresso em seu modelo de equilíbrio móvel só é bem-sucedida onde a velocidade de difusão é muito alta e a velocidade com a qual as inovações se sucedem, isto é, a própria velocidade do progresso, é bastante baixa.

O importante caso em que diferentes empreendedores tentam melhorar seus métodos experimentando-os em diferentes direções sem que, no final, todos aceitem o mesmo novo método, está claramente excluído do modelo, assim como todos os casos de diferenciação de produtos.

No final, parece que as características do progresso como as conhecemos estão mais deixadas de fora do modelo do que incluídas nele.

Para a Sra. Robinson, como vimos, o estoque de capital é igual à soma de todos os investimentos. Mensurar o capital significa somar os investimentos anuais ao longo dos anos. A integrabilidade desses investimentos é a condição sine qua non de tal medida de capital.

Mas o progresso significa que os homens adquirem novos conhecimentos. Portanto, é inevitável que os bens de capital existentes a qualquer momento no tempo não forneçam uma estrutura homogênea. Alguns deles não teriam sido construídos de forma alguma se o conhecimento de hoje estivesse disponível no momento de sua construção. Eles são os “fósseis” de uma época anterior que mencionamos acima.

O método de nossa autora para lidar com esses fósseis, de salvaguardar a manutenção contínua de uma estrutura de capital homogênea, baseia-se no pressuposto de que todos eles serão eliminados no curso normal da substituição, ou mesmo desmantelados mais cedo se a concorrência for suficientemente acirrada, assim que deixarem de render mais do que os custos primários.

Mas essa última possibilidade realmente destrói a integrabilidade do capital, pois significa que algo que antes era capital deixou de ser capital sem ser substituído. Por outro lado, existem bens de capital duráveis, como os edifícios, cuja capacidade produtiva pode ser aumentada sem substituí-los, simplesmente porque os homens aprendem a utilizá-los com mais eficiência, por exemplo, instalando elevadores.

Esses recursos de capital podem ser feitos para se encaixar em diferentes estruturas de capital, refletindo diferentes estados de conhecimento.

O paralelismo entre o crescimento do capital e a produção que está subjacente à constante relação capital-produto, uma condição fundamental da era dourada, é, portanto, inconsistente com muitas manifestações de progresso.

Onde o capital precisa ser sucateado sem ser substituído, o capital está sendo desacumulado sem ser desinvestido, mas, na medição do capital atual, tal desacumulação precisaria ser deduzida do investimento corrente. Por outro lado, agora, mais produção flui dos recursos de capital remanescentes.

Mas o aumento da capacidade produtiva dos recursos existentes também é incompatível com uma relação capital-produto constante. Podemos considerar isto como uma “inovação economizadora de capital”.

Tais inovações de economia de capital, contudo, podem não economizar realmente muito capital se o capital “poupado” existir de uma forma tão específica que não possa ser voltado para outros usos.

O progresso na forma de melhor utilização dos recursos existentes, longe de ser economia de capital, pode realmente aumentar a demanda de capital, abrindo novas oportunidades de investimento para recursos de capital complementares, por exemplo, uma inovação pode possibilitar que mais trabalho em andamento seja processado pela mesma fábrica.

Em todos esses casos haverá ganhos e perdas de capital que a Sra. Robinson, como Ricardiana, é forçada a ignorar, mas que, na realidade, muitas vezes determinam a direção e a magnitude das mudanças e dos investimentos.

A Sra. Robinson que, com sua habitual franqueza, admite que introduzimos uma “porção de nebulosidade na análise” sempre que “a relação entre a taxa de investimento em termos físicos e em termos de valor é altamente variável”, excluiu cuidadosamente todas essas possibilidades por uma das hipóteses especiais introduzidas quando ela lida com variações na relação capital-real em uma “idade quase dourada”, onde a acumulação ocorre sem invenções.

Aqui, ela assume explicitamente que “a duração da vida útil de bens de capital individuais é curta para que um empreendedor individual possa facilmente mudar seu estoque de bens de capital de uma forma para outra, sem perda de valor.” Mas o mesmo problema surge onde quer que a inovação torne redundante o capital específico existente.

A conclusão parece inescapável de que enfrentamos um dilema aqui. Devemos ou excluir toda redundância prematura, assumindo que todo o capital seja suficientemente de vida curta, ou seja, estendendo a suposição especial mencionada a todas as fases de uma era de ouro, caso em que uma mudança de técnica dificilmente poderia tomar a forma de um processo no tempo.

Ficaria, então, claro que o modelo, revelando sua verdadeira natureza, só funciona suavemente onde a mudança é seguida de ajustes instantâneos. Ou, se em nosso modelo quisermos permitir tais características do mundo ao nosso redor, como equipamento durável e tempo gasto por processos de ajuste, também teremos de permitir outras.

Assim, por exemplo, não podemos mais considerar o estoque de capital existente (o que quer que isso signifique) como o resultado de uma simples acumulação, daí que a noção de uma relação capital-produto constante se torna insustentável.

Também temos de perceber que a oportunidade de investimento não é independente da eficiência com que os recursos existentes estão sendo utilizados, e que novos bens de capital competem com alguns, e cooperam com outros recursos mais antigos.

Quando chegamos a esta percepção, talvez não seja muito difícil entender por que praticamente nenhuma forma de progresso é compatível com a noção de um estoque de capital que, aconteça o que acontecer, invariavelmente mantém sua composição como “apropriada”.

5.

A característica distintiva da escola de economia que floresceu de 1871 a 1936 é o axioma de que as causas últimas dos processos econômicos que observamos na realidade devem ser buscadas nas mentes humanas individuais, na escolha e na decisão; e que os fenômenos econômicos são o que são devido aos propósitos perseguidos, dos planos feitos e revisados por milhões de pessoas em casas e oficinas.

Nesta visão, as quantidades dos vários bens produzidos e os preços pagos por eles são todos resultados de acordos que refletem a dinâmica dessas milhões de decisões, sobre as quais não há, naturalmente, nenhuma razão para acreditar a priori que serão consistentes entre si.

Somente o processo contínuo de mercado que gradualmente os torna consistentes à medida que o conhecimento se dissemina. A essência do pensamento desta escola de economia é o método pelo qual reduzimos fenômenos objetivos de mercado, como preços e quantidades de bens, às preferências e expectativas subjetivas que lhes dão origem.

Toda tentativa de abandonar este esquema de explicação precisa encontrar as causas dos fenômenos econômicos não na variedade das mentes humanas, mas em “algo mais”.

Os economistas clássicos, fiéis às suas origens intelectuais do século XVIII, o encontraram nas “forças naturais”, como a Lei Malthusiana ou a diminuição da fertilidade do solo.

Essas forças naturais foram os verdadeiros determinantes de todos os fenômenos humanos. Toda ação econômica passou a ser considerada uma mera resposta a elas. Como, além disso, era um princípio clássico importante que todos os homens respondessem a estímulos econômicos de forma praticamente idêntica, a mente humana e seus atos (interpretação da experiência, elaboração e execução de planos) podiam ser ignorados.

É bem sabido que, por toda sua grosseria metodológica, o modo clássico de pensar teve um sucesso notável em seu tempo: ele forneceu um princípio unificador de explicação para um grande corpo de experiências.

Mas aqueles que hoje desejam voltar ao estilo clássico de pensamento estão enfrentando um dilema peculiar. Desde o fim do Malthusianismo (pelo menos no Ocidente) e a ascensão da tecnologia científica moderna, não restam muitas “forças naturais” para servir como variáveis independentes no sistema econômico.

A mais notável tentativa recente nesta direção, a “Lei Psicológica” de Keynes da propensão marginal decrescente ao consumo que, como sabemos, a Sra. Robinson rejeita, não tem sido um grande sucesso.

Mas a Sra. Robinson não é de fato uma naturalista, não pertence ao século XVIII, e a tentativa de vestir-se com um traje do rococó quando se discute o progresso industrial no século XX permanece pouco convincente.

Confrontada com o dilema, ela se volta para outro dispositivo clássico. Os agentes de seu modelo não são indivíduos reais, mas “tipos ideais” de agentes econômicos com uma gama de ação restrita, mas previsível.

Assim, “trabalhadores” e “empreendedores” tornam-se os protagonistas do drama, aos quais mais tarde se juntarão “rentistas” e “senhorios”. Estamos de volta a um mundo ricardiano no qual a distribuição funcional da renda entre trabalhadores, capitalistas e proprietários é o principal determinante do progresso.

Isto significa uma grande simplificação das questões com as quais os economistas necessitam lidar; uma vez que trabalhadores e empreendedores podem agir somente em suas capacidades coletivas, não podemos, nem precisamos, nos preocupar com todos aqueles casos nos quais as diferentes seções de cada grupo se movem em direções diferentes, e muitas vezes incompatíveis.

Toda a área de escolha e de tomada de decisão, na qual alguns empreendedores mostram sua força ao serem melhores do que outros ao compreenderem o que o mercado quer deles, desaparece de vista.

 Se pensamos que o estilo de pensamento que nos libertou do clichê clássico do Homem Econômico maximizador do lucro e nos permitiu explorar toda a área de escolha e decisão, independentemente do objetivo perseguido, foi um avanço, é difícil evitar a conclusão de que o reaparecimento de clichês semelhantes em 1956 seja um passo para trás.

É interessante observar que a Sra. Robinson, por toda sua devoção ao método clássico, não consegue, por vezes, perseverar nele. Quando ela vem para lidar com a realidade do progresso, ela não pode deixar de lembrar que alguns empreendedores são melhores do que outros e que a competição é às vezes mais intensa do que em outros momentos.

Perguntamos-nos se seria um passo muito longo para a compreensão de que todo o progresso não começa com o investimento em novas máquinas, mas muitas vezes com milhares de empreendedores que experimentam e remodelam suas combinações de capital existentes. Ou então que, além dos inovadores e seus imitadores, há também aqueles que tentam fazer melhor do que aqueles cujas realizações emulam, de modo que uma nova técnica de produção se modifica e se diversifica no próprio processo de difusão.

Quão ousado seria, então, o passo seguinte, isto é, a constatação de que a noção de um estoque de capital que invariavelmente possui a posição “apropriada” exigida pelas circunstâncias, é mais um obstáculo do que um auxílio para nossa compreensão da natureza do progresso econômico?

 

NOTAS

[1] Joan Robinson, The Accumulation of Capital (Londres: Macmillan & Co., 1956).

[2] Todo o edifício Keynesiano se baseia na possibilidade de que o capital possa ser medido; investimento Keynesiano é investimento líquido, renda Keynesiana é renda líquida.

[3] Sobre as numerosas ambiguidades que envolvem o significado de capacidade produtiva, ver G. Warren Nutter, “On Measuring Economic Growth”, Journal of Political Economy 65 (fevereiro de 1957):51-63.

[4]  O efeito das mudanças na taxa de juros, portanto, tem de ser tratado como insignificante, ver p. 144 n2.

[5] Contra o que dissemos, não é defesa afirmar que cada autor deve ser livre para escolher seu próprio nível de abstração. É verdade que, uma vez escolhido, ele deve aderir a ele. É bastante legítimo se abstrair de qualquer classe de fatos, mas é ilegítimo, uma vez que tal classe tenha sido admitida no modelo, fazer uma seleção arbitrária entre os membros da classe.

 

Voltar para o blog

Deixe um comentário