Texto introdutório, Gabriel Gotthelf
Apresento-lhes um dos artigos da série de artigos publicados na campanha lançada contra Otto Maria Carpeaux, agravada logo em 1943 com a publicação de “A Morte de Romain Rolland”. Sendo este o último publicado por Bernanos sobre o assunto; pois, não tendo como responder, não possuindo a documentação para provar as coisas das quais acusou Carpeaux, como, por exemplo, de trabalhar diretamente para o sr. Dollfuß, de participar de um inexistente espírito judaico, tem de escrever pela última vez para livrar sua barra das críticas de compatriotas e “amigos”. Carpeaux: “O sr. Bernanos, colocado na alternativa de apresentar uma documentação que não existe, ou arrepender-se publicamente, escolheu o terceiro caminho: calou-se.” (1944) Neste curto espaço de tempo, aliás, Carpeaux recordou a todos seu passado com a Ação Francesa, com a Camelots du roi e, por fim, seu posicionamento quanto ao caso Dreyfus. Agora Bernanos pretende neste pequeno artigo, sobretudo, fugir da alcunha de racista e anti-semita.
O espírito judaico e o alemão
Diário de Pernambuco, 28 de maio de 1944.
Em seguida ao meu recente artigo sobre o sr. Karpfen-Carpeaux, recebi algumas cartas extremamente tocantes de certos compatriotas judeus que me censuram haver escrito que o espírito judaico e o espírito alemão tinham entre si profunda afinidade. Lamento o fato de havê-los magoado: é tudo o que posso dizer. Ir mais longe seria deformar meu pensamento. Prefiro precisa-lo mais ainda, hoje, mesmo que me arrisque a agravar assim o mal-entendido, porquanto respeito muito a sinceridade dos meus simpáticos contraditores para que lhes sacrifique a minha.
Há uma questão judaica. Não sou eu quem o diz: provam-no os fatos, Depois de dois milênios, o sentimento racista e nacionalista judeu é tão evidente para toda a gente que a ninguem pareceu extraordinário que os Aliados tivessem pensado em lhes restituir uma pátria: isso não demonstra suficientemente que a tomada de Jerusalém por Tito e a dispersão dos vencidos tenham resolvido o problema.
Os que assim falam são tratados de anti-semitas. Estas palavras causam-me cada vez mais horror. Hitler desonrou-a para sempre. Todas as palavras, aliás, que começam por "anti" são mal-farejas e estupidas. O uso do termo "anticlerical" acabou por fazer deste vocábulo sinônimo de "antirreligioso", reabilitando ao mesmo tempo a significação da palavra "clerical", como o outro dia fazia notar ainda o intrépido arcebispo de Tolouse. Quem quer que seja capaz de sacrificar a verdade aos interesses ou no prestígio do clero e dos fiéis--isto é quem quer que seja capaz de "mentir pour le bon motif", é um clerical e, graças a Deus. a maioria dos padres ou dos monges que tenho a honra de conhecer não merecem este epiteto.
Não sou antissemita--o que aliás, nada significa, porque os árabes também são semitas. Não sou anti-judeu, de modo algum. A vida um tanto solitária que levo no Brasil não me permitiu, evidentemente, acrescentar muitos amigos íntimos aos que me acolheram no Rio desde 1938, e para os quais se volta nesse instante meu pensamento. Posso, entretanto, juntar à lista dois judeus igualmente caros ao meu coração. Um deles é um jovem religioso, judeu convertido, e até judeu alemão. O outro, que o serviço da França acaba de afastar de nós, não é nem religioso, nem católico, mas será para mim um exemplo de fidelidade, de sinceridade, de modéstia e de grandeza - um admirável exemplo de Humanidade. Convertido ou não, certo estou de que a doce misericórdia de Deus não o colocará muito longe de mim no Paraíso, isso, ao menos, caso eu consiga lá entrar um dia, em que pese à oposição provável do meu distinto confrade, o revmo. padre Arlindo Vieira.
Não sou anti-judeu. mas coraria de vergonha se escrevesse contra o meu pensamento que não há problema judeu, ou que o problema não é senão um problema religioso. Há uma raça judia, o que se reconhece logo por meio de sinais físicos evidentes. Se há uma raça judia, há uma sensibilidade judia, um pensamento judeu, um sentido judeu da vida, da morte, da sabedoria, e da felicidade. Que esses traços comuns sociais ou mentais sejam mais ou menos pronunciados, de acordo estou, de boa-vontade. Eles existem, eis o que afirmo, e em afirmando sua existência não os condeno nem os desprezo. Há os que se dão mal com a minha própria sensibilidade, mas nem por isto deixam de pertencer ao patrimônio comum da Humanidade, mantendo no mundo a tradição e o espírito da mais antiga civilização espiritual da História. Do que precede concluirão os Imbecis que sou racista. Não faz mal! Não sou absolutamente racista pelo fato de afirmar que há raças. O racismo condenado pela igreja é a heresia que pretende distinguir entre as raças superiores por essência e as raças inferiores destinadas a servir às primeiras, ou a ser exterminadas por elas. Este racismo ou nazismo alemão, ou Ku-Klux-Kan americano, nunca foi, para um francês, senão uma monstruosidade nojenta.
Não há raça francesa. A França é uma nação, isto é, uma obra humana, uma criação do homem: o nosso povo, tal como o povo brasileiro, é composto de tantos elementos diversos como um poema, ou uma sinfonia. Mas, há uma raça judia. Um judeu francês, incorporado ao nosso povo desde muitas gerações, conservar-se-á, sem duvida, racista já que toda a sua tradição moral ou religiosa é fundada sobre o racismo, mas esse racismo se humanizou pouco e pouco: o judeu francês tornou-se um francês judeu, e as suas virtudes hereditárias. como as nossas, estão doravante ao serviço da Nação. Escrevi a propósito do sr. Carpeaux, que o gênio judeu é um gênio de contradição, de recusa. Honra a quem se recusa à negação, honra a quem diz "Não!" a servidão, à vergonha, ao Kolaboração. Assim a França, quase sempre, cumpriu para com os judeus, saídos dos imensos, dos inesgotáveis, reservatórios judaico da Europa Central e Oriente para entrar na nossa vida nacional, sua missão de assimiladora, de reconciliadora, de iniciadora.
Será o mesmo com a Alemanha? A ideia racista, desgraçadamente, falseou sempre a consciência alemã. Esse racismo é um racismo de agressão de conquista. O racismo judaico tem um caráter intelectual e religioso muito mais sutil, mais matizado, mais “nuance”, sorte que raramente têm ocasião de opor-se ao primeiro, fornecendo-lhe meios de expressão, filosóficos ou poéticos. Enquanto uma crise como a atual não lança os dois povos um contra o outro, a alma alemã e a alma judia comungam no mesmo orgulho, no mesmo dilacerante complexo de inferioridade, na mesma amargura, isso porque uma raça superior, uma raça eleita tem, necessariamente, o sentimento da sua solidão entre as nações: ela se crê odiada e invejada por todos. Quando escrevi que o gênio judeu tem profundamente afinidade com o gênio alemão, queria dizer em primeiro lugar que o meio alemão, longe de temperar certos caracteres, peculiares à raça judia, os entretém e os exaspera.
Considerações são estas, convenho, um pouco pretensiosas para um simples artigo de jornal. Acredito que nada têm que possa ofender aqueles de meus compatriotas judeus que se puseram ao serviço da França, e que a França jamais pensará em renegá-los.