Uma das coisas que mais me acomete é a percepção de que os nomes que se dão as coisas não coincide com a materialidade dessas coisas na realidade. Isso se repete com coisas simples e próximas do indivíduo como casamento (estar casado é um ato muito mais complexo do que uma mera declaração verbal de "estamos casados" e alguns casamentos já acabaram há anos mesmo que essa declaração verbal esteja ali presente), amizade (a ideia de que seus amigos precisem ser pessoas que queiram as mesmas coisas e não queiram as mesmas coisas parece ser um grande absurdo hoje e todo processo de trazer suas amizades a esse nível é tido como um desrespeito) e o respeito (tantas vezes confundido com a simpatia, é possível estar desrespeitando uma pessoa com as palavras mais corteses e os sorrisos mais enérgicos).
Isso se aplica muitíssimo bem a todas as instituições. O que se chama de Mercado muitas vezes não se refere a nenhuma característica essencial do Mercado. Aquilo que se chama de Estado não se refere a nenhuma característica essencial do Estado. São definições inócuas porque elas não de fato estabelecem uma distinção real entre duas coisas. Peirce nos ensina que não existe distinção de significado tão refinada que possa consistir em algo que não uma possível diferença prática. Não é possível diferenciar algo duro de algo mole se essas duas coisas não puderem ser postas a prova e então suas propriedades serão estabelecidas.
Esse raciocínio nos leva a uma reflexão geral profundamente importante para a concepção filosófica e para a construção de um pensamento racional e ponderado sobre todas as coisas: o nome da coisa não é a coisa, pode ser que o nome da coisa indique perfeitamente a coisa, mas muitas vezes, demasiadas vezes, não é o caso.
Perceber isso te dará uma dimensão completamente diferente do ponto de vista da experiência humana. Passará a ver que o que existe de melhor nas pessoas pode passar inteiramente abaixo do radar direto das percepções humanas mais habituais. Verá beleza em pequenos gestos. Da mesma forma, aprenderá a colocar algum nível de descrença em relação a grandes falas e a própria possibilidade da ação dos grandes homens. Rejeitará o messianismo das previsões de apocalipse e evitará aqueles que recorrem por demasiado ora a estruturas abstratas e inalcançáveis e por isso mesmo inquestionáveis, ora a fatos corriqueiros que são prometidos como sendo os rituais de ascensão do homem angustiado.
Mas, a razão pelo qual essa dimensão da experiência humana não é em si mesma uma promessa futura é que ela não lhe poderá dar absolutamente nada por si só. Nenhum sucesso profissional em especial lhe alcançará após ser capaz de analisar as coisas dessa forma. Seu casamento não irá melhorar de uma forma exponencial e extraordinária. Pois essa percepção não está escondida de você e agora foi colocada como uma habilidade a que pode recorrer de forma única e especial.
Essa habilidade é uma habilidade humana absolutamente casual e simples. Assim, o doce profundamente decorado e apetitoso que comemos e que nos faz passar mal nos lembra que até mesmo a aparência da coisa não é em si a coisa. Mas, quando esquecemos esse fato nós deixamos essa habilidade absolutamente trivial de ponderar as coisas importantes nelas mesmas e nos valemos dos mecanismos de redução do custo da informação do dia a dia como instrumentos do nosso juízo.
A recuperação desse fato tão vital e trivial da vida e a consequente retomada dessa capacidade para as esferas mais internas de introspecção e análise do discurso, ainda que não tenha o efeito de lhe colocar num estágio de desenvolvimento muito diferente do que está agora, ao menos lhe fará sentir que as suas decisões dizem respeito a você mesmo e lhe permitirá reconhecer um vínculo entre você e as coisas e entre você e as pessoas. Algum nível de satisfação, algumas risadas e inúmeras reflexões podem quem sabe lhe levar a algum lugar melhor consigo mesmo.