O Rugido do Leão

O Rugido do Leão

Alta Linguagem

Texto introdutório (Alta Linguagem):  Depois do Cordeiro, o Leão. Assim, o padre dominicano Giovanni Cavalcoli busca tratar aqui sobre duas faces diversas de Deus e que se fizeram perceptíveis respectivamente no papado de Francisco e que, agora, se faz necessária de ser percebida, na visão do autor, no papado do atual Leão XIV. Duas faces complementares e que, como doutor de direito canônico, o dominicano autor do texto espera que Leão XIV saiba dosar a misericórdia com o devido grau de justiça, o que configura o verdadeiro sentido da misericórdia de Deus.

O Rugido do Leão

Expulsou os vendedores (Lc 19,45)

O Papa Francisco empenhou-se de muitos modos pelo bem da Igreja e da humanidade. Estou certo de que o novo Papa recolherá seu legado e o enriquecerá. Todavia, como todo Papa, até mesmo o mais santo, também Francisco teve seus defeitos humanos; os quais, se não puderam infectar o Magistério, do qual todo Papa é mestre da verdade, certamente tocaram em sua conduta moral e em sua atividade pastoral.

É evidente que, com a eleição do novo Papa Leão XIV, basta apenas considerar seu nome e as recordações históricas que evoca, sem desmerecer o valor da obra realizada de Francisco, pretende girar o timão da Igreja rumo a uma rota diversa. Uma rota que, embora substancialmente a mesma, e não poderia ser diferente, responde a valores ou exigências que, durante o pontificado de Francisco, não eram suficientemente afirmadas, atendidas, ou que foram silenciadas, deixadas de lado ou subestimadas. Penso especialmente no cuidado com a sã doutrina, na crítica aos erros modernos, e na retomada da disciplina ascética e da apologética.

A este respeito, gostaria de fazer algumas considerações sobre a própria questão do governo da Igreja, os pontos sobre os quais é oportuno ou urgente, ao meu ver, que o atual Papa intervenha para remediar ou recuperar.

Alguns Princípios de uma Boa Condução Pastoral da Igreja

Em princípio, é justo excomungar quem danifica a Igreja por dentro. A excomunhão, além de ser um procedimento que visa estimular o excomungado ao arrependimento e ao retorno à comunhão com a Igreja, demonstra aos fieis o exemplo de alguém que, pelas ideias que professa e pela conduta que adota, revela não estar em comunhão com a Igreja, sendo-lhe antes um inimigo, independentemente das intenções íntimas conhecidas só por Deus.

A excomunhão faz reconhecer e freia a ação anticatólica que o excomungado vinha exercendo dentro da Igreja, sobretudo se ocupava cargos ou ministérios eclesiásticos. Compreende-se, assim, por que a autoridade eclesiástica às vezes se abstém de excomungar, mesmo diante de flagrante hostilidade, desobediência à Igreja ou deturpação da doutrina católica: em certas instituições educativas ou acadêmicas, cargos de ensino ficariam vagos, sem que a autoridade soubesse como preenchê-los. Por isso, se a Igreja nos tempos de São Pio X podia permitir-se excomungar em larga escala, dispondo então de abundante pessoal da reta doutrina, hoje, diante de um modernismo pior que o daquela época, a autoridade prefere valorizar os aspectos positivos do modernista, concedendo espaço paralelo à crítica antimodernista.

Assim, se o grupo passível de excomunhão é muito poderoso e possui outras qualidades boas, não convém ao Papa lançar excomunhão em massa, pois isso provocaria tamanha comoção na Igreja, criando uma situação mais insustentável que a anterior. Quando São Pio V excomungou a rainha Isabel I da Inglaterra, os anglicanos reagiram com violência tão extrema contra os católicos, que desencadearam uma verdadeira onda de perseguição e suprimiram a Hierarquia católica, tanto que esta só pôde ser restabelecida no início do século XIX.

No que diz respeito à acolhida na Igreja, sabemos ser necessários o batismo e a formação catequética. Como em qualquer associação humana que se respeite, dado que a Igreja também tem dimensão humana, ela convida todos para o banquete, valendo-se da paráfrase feita no próprio Evangelho, mas para participar, o convidado precisa trajar a veste nupcial. Exigem-se condições mínimas para ser acolhido na Igreja.

Quem rejeita tais condições ou pretende usufruir dos benefícios sem cumprir os deveres, é melhor que permaneça fora. Podem salvar-se igualmente. É claro que os sacramentos são remédio, mas o doente ainda precisa demonstrar boa vontade. Quando fieis reivindicam os sacramentos como sendo o reconhecimento de sua situação, suspeita-se que queiram insinuar que seu estado não é repreensível, mas normal. Permanece, porém, a questão crucial: ao concedê-los, fazemos bem às suas almas?

 

Deveres do Bom Pastor

O bom pastor deve:

  1. Empenhar-se para resolver conflitos internos na Igreja;
  2. Ter cuidado para agir com imparcialidade ao julgar o comportamento de correntes, grupos, partidos, movimentos ou associações eclesiais. Não lhe é proibido ter preferências pessoais, mas, ao julgar e decidir como Papa, deve esforçar-se para ser equânime e objetivo, dando a cada um o que lhe é devido, o que se merece e o que se cabe;
  3. Demonstrar benevolência para com os genuínos católicos e exigir coerência dos falsos;
  4. Reconhecer os falsos cristos e falsos profetas e alertar os fieis acerca deles;
  5. Desmascarar lobos disfarçados de cordeiros e revelar a inocência daqueles que apenas parecem lobos;
  6. Aceitar com serenidade e paciência que, na Igreja, atuem forças contrárias, reservando-se a possibilidade de, em certos casos, contê-las ou aproveitar seus aspectos positivos;
  7. Incentivar todos à santidade, sem exigir demais daqueles que não conseguem;
  8. Impedir a entrada de falsos devotos que, em realidade, buscam destruir a Igreja por dentro;
  9. Defender a Igreja tanto de inimigos declarados quanto de falsos amigos, estes que podem ser mais perigosos, pois podem causam dano sem parecer fazê-lo;
  10. Ao tratar de questões relativas à fé e à moral, ele deve usar uma linguagem clara, apropriada, idônea, precisa e inequívoca, evitando qualquer expressão imprópria ou que possa ter o sabor da ambiguidade ou, pior, da duplicidade ou da astúcia, dando explicações oportunas, negando falsas interpretações, esclarecendo onde foi mal interpretado e evitando contradições, absurdos ou simplismos.

 

Os Inconvenientes de uma Má Condução da Igreja

Creio que o Papa Francisco foi demasiado indulgente com os modernistas, embora se deva reconhecer entre eles pessoas ricas de qualidade e atentas ao renovamento conciliar, as quais, porém, lamentavelmente instrumentalizam-lo em benefício próprio, interpretando no sentido modernista.

Daí a reação dos lefebvrianos, sedevacantistas e dos passadistas [tradicionalistas radicais]. Assim ocorreu que certos católicos tradicionalistas, pouco esclarecidos, escandalizaram-se e deixaram a Igreja porque os modernistas seguem dominando. Mas para onde iriam?

Até entre esses irmãos que nos deixaram, convictos de serem mais católicos e fiéis a Cristo que nós, há personalidades notáveis. E para nós, fiéis ao Papa, é profundamente doloroso ver a situação desses irmãos: dizem-se católicos, mas não têm um Papa a quem obedecer. Eles têm uma postura espiritual que assemelha-se à de protestantes e ortodoxos: como é possível dizer-se cristão rejeitando o Vigário de Cristo?

A vocação da Igreja é ser princípio de unidade, concórdia, harmonia e paz para toda a humanidade, apontando para Deus, Criador e providente da raça humana. Mas se a Igreja, falhando neste dever, não mostra ao mundo um rosto coeso, coerente e credível, como pode esperar que homens honestos e de boa vontade nela entrem?

Sem autoreferencialidade ou fechamento em si mesma, ou autoestima excessiva, mas reconhecendo suas falhas e reparando-as, a Igreja, sob a guia do bom pastor, deve, no entanto, ter consciência e zelo por sua identidade; reconhecer sua dignidade superior ante o mundo; frutificar os carismas do Espírito Santo; manter-se em atitude evangelizadora; permanecer a serviço do homem, segundo a vontade de Deus.

O Leão após o Cordeiro

É verdade que o Papa Francisco teve seus momentos de raiva em casos humanos relacionados a situações particulares ou comportamentos morais pessoais ou comunitários. Mas, no geral, por sua conduta e seu governo pastoral, não podemos considerá-lo um Papa irascível, guerreiro ou combativo, como houve muitos na história do Papado.

A enorme difusão da apostasia, heresia e modernismo não parecia preocupá-lo tanto. O que sobretudo o indignava era o passadismo, o sectarismo, o clericalismo, a máfia, a guerra, o egoísmo dos ricos, a prepotência dos poderosos, a exploração de trabalhadores e a violência contra os pequenos, imigrantes e as mulheres.

Com Francisco, conhecemos a mansidão do Cordeiro. Agora, ouviremos a voz do Leão de Judá. A mansidão isolada é fragilidade. A Igreja não deve ser tímida diante do mundo. Deve ser terna e acolhedora para os humildes e pequenos, mas temível e ameaçadora para os soberbos e poderosos da terra. A força isolada é violência. É hora de intimidar os inimigos internos e externos da Igreja com o rugido do Leão.

 

P. Giovanni Cavalcoli

Fontanellato, 9 de maio de 2025

 

Voltar para o blog

Deixe um comentário