"Os Graus de Autoridade do Magistério Pontifício", por Giovanni Cavalcoli O.P.

"Os Graus de Autoridade do Magistério Pontifício", por Giovanni Cavalcoli O.P.

Nota introdutória (Alta Linguagem),

Complementando a noção dos graus de autoridade dos documentos, aqui o sacerdote dominicano dedica-se a tratar dos graus de autoridade do Magistério em si mesmo. Não é necessário mais delongas nesta nota, dado que a autoridade e propriedade do autor do texto não exige complementos de nossa parte, leiga.

Os Graus de Autoridade do Magistério Pontifício

A autoridade doutrinal e pastoral do Papa

Cristo encarregou Pedro de confirmar seus irmãos na fé conforme Ele havia ensinado. Em tal modo , Pedro, assistido por Cristo, vigário de Cristo e em nome de Cristo, foi constituído por Cristo como doutor e mestre da doutrina de Cristo.

Portanto, quando ele se senta nesta cátedra («ex cathedra Petri»), isto é, quando ensina à Igreja o que Cristo nos ensinou para a nossa salvação e nos propõe para crer, desfruta de um dom especial, exclusivamente pertencente ao Papa. Segundo diferentes graus de autoridade expostos no Código de Direito Canônico (cann. 749-752), em matéria de fé e de costumes, ele é sempre verídico, isto é, ensina sempre e infalivelmente a verdade do Evangelho. Ele nunca erra, nunca se engana nem engana; não pode alterar ou retratar-se, nem podem seus sucessores; ele não pode mudar, reformar, revisar, reinterpretar ou corrigir o que foi dito, mas apenas divulgar, repetir, aprofundar, desenvolver, esclarecer e explicar, de modo que seus ensinamentos não são ser falsificados nem no presente nem no futuro até o fim dos tempos.

Assim, o Papa, pecador como todos nós, pode pecar contra todas as virtudes, e a história o demonstra. No entanto, e a história também demonstra isso, quando ele ensina à Igreja desde a cátedra de Pedro, ou seja, como Papa, como mestre e intérprete da verdade de fé, das Escrituras ou da Tradição, ele ilumina, esclarece, explica e confirma, mas nunca peca, não pode mentir, não pode trair Cristo ou o Evangelho, não pode enganar-se, falsificar, interpretar erroneamente ou distorcer a Palavra de Deus, não pode alterar o dogma, não pode conduzir ao erro, não pode cair em heresia, e menos ainda perder a fé.

A autoridade do Papa, instituída por Cristo para nos guiar até a salvação, comporta um aspecto doutrinal e um aspecto pastoral. O aspecto doutrinal é o magistério pontifício propriamente dito e refere-se a duas ordens de verdades de fé («de fide et moribus»): verdades especulativas ou teóricas, que dizem respeito ao mistério de Deus, o que Deus nos revelou sobre Si mesmo por meio de Cristo, aspectos (atributos divinos) que são simplesmente conhecidos, contemplados, amados e desfrutados e que conheceremos plenamente no céu na visão beatífica; e verdades morais, mandamentos, normas, leis divinas, objetos de fé a serem praticados agora, preparando-nos para a visão beatífica.

O aspecto pastoral poderia ser chamado de magistério pastoral, que não diz respeito tanto ao seu conhecimento, mas sim à vontade do Papa como Pastor da Igreja.

Esse aspecto se refere ao que o Papa ordena ou proíbe que seja feito em contextos históricos e situações particulares e contingentes, para que a Palavra de Deus seja eficazmente aprendida e praticada de maneira frutuosa em nossa vida de todos os dias.

Envolve diretivas, disposições, decisões, indicações circunstanciadas, normas jurídicas, disciplinares ou litúrgicas (por exemplo os motu proprio) de direito positivo, que o Papa, segundo seu juízo, como considera melhor, oportuno ou necessário, emite ou se reserva o direito de manter ou alterar, instituir ex novo ou ab-rogar, mesmo em relação ao que foi feito por um Predecessor seu, conforme sua prudência, dependendo dos casos e das circunstâncias.

Esse é o exercício do chamado «poder das chaves», que não diz respeito à doutrina, mas sim à direção concreta da conduta dos fiéis. Trata-se do poder jurisdicional ou de governo, ou seja, da organização hierárquica e jurídica das atividades da Igreja, trata-se do ofício do Papa como juiz supremo encarregado por Cristo de fazer justiça; trata-se de seu ofício e poder, como sumo sacerdote, de santificar as almas por meio dos sacramentos, como sumo moderador do culto divino.

Em todos esses ofícios e serviços, o Papa não é infalível, nem impecável, podendo assim carecer de justiça e prudência, de mansidão ou paciência, podendo ser irascível ou despótico, apavorante ou oportunista, pouco leal e pouco honesto; às vezes exigente demais ou severo, às vezes permissivo e indulgente demais.

Enquanto não faria sentido pretender corrigir o Papa no campo da doutrina, como pretenderam fazer Miguel Cerulário e Lutero, e como hoje desejam fazer modernistas e lefebvrianos, pode ser oportuno e útil para a Igreja corrigir o Papa neste campo de sua ação pastoral ou de governo ou em sua própria conduta moral, como nos deram exemplo grandes santos reformadores, como São Pedro Damião, São Domingos, São Francisco, Santa Catarina de Siena, Savonarola ou o Beato Rosmini.

Os Três Graus de Autoridade Doutrinal

Por que o Direito Canônico apresenta três graus de autoridade doutrinal? Qual é o motivo e o critério dessa multiplicidade? Em que se baseia?

Por que São João Paulo II, com a Carta Apostólica Ad tuendam fidem de 1998, acrescentou um segundo parágrafo no can. 750, ou seja, um terceiro grau de autoridade doutrinal do Papa, um grau intermediário entre os dois (can. 749-750, primeiro parágrafo) do texto canônico anterior?

Porque ele percebeu um subterfúgio ao qual recorriam os lefebvrianos, os quais, sob o pretexto de que o Concílio Vaticano I declarou como dogma que o Papa ensina infalivelmente quando solenemente «ex cathedra» define um novo dogma, ora, como nem o Concílio Vaticano II nem os Papas pós-conciliares fizeram uso desse poder excepcional do Magistério doutrinal, ou seja, não definiram solenemente novos dogmas, os lefebvrianos consideravam que tinham um espaço aberto para acusar o Concílio e os Papas pós-conciliares de heresia ou, quanto menos, considerá-los falíveis pelo fato de nunca terem exercido o poder pontifício dogmatizado do Concílio.

Com essa intervenção, São João Paulo II bloqueou essa operação desonesta, esclarecendo que o Papa é infalível não só no magistério extraordinário como aquele contemplado pelo Vaticano I, mas também no magistério ordinário, mesmo ao propor novas doutrinas, pois mesmo nesse caso ensina como mestre da fé, em matéria de fé, da cátedra de Pedro, ou seja, como Sucessor de Pedro («ex cathedra»).

Dessa forma, no Direito Canônico, assim aperfeiçoado pelo Papa, resulta que o pronunciamento papal do qual fala o Vaticano I é somente o primeiro e mais alto grau de uma autoridade doutrinal que é unicamente infalível, ou seja, absolutamente verídica, não apenas nesse grau, mas também nos outros dois: o segundo (Can. 750, segundo parágrafo, grau médio) e o terceiro e menor grau (Can. 752).

Graus da Fé e Graus do Dogma

Com base no que foi dito sobre os graus de autoridade doutrinal do Papa, é claro que a cada um desses graus corresponde um grau de credibilidade da matéria de fé tratada nesse grau e objeto do grau correspondente de autoridade do Papa, enquanto no fiel existirá o grau de fé correspondente ao grau de credibilidade da matéria de fé e ao grau de autoridade com o qual o Papa a ensina.

Então, é necessário agora observar a relação entre autoridade-matéria de fé e (dogma)-fé em cada um dos três graus. Antecipando, o conteúdo supremo da fé, depois da própria Palavra de Deus e de Cristo contida nas Escrituras e na Tradição, é o Símbolo da fé; isto é, os artigos de fé contidos no Credo. Esses conteúdos são os chamados «dogmas». O dogma em geral é uma proposição elaborada pela Igreja como interpretação e explicação da Palavra de Deus.

O referimento dogma está contido em todos os três graus de doutrina que estamos examinando, pois trata-se sempre de verdades de fé. Ao dogma no sentido mais forte refere-se o primeiro grau citado no primeiro parágrafo do Can. 750. Ele usa estas palavras: «tudo o que está contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que a Igreja, tanto com juízo solene, quanto com magistério ordinário e universal, propõe acreditar como divinamente revelado». Aqui temos o dogma formalmente e explicitamente definido como dogma.

No segundo parágrafo, temos o dogma relacionado ao segundo grau de autoridade: «todas e cada uma das coisas que são propostas definitivamente pelo magistério da Igreja sobre a fé e os costumes, aquelas que são necessárias para preservar santamente e expor fielmente o próprio depósito da fé». É claro que este «expor» implica o desenvolvimento ou progresso doutrinal na continuidade.

No terceiro grau a que se refere o can. 752, o dogma aparece apenas em um nível embrionário e implícito, e não declarado; aparece como simples doutrina de fé do magistério ordinário, isenta de qualquer solenização e reconhecimento como dogma, e, no entanto, é suscetível, se a Igreja o considerar oportuno, de ser solenemente e explicitamente dogmatizada, de subir ao segundo grau e, a partir deste, ao primeiro.

Assim, é chamado aqui o dado de fé: «doutrina sobre a fé e os costumes enunciada pelo Sumo Pontífice e pelo Colégio dos Bispos». Essas doutrinas poderão eventualmente um dia passar ao primeiro grau. Assim aconteceu, por exemplo, com a doutrina da criação ou dos anjos, elevada a dogma em 1215, a doutrina dos condenados ao inferno, elevada a dogma pelo Concílio de Quierzy em 856, a doutrina da visão beatífica, elevada a dogma em 1336, ou da imortalidade da alma, elevada a dogma em 1513, a doutrina da Imaculada Conceição, elevada a dogma apenas em 1854 e a doutrina da demonstrabilidade da existência de Deus, elevada a dogma pelo Concílio Vaticano I; todas doutrinas inicialmente de terceiro grau, elevadas depois ao primeiro.

Uma doutrina hoje a duras penas de terceiro grau, uma vez que é bastante discutida, é a da Corredentora. Mas, supondo que uma boa mariologia consiga afastar qualquer suspeita de maximalismo mariano, poder-se-ia esperar a elevação ao segundo grau. E supondo um progresso no diálogo ecumênico com os protestantes, de modo a dissipar neles qualquer preocupação, o Papa poderia celebrar esse sucesso dogmatizando o título ao primeiro grau. Seria um triunfo esplêndido de Maria, Mãe de todos os cristãos, Rainha da paz e da reconciliação.

O que induz a Igreja a elevar de grau uma doutrina revelada ou de fé? Podem ser dois motivos: um motivo pastoral: a Igreja, em um determinado momento histórico, julga que é necessário evidenciar uma determinada verdade com particular força; ou um motivo de defesa da fé: responder aos ataques dos hereges. Por exemplo, o que o Concílio de Trento ensinou contra Lutero: o número dos sacramentos, a Missa como sacrifício, a transubstanciação, o sacerdócio.

Quanto ao ato de fé que acolhe as verdades de fé nesses três graus, podemos dizer: o ato de fé pelo qual o fiel acolhe o dogma definido de primeiro grau é «o ato de fé divina e católica» (can. 750, § 1). O ato de fé pelo qual acolhe a doutrina de segundo grau, ou seja, o dogma que será definido em breve, é a «fé na assistência do Espírito Santo ao magistério e na doutrina católica da infalibilidade do magistério (doutrinas de fide tenenda)» (Nota Doutrinal, n. 8).

Quanto ao assentimento às doutrinas do terceiro grau, uma vez que tratam ainda de matéria de fé, é ainda um assentimento de fé na autoridade da Igreja, ato que é designado pelo Código como «obediência religiosa da inteligência e da vontade» (can. 752). Nunca, portanto, é justificado o dissenso, pois aqui a Igreja ensina uma verdade divina que não muda, sabendo que não erra, mas que guia os homens à salvação.[1]

Giovanni Cavalcoli

Fontanellato, 8 de outubro de 2024

 

[1] Para mais informações, recomendo consultar o livro ainda atual do Padre Sisto Cartechini S.J., Dall’opinione al dogma. Valore delle note teologiche, Edizioni della Civiltà Cattolica, Roma 1953.

Voltar para o blog

Deixe um comentário