Nota editorial (Alta Linguagem),
Nesta tradução, o dominicano trata de esclarecer noções--outras que serão esclarecidas em outro texto--sobre a autoridade dos documentos pontifícios, diferenciando aquele ensinamento infalível daquele que é falível, daquele que se é prudente corrigir ou não é. Tal é demasiado útil, na medida em que há uma onda de desrespeito por parte de muitos, por outros uma insegurança muito grande. A opinião apresentada pelo padre, todavia, é uma que notavelmente, para o público leitor, apresenta segurança e razoabilidade.
Os graus de autoridade dos documentos pontifícios
Ordena que eu vá até Ti sobre as águas! (Mateus 14:28)
Autoridade doutrinal e autoridade pastoral
Muitos, hoje, como sempre, que desejam estar em comunhão com o Papa, encontram-se em uma situação de desconforto pela dificuldade em interpretar a conduta do Papa. Perguntam-se como discernir, em seus ensinamentos, aqueles que são vinculantes enquanto doutrina de fé e caminho para a salvação e quais, ao contrário, pela sua opinião ou falibilidade, permitem espaço e legitimidade à crítica ou ao dissenso ou a opiniões diversas, sem que isso comprometa uma sincera obediência e devoção ao Vigário de Cristo. Não querem correr o risco nem de menosprezar o seu Magistério como Sucessor de Pedro, nem o de absolutizar opiniões suas discutíveis.
De fato, na densíssima e multiforme pregação do Papa Francisco, é difícil discernir quais são os temas verdadeiramente importantes ou essenciais e quais são, ao contrário, certos pontos secundários, que podem passar para segundo plano ou até mesmo ser deixados de lado sem perigo para a fé ou para a moral.
Isso significa que é necessário conhecer os graus de autoridade de seus ensinamentos e saber, de cada vez, o grau de importância de seus discursos, para saber quanto e se devemos levá-los em conta. Cada palavra que sai da boca de Deus deve sempre ser considerada ao máximo. Mas, embora o Papa seja o intérprete mais autorizado da Palavra de Deus, esse carisma ele o expressa em meio a um conjunto de frágeis palavras humanas, das quais ele próprio é o único responsável.
Pois, de fato, às vezes sentimos claramente nele a voz de Pedro, outras vezes temos dificuldade em reconhecê-la por vários motivos, especialmente relacionados a uma linguagem que nem sempre parece ser apropriada, límpida e coerente. Às vezes, supervalorizamos sua voz, outras vezes a subestimamos. Por isso, pensei em fornecer ao leitor um esquema aproximado dos vários graus de autoridade dos ensinamentos do Papa, a fim de oferecer um critério de avaliação. De fato, nessas questões muito delicadas do mundo do espírito, não podemos querer ter uma unidade de medida tão precisa como a que podemos usar para medir a temperatura atmosférica, mas Deus se contenta com a nossa boa vontade e Ele acrescenta o restante que falta para a nossa adesão perfeita aos seus santíssimos desígnios.
Digamos então, em primeiro lugar, que os ensinamentos pontifícios têm substancialmente o objetivo de nos fazer conhecer os conteúdos da fé e suas falsificações («confirma fratres tuos», Lc 22:32), que são as heresias, um pouco como um especialista em cogumelos nos informa sobre quais são comestíveis e quais são venenosos; ou como a bula anexada a um medicamento nos informa qual é o seu bom uso e qual é o uso incorreto.
Mas institucionalmente um Papa tem de Cristo também o mandato de mostrar à Igreja a maneira de pôr em prática a mensagem do Evangelho e a doutrina da fé, do ponto de vista de princípio e no seu tempo. Estes são os ensinamentos práticos («pasce oves meas», Jo 21:17), que compreendem, em primeiro lugar, as normas de conduta moral, que enunciam os deveres sempre válidos para todos (lei divina e lei natural); em segundo lugar, os ensinamentos pastorais (leis positivas), que têm como conteúdo sua aplicação na situação histórica em que a Igreja vive ou relativamente a algumas categorias de pessoas ou a respeito de certas questões de moral ou em relação às relações da Igreja com as comunidades não-católicas ou com a sociedade civil e toda a humanidade, chamada por Cristo à salvação.
Além disso, entre os ensinamentos práticos do Papa se dão aqueles que legislam no campo canônico sobre o governo e o bom andamento da Igreja e aqueles que disciplinam a administração dos sacramentos. Eles dizem respeito, respectivamente, ao poder jurisdicional, que regula na Igreja a prática externa da caridade e da justiça no respeito dos direitos de cada um, e ao da santificação das almas, o chamado «poder das chaves» (Mt 16:19; Jo 20:23), pelo qual o Papa, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, é o supremo anunciador do Evangelho; enquanto Vigário de Cristo sumo Sacerdote da Nova Aliança, é o supremo promotor e moderador da atividade litúrgica e do culto divino, assim como da reta e conveniente administração dos sacramentos segundo a necessidade dos tempos e dos lugares e como Bispo de Roma, Vigário do Bom Pastor, é o pastor universal da Igreja, afim de que o Povo de Deus, abundantemente nutrido da Palavra de Deus e da graça santificante, avance seguro, forte e sereno, na potência do Espírito Santo, no caminho da salvação, na luta contra Satanás e na edificação do reino de Deus, que é a Igreja.
Nos séculos passados, os documentos pontifícios receberam diferentes denominações, hoje não mais em uso. A denominação que teve maior sucesso nos últimos séculos, especialmente como designação de ensinamentos doutrinais que se atêm à fé, é a de Carta Encíclica.
Por outro lado, a proclamação pontifícia mais solene e explícita de um novo dogma definido, algo que ocorre muito raramente, ou a promulgação de um decreto ou de um conjunto de decretos legislativos de máxima importância são confiados à Constituição Apostólica. Em tempos passados, também era chamada de “bula”, embora as bulas pudessem ter também menos importância.
A palavra «con-stituere» implica a ideia de estabelecer, tornar firme e estável, bem fundamentado, fixo e imóvel, portanto, definitivo, imutável e perene. Daqui vem a palavra status. Daqui deriva o status jurídico ou canônico. Daqui também o verbo «stare», ou seja, permanecer firme e estável. Daí, o Estado, como organização jurídica da sociedade. Fruto da constitutio é a institutio, da qual vem o termo «instituto», «instituição». A regra de um instituto é chamada de «estatuto»: «aquilo-que-está-estabelecido».
Alguns exemplos desses documentos são a Bula Ineffabilis Deus do Beato Pio IX, de 1854, sobre a Imaculada Conceição de Maria, e a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, de Pio XII, de 1950, sobre a Assunção de Maria ao céu.
De fato, o dogma é uma proposição inerrante, tradicionalmente dita «infalível», embora com um termo pouco apropriado, de qualquer forma absolutamente e perenemente verdadeira e irreformável, que é solenemente definida e proclamada de forma definitiva pelo Sumo Pontífice a toda a Igreja na sua qualidade de Sucessor de Pedro, ex cathedra Petri, como interpretação ou clarificação ou explicação ou explicitação de uma verdade de fé contida na Escritura ou na Tradição. O erro contrário é a heresia.
Os próprios decretos dos Concílios, dogmáticos, pastorais, jurídicos ou disciplinares, ainda que elaborados, preparados e votados colegialmente pelo corpo episcopal, são, em última análise, dependentes, para sua própria validade e operatividade canônica, da suprema autoridade doutrinal pontifícia, a qual os confirma e os promulga, sem a qual seu valor dito seria nulo.
Abaixo desses documentos, os que desde os primeiros séculos têm maior importância são as Cartas encíclicas, que começaram a ser chamadas assim com o Papa Bento XIV. Antes, eram simplesmente chamadas de «cartas».
São ditas «encíclicas» do grego en-kyklo, em círculo: poderíamos dizer «cartas circulares», pois devem ser «circuladas» por toda a Igreja, já que tratam de valores e deveres de interesse comum. Em particular, tratam das doutrinas mais importantes de fé e moral, com a condenação dos erros contrários e as disposições pastorais para sua observância e aplicação. Elas se distinguem das cartas particulares, endereçadas a pastores individuais ou a grupos específicos. Elas podem, no entanto, conter ensinamentos extensíveis ou esclarecedores para toda a Igreja.
As encíclicas são, sem dúvida, geralmente os documentos de maior peso doutrinal. Mas também aqui, como em quase todos os documentos públicos de um Papa endereçados à Igreja ou aos fiéis católicos, é necessário fazer uma análise cuidadosa para estabelecer os graus de autoridade, que, deixando o primeiro grau para as raríssimas definições dogmáticas solenes, dizem respeito sempre ao segundo e ao terceiro. De fato, mesmo em uma encíclica podem muito bem existir dados, conteúdos ou teses discutíveis ou historicamente superados.
Imediatamente abaixo das encíclicas, temos as Exortações Apostólicas. Elas certamente contêm dados de fé e às vezes até dogmas já definidos. Mas, como a própria palavra diz, «exortação» exorta ou aconselha, principalmente no plano da moral ou da espiritualidade ou da disciplina eclesiástica, canônica ou litúrgica, e não dá ordens ou comandos taxativos ou sancionados; não legisla, senão no plano positivo e contingente da pastoral e da vida eclesial concreta, historicamente contextualizada. Isso não significa que não contenham também normas morais absolutas e universais. Mas cabe ao exégeta prudente distinguir o absoluto do relativo, o vinculante do discutível, o obrigatório do facultativo.
A Querida Amazônia do Papa Francisco
Exemplo atual em grande discussão de Exortação apostólica é a Exortação pós-sinodal Querida Amazônia, do Papa Francisco. Nesse documento, junto ao apelo a valores de fé, como, por exemplo, o tratamento da essência do sacerdócio ou do sacramento da Eucaristia, com a nota anexa de que o sujeito do sacramento da Ordem é exclusivamente o homem, macho, o Papa recorda alguns ensinamentos magisteriais de segundo nível, de acordo com a gradação da Carta Apostólica de S. João Paulo II Ad tuendam fidem,[1] como a doutrina das qualidades próprias da mulher ou o método da inculturação, ou o dever da evangelização, ou a função dos leigos na Igreja, ou o dever de respeito pela natureza, ou o direito dos povos à autodeterminação, com referência às populações indígenas.
Na Exortação há também verdades práticas de terceiro nível, propostas pelo Magistério autêntico, não necessariamente definitivas e, portanto, reformáveis, que podem conter diretivas pastorais a serem acolhidas, sempre de acordo com a Ad tuendam fidem, com obediência religiosa da inteligência. Entre estas, destaca-se a exortação feita aos Bispos para enviarem sacerdotes missionários à Amazônia.
Pastoralmente, parece-nos prejudicial a ausência de uma análise séria dos cultos idolátricos e xamânicos tradicionalmente praticados pelos indígenas, com a necessária indicação dos caminhos mais oportunos a serem seguidos para remediar essa superstição e para educar os indígenas não apenas no monoteísmo, mas ao culto do Deus cristão. A referência à idolatria é, portanto, demasiadamente breve e insuficiente, ao limitar-se a constatar, com justiça, que imagens que podem expressar, devidamente adaptadas, o monoteísmo, não devem necessariamente ser consideradas idólatras.
Outras opiniões ou avaliações do Papa, por outro lado, não parecem confiáveis ou parecem, no mínimo, passíveis de crítica. Entre elas, estão os juízos severamente negativos sobre a política florestal dos governos dos países amazônicos, acompanhados de um apoio sistemático às oposições ao governo em relação à conduta a ser adotada com as populações indígenas e à gestão da questão ecológica, teses que parecem ditadas por um preconceito, desprovidas daquela independência e equanimidade de julgamento que deveria caracterizar a imparcialidade do Pai comum. Além disso, o fato de que a questão de avaliar as causas do desajuste climático divide os estudiosos, torna imprudente que um Papa, por si só incompetente nesses assuntos complexos, tome partido de um lado contra o outro, correndo o risco de se enganar.
Além disso, parece exageradamente otimista o retrato das populações indígenas feito pelo Papa, as quais parecem isentas das consequências do pecado original e vivem uma vida feliz e virtuosa, semelhante à de nossos primeiros pais no paraíso terrestre.
Os três graus de autoridade das doutrinas pontifícias
Para avaliar o grau de autoridade dos documentos pontifícios, é necessário verificar qual é o grau de autoridade do Magistério que neles está contido. Excluindo o grau máximo da definição dogmática, já mencionado, os graus de autoridade inferior, conforme a Nota citada da CDF, são dois: o segundo abrange doutrinas de fé ou próximas da fé ou conectadas à fé, por motivos históricos ou racionais; doutrinas que, embora não definidas dogmaticamente, são definitivas, irreformáveis e passíveis de definição dogmática. O erro contrário é o erro próximo à heresia ou o erro na doutrina católica.
O Magistério pontifício de segundo nível toca em verdades que, embora não sejam explicitamente definidas, são implicadas na verdade de fé definida ou no dado revelado e valores humanos a elas conectados, a ponto de que, no futuro, a Igreja poderia elevá-las a dogmas. É o âmbito do Magistério ordinário, ou seja, cotidiano, próprio do Papa e dos Bispos espalhados pelo mundo. Trata-se de comentários às Escrituras, dogmas já definidos, doutrinas tradicionais ou patrísticas ou de Santos, ou ainda doutrinas teologicamente corretas, como, por exemplo, a de Santo Tomás.
Também pode conter opiniões pessoais discutíveis do Papa. Aqui, o Papa não pretende definir ou proclamar algum dogma; ainda assim, não se pode considerar que ele possa errar na doutrina da fé e, portanto, enganar-nos, mesmo que, às vezes, o linguajar possa ser imperfeito, impróprio, equívoco ou ambíguo. É necessário então interpretar de in bonam partem [, com caridade].
Segundo a Ad tuendam fidem, enquanto as verdades definidas ex cathedra do primeiro nível devem ser acreditadas com fé divina, as do segundo nível devem ser acreditadas com fé eclesiástica, ou seja, com fé na assistência do Espírito Santo ao Magistério.
O Magistério de terceiro nível, chamado pela Ad tuendam fidem de “Magistério autêntico”, pode abordar tanto matérias de fé quanto de moral, direito ou pastoral. Aqui, a Igreja nos ensina sempre a verdade da Palavra de Deus, mas não especifica se, onde ou quando se trata de uma verdade de fé ou de um dado virtualmente revelado ou conectado com a fé. Devemos descobrir isso com uma atenta exegese dos textos, separando aquilo que é indiscutível daquilo que pode ser discutido, criticado ou refutado, o que evidentemente não afeta a doutrina, mas a prática ou a pastoral. Os erros contrários a este nível recebem diversos rótulos: erro, proposição escandalosa, temerária, perigosa, que não deve ser ensinada, malsonante, ofensiva aos ouvidos piedosos.
A conduta moral de um Papa não condiciona a doutrina, mas condiciona a sua pastoral
Existe também uma relação entre o Magistério de um Papa e a conduta moral do próprio Papa. Enquanto o Papa, no seu ofício de mestre da fé, desfruta indefectivelmente e em todos os níveis de autoridade da luz da verdade que Cristo prometeu a Pedro para confirmar os irmãos na verdade, para a retidão de sua conduta moral, com referência particular à sua tarefa de governar a Igreja («pasce oves meas»), o Papa dispõe de um auxílio especial do Espírito Santo; mas, diferentemente do carisma doutrinal petrino, sempre eficaz, dado seu estado de filho de Adão pecador, como todos nós (excluindo Nossa Senhora, pois foi concebida sem pecado original), ele sempre tem a possibilidade de se afastar desse impulso divino e de ceder ou condescender com sua própria fragilidade humana.
Acontece então ou pode acontecer que, enquanto os documentos doutrinais, cuja verdade é garantida pelo Espírito Santo, nos ilustrem infalivelmente em todos os níveis, mesmo que seja um tweet, a Palavra do Senhor, que nos indica com segurança o destino celeste a ser alcançado e guiando-nos, em princípio, com certeza no caminho a se seguir para nossa salvação, os documentos pastorais, ainda que no nível máximo, como aplicação particular, contingente, detalhada, contextualizada e concreta dos dogmas morais, nem sempre são impregnados de autêntica justiça, prudência e sabedoria, pois podem sofrer influências negativas dos defeitos morais de seu Autor.
Assim, se um Papa é autoritário, seus documentos podem ter um tom autoritário; se é muito indulgente, podem inclinar-se a uma falsa misericórdia; se favorece uma facção eclesial em detrimento de outra, essa parcialidade se refletirá nos documentos; se o Papa é negligente na vigilância, pode permitir que heresias perniciosas proliferem; se é pouco leal ao falar, poderá deixar ambiguidades, duplicidades, subterfúgios, mal-entendidos e instrumentalizações persistirem.
Se o Papa pouco cuida da santificação das almas, a sua pregação, por temor “abstração”, ficará preso ao nível terreno, em vez de estimular o desejo das “coisas lá do alto” (Col 3:1). Se enfatiza excessivamente o concreto, a diversidade e o pluralismo e negligencia os valores universais e perenes, ao considerá-los “rigidezes abstratas”, acaba favorecendo o relativismo, as contradições sociais e os conflitos intraeclesiais.
Os textos do Papa Francisco
O Magistério do Papa Francisco tem se exercido até agora em uma multiplicidade de graus de autoridade, que vão desde o grau da constituição apostólica e da encíclica, descendo por muitos degraus até as originais, breves e modestíssimos, mas eficazes, mensagens online, chamadas tweets, que significa “gorjeio”, uma espécie de retomada do estilo dos chamados “apoftegmas”, ou seja, os ditos dos Padres do deserto.
Além dos graus já citados, observamos os seguintes:
Homilias e Audiências Gerais. Aqui o Papa comenta a Palavra de Deus, para o qual ocorre prestar muita atenção. Encontramos sempre um alimento espiritual, embora ocasionalmente uma frase ambígua possa nos deixar perplexos.
Motu proprio. São disposições ou diretrizes práticas ou jurídicas contingentes do Papa, tomadas, como diz a expressão, por iniciativa e decisão puramente pessoal, acerca de aspectos específicos e limitados da organização jurídica ou litúrgica da Igreja. Podem carecer de prudência, eficácia, sensatez, competência e oportunidade.
Discursos. São exortações pastorais dirigidas a órgãos da Santa Sé, famílias religiosas, associações, grupos diversos, congressistas, representações da Igreja ou da sociedade civil, visitantes, em ocasiões de comemorações, aniversários, celebrações, congressos, comemorações. Podem carecer de prudência pastoral, senso das circunstâncias, informação adequada, atenção e sensibilidade suficientes para as situações e necessidades.
Encontros ecumênicos. A roda do ecumenismo emperrou e gira em falso, como o carro sem correntes no gelo. É necessário conter urgentemente o êxodo de católicos que permanecem católicos apenas no nome, mas que na realidade tornam-se protestantes e protestantes que não querem saber de tornar-se católicos.
Portanto, é necessário que, como propõe o próprio Concílio,[2] o Papa, devidamente ajudado por bons colaboradores, com espírito de iniciativa e de sacrifício, sem respeitos humanos e deixando-se iluminar pelo Espírito Santo, encontre maneiras ou caminhos para estimular e ajudar os irmãos separados a dar alguns passos em direção à plena comunhão com a Igreja Romana.
Acordos e Declarações conjuntas. Por exemplo, o de Abu Dhabi. Talvez otimista demais. Em quem confiar? A China se quer se abrir ao cristianismo ou quer dominar a Igreja?
Mensagens. Muito humanas? Pouca marca cristã? Humanismo ambíguo?
Entrevistas. O que dizer dos elogios a Lutero? E das gafes diante de Scalfari?
Conclusão
O segredo para adotar a atitude justa em relação ao Papa e saber avaliar sua atuação está em conseguir unir com sabedoria sua frágil humanidade com a infalibilidade do carisma petrino, reconhecendo objetivamente ambos os aspectos, sem temer a aparente contradição, mas compreendendo o valor salvífico de sua paradoxal conjunção.
De certo modo, o carisma petrino se manifesta de maneira ainda mais sobrenatural em um Papa falho do que em um Papa santo, pois, diante da santidade, poderíamos ser levados a pensar que esse carisma seja efeito de sua própria santidade. No entanto, quando vemos um Papa humanamente menos adaptado para nos iluminar com a Palavra de Deus, torna-se evidente que esse ensinamento não é farinha de seu saco, mas provém de Algo ou Alguém que está em altura muito mais alta.
Assim, evitam-se os dois extremos: por um lado, usar a fraqueza humana como pretexto para negar o carisma, como fez Lutero e como fazem os ultraconservadores; por outro, reduzir o carisma, embora mal compreendido, às qualidades humanas, reais ou supostas, como fazem os modernistas, autodenominados “amigos do Papa”, com a ridícula tese do “Papa revolucionário” ao estilo de 1968. Em suma, há aqueles que veem apenas o homem, forte ou fraco que seja, esquecendo o carisma; e aqueles que veem apenas o carisma, esquecendo o homem. Em ambos os casos, equivocam-se tanto sobre o carisma quanto sobre o homem.
Cada Papa pode dizer de si mesmo: “temos este tesouro em vasos de barro” (II Cor 4:7). É justamente a fraqueza da humanidade que nos faz entender que, se Pedro é infalível, tal infalibilidade certamente não lhe vem de sua pobre humanidade, mas de Deus. E se a humanidade nos escandaliza, lembremo-nos do divino, conforme nos ordena Cristo: “Bem-aventurado aquele que não se escandalizar de mim” (Mt 11:6).
Pe. Giovanni Cavalcoli
Fontanellato, 22 de fevereiro de 2020
Notas
[1] Nota ilustrativa da CDF [Congregação para a Doutrina da Fé] em apêndice à Carta Apostólica de S. João Paulo II em 1998 Ad tuendam fidem.
[2] Unitatis Redintegratio, n.3.