"Professor Shackle sobre a Significância Econômica do Tempo", de Ludwig Lachmann

"Professor Shackle sobre a Significância Econômica do Tempo", de Ludwig Lachmann

Nota Introdutória,

Lachmann apresenta neste texto uma avaliação crítica das teses do pós-keynesiano G.L.S. Shackle, embora nosso economista elogie a posição de Shackle por destacar o papel das expectativas e em especial por buscar uma reinterpretação do conceito de tempo dentro das ciências econômicas e sociais, Lachmann apresenta algumas ressalvas quanto a possibilidade de se "prever" dos economistas, fugindo de uma posição cética absoluta de Shackle quanto a plausibilidade das previsões dos economistas.

 

Professor Shackle sobre a Significância Econômica do Tempo

[Retirado  de Lachmann, L. M. (1959). PROFESSOR SHACKLE ON THE ECONOMIG SIGNIFIGANCE OF TIME. Metroeconomica, 11(1-2), 64–73. doi:10.1111/j.1467-999x.1959.tb00263.x ]

1.

Na primeira das conferências de De Vries, feita no ano de 1957 em Amsterdã[1], o Professor Shackle desenvolveu ainda mais as ideias sobre o papel do tempo na teoria econômica que os estudantes de sua obra conhecem de seu artigo “A complexa natureza do Tempo como um conceito na Economia”[2]. Essas ideias são importantes por ao menos duas razões,

  • Como o professor Shackle explica no fim de sua primeira conferência, elas incorporam as pressuposições sobre as quais todo seu trabalho sobre expectativas repousa. A fim de discutir o Decision and Uncertainty (os objetos de sua segunda conferência) devemos assumir, conta-nos ele, um mundo no qual decisões dotadas de sentido, que não são meramente respostas mecânicas a determinadas situações ou, como ele diz, “decisões tendo conteúdo e interesse”, são possíveis. Em sua primeira conferência, o Professor Shackle defende nossa crença em tal mundo e vai contra o determinismo na ação humana.
  • Essas ideias têm uma óbvia relevância na possibilidade da teoria dinâmica na economia, em particular nos modelos de tipo micro e macroeconômico. Na verdade, o Professor Shackle vai ainda mais longe e parece negar a possibilidade, numa configuração dinâmica, de qualquer coisa além de uma teoria de equilíbrio da tomada de decisão individual e isolada, tal como ele nos deu em Expectations in Economics.
  • A abordagem tem implicações de longo alcance para a metodologia da Economia e das ciências sociais em geral. Pois o professor Shackle argumenta que de fato a noção de Tempo como um “espaço”, um homogêneo continuum, como as ciências naturais o usam, não pode ser aplicado aos fenômenos da ação humana porque para o indivíduo agindo em um dado momento, o tempo não é homogêneo. Esta é, portanto, uma questão que diz respeito a todas as ciências sociais.

Neste artigo nos restringimos a uma discussão dos problemas listados em 2) e 3). Sem nenhuma significância atribuída a nossa desconsideração da questão 1). Simplesmente tomamos como evidente que o que o Professor Shackle diz sobre a estrutura lógica e pressuposições de sua própria obra está correto.

Mas toda obra importante, tal é o caso desta, volta-se para além de si mesma. São as implicações das visões do Professor Shackle sobre o progresso da ciência econômica que nos interessam primordialmente.

Este artigo, portanto, divide-se em duas partes. Na primeira, examinamos as visões do Professor Shackle sobre o caráter econômico do tempo. Na segunda, consideramos algumas implicações mais abrangentes para a metodologia das ciências econômica e social da inaplicabilidade de certos conceitos que as ciências naturais podem tomar e tomam como certos.

O ponto de partida natural para ambas é nossa crítica do autor acerca do conceito naturalístico de tempo aplicado aos fenômenos da ação humana.

“Na dinâmica clássica da física, o tempo é pura e simplesmente uma variável matemática. A essência desse esquema de pensamento é a completamente abstrata ideia de função, a ideia de alguma regra de funcionamento ou procedimento codificado que, aplicado a qualquer valor particular e específico ou conjunto de valores de uma ou mais variáveis independentes, gera um valor de uma variável dependente. Para a variável independente em uma construção mental desse tipo, tempo é um equívoco. O tempo como parecemos experienciar tem um caráter profundamente e radicalmente diferente do que aquele que uma mera abstração algébrica é capaz de apropriadamente representar pelo símbolo de uma grandeza escalar” (p.23). Como, então, experienciamos o tempo?

“Na experiência de indivíduos humanos cada um desses momentos é, num certo sentido, solitário. Para nós, existe um momento-sendo [moment-in-being], que é o locus de toda experiência de nossos sentidos, cada pensamento, sentimento, decisão e ação” (p.13).

“O momento-sendo ocorre, por assim dizer, ao longo do eixo do calendário, e então sempre nos transporta, quer queira ou não, para pontos de vista temporais recentes. Denomino isso de movimento dinâmico no tempo” (p.15).

A mente humana pode, é verdade, transcender o presente momento na imaginação e memória, mas o momento-sendo, todavia, permanece sempre auto-contido e solitário.

“Qualquer ponto do eixo do calendário dentro da maioria do suposto tempo de vida do indivíduo pode por expectativa ou memória ser trazido para as relações de cada estação sucessiva do momento-sendo. Mas cada relação, em outro sentido, subsiste inserida dentro do momento-sendo. Expectativas e memórias não fornecem um meio de comparar a atualidade do momento-sendo de uma de suas estações com aquela de outro local distinto no eixo do calendário, por estarem juntas, pois a natureza do “presente”, a essência do momento-sendo, é um isolamento autossuficiente inexpugnável” (p. 16).

Daí se segue que é impossível comparar ações humanas empreendidas em diferentes momentos do tempo. Pela impossibilidade de dois momentos estarem juntos “sendo”, “a atualidade de um nega e exclui a atualidade do outro, não há “terreno comum” no qual eles possam ser trazidos face a face. A tentativa de comparar os sentimentos atuais dos indivíduos em t0 com os sentimentos atuais em t2 é impossível para os momentos e não faz sentido” (pp. 18-19).

Em outras palavras, ao descrever os fenômenos da ação humana, o tempo não pode ser usado como uma coordenada porque nos falta um objeto identificável que “passa através do tempo”. Os homens com seus “sentimentos”, preferências, e o conteúdo de suas consciências mudam de forma imprevisível. O autor sustenta que isso implica a impossibilidade de qualquer dinâmica intertemporal ou interpessoal. Sua dinâmica “busca mostrar a estrutura interna de um único momento”, isso é “privado e subjetivo”. Isso é válido para um indivíduo num ponto do tempo. Ele está correto em, portanto, restringir o escopo da teoria dinâmica?

 

2.

Ele está certamente correto em questionar a utilidade da noção naturalística do tempo (como um continuum) para a análise econômica. As ciências naturais lidam com mudanças nas propriedades de objetos que são previsíveis porque eles são uniformemente ligados às mudanças em outras variáveis, e.g. a movimentação no espaço, o passar do tempo, ou forças emanando de outros objetos. Mas não há modo de contar em que modo as preferências de um dado indivíduo irá mudar ao longo do tempo, mesmo quando expostos a determinadas condições.

Mas se assumirmos a tese do Professor Shackle literalmente, não poderia haver testes quanto ao sucesso dos planos, nenhuma revisão dos planos, nenhuma comparação entre ex ante e  ex post. De fato, ação planejada não faria o menor sentido. Tampouco poderia haver um mercado no qual as “dinâmicas privadas e subjetivas” das trocas dos indivíduos se tornassem socialmente objetivadas na forma de preços de mercado e quantidades de bens trocados. A experiência comum nos conta que esses fenômenos de fato existem. O que, então, há de errado com a tese de nosso autor?

Parece-nos que, enquanto sua tese se aplica a fins humanos, dos quais somos incapazes de postular qualquer existência contínua no tempo, o mesmo não se aplica ao nosso conhecimento da adequação dos meios aos fins. Mas a ação econômica se interessa tanto pelos meios quanto pelos fins. A descontinuidade dos fins humanos, enfatizada pelo Professor Shackle, não implica na inexistência de toda e qualquer tipo de continuidade na ação humana.

Se nenhuma comparação intertemporal dos estados do conhecimento de um homem fosse possível, a maioria das examinações seriam sem propósito. Certamente na medicina e na ciência aplicada toda examinação envolve comparações intertemporais acerca do conhecimento da adequação dos meios aos fins. Podemos aprender e ocasionalmente aprendemos com a experiência. Seja lá o que for descontínuo em nós, a mente humana é contínua. Os atos mentais nos quais consiste nossa vida consciente, seguem-se cada um incessantemente. Bergson e Husserl mostraram que o conteúdo de nossa consciência é mais bem considerado como um fluxo contínuo de pensamento e experiência.

Sem dúvida o Professor Shackle não desejaria negar tudo isso. Seria irônico de fato se ele, que se firmou na defesa do livre arbítrio e da autonomia da mente humana no fim tivesse de negar a continuidade da mente. Mas nessa ocasião ele termina por chegar perigosamente perto de sustentar tal posição.

Em nossa visão ele está indo longe demais numa direção e não suficientemente longe em outra. Ele está indo longe demais acerca da descontinuidade, que é uma propriedade simplesmente de nossos fins, e incorretamente reivindica o status de uma categoria universal da ação humana.

Mas podemos ao menos imaginar um mundo no qual as preferências dos indivíduos não mudam por um tempo, e por longos períodos mudam com uma lentidão quase imperceptível. Pois em tal mundo uma teoria dinâmica seria possível até mesmo na exposição do Professor Shackle. A continuidade dos fins garantiria isso. Mas mesmo em tal mundo a tese geral do Professor Shackle sobre o poder criativo da mente e nossa inabilidade em prever seus atos manter-se-ia, porque os homens estariam interpretando experiência, adquirindo conhecimento, planejando e revisando planejamentos.

Somos capazes de imaginar um mundo no qual os gostos não mudam, mas somos incapazes de imaginar um no qual o conhecimento não se difunde de algumas mentes para outras. Mesmo a continuidade dos fins não implica uma invariância no padrão meios-fins; os homens ainda ansiariam por fazer melhor uso dos meios à sua disposição. Tempo e conhecimento estão atados. Os atos criativos da mente precisam não ser refletidos em preferências mutáveis, mas eles não podem deixar de ser refletidos em atos que apreendem a experiência e constituem objetos de conhecimento e planejamentos de ação. Todos os atos levam a marca da individualidade do agente.

A forte ênfase do Professor Shackle sobre a natureza subjetiva da ação econômica, portanto, merece todo apoio, mas nossa preferência e nossa interpretação do mundo ao redor de nós pertencem a diferentes camadas de experiência. Nosso autor falha em distinguir adequadamente entre o subjetivismo da utilidade e o subjetivismo da interpretação.[3]

Comparações intertemporais são, assim, possíveis exceto em casos em que mudanças fundamentais surgem em um sistema individual de preferências. Mas mesmo a possibilidade de tamanha comparação intertemporal não significa, é claro, que podemos prever o futuro. Enquanto podemos ser capazes de falar que um certo plano tem até agora sido bem-sucedido, nós nunca podemos dizer se será prosseguido. Novas formas de usar os recursos empregados, ou novos e melhores modos de alcançar o objetivo dos planos podem ser descobertos nesse intervalo de tempo, e pode tornar desaconselhável continuar com o plano original, por mais bem sucedido que tenha sido.

3.

O modelo do Professor Shackle é demonstrado no Expectations in Economics, e para o qual ele agora forneceu uma base metodológica, é um modelo de Robinson Crusoé. Trata-se do equilíbrio do indivíduo isolado e com os atos mentais pelos quais isso é alcançado. Isso não nos diz nada sobre processo de mercado, nada sobre trocas e transmissão de conhecimento. Mas devemos parar aqui? Não há elo entre a dinâmica solitária de Robinson Crusoé e uma teoria de mercado dinâmico?

O problema central de tal teoria pode ser afirmado brevemente. Ela se interessa pela distribuição e transmissão de conhecimento numa economia de mercado. Homens fazem uso dos recursos uns dos outros e satisfazem suas necessidades. Como, num mundo em mudança, eles adquirem o conhecimento exigido sobre esses recursos e necessidades em mudança? Não há resposta simples uma vez que o conhecimento de hoje pode ou não se tornar obsoleto amanhã. Mas a experiência comum sugere que o “acompanhamento” dessas mudanças é possível e exige uma contínua sequência dos tais atos de interpretação como mencionamos acima. Homens diferentes não são igualmente bons nisso.

Professor Shackle admite que além de seu tipo de dinâmica, a dinâmica privada e subjetiva do indivíduo isolado, podem ser outras, e.g., o público e a dinâmica objetiva dos construtores de modelos econométricos. “Entre esses dois tipos de dinâmica talvez possamos imaginar um terceiro tipo, no qual deveríamos supor um observador de fora sendo simultaneamente informado por todos os indivíduos que compõem todo o sistema econômico quanto ao conhecimento, pensamentos, desejos, expectativas e decisões que perfazem o conteúdo de cada mente individual em algum momento, um momento localizado no mesmo ponto do eixo do calendário para todos os indivíduos” (pp. 25-26).

No mercado, no entanto, temos uma agência externa que, além disso, não apenas registra as decisões, mas também informa os indivíduos que dela participam. Até que ponto um mercado concreto serve a essa função depende, é claro, de vários fatores, como sua extensão e grau de perfeição. Os mercados de serviços dos fatores de produção fornecem, via de regra, informações razoavelmente boas sobre os planos de produção.

Os mercados de produtos, por outro lado, fornecem-no apenas quando as vendas a prazo são possíveis. Um mercado intertemporal perfeito no qual todos os produtores vendem seus produtos antes de serem produzidos forneceria informações completas sobre todos os planos de produção. Mas é claro que, embora um mercado a termo perfeito possa fornecer informações e harmonizar os planos de produção entre si e com os planos dos consumidores, ele não pode prever o futuro. Aqui o professor Shackle está certo ao dizer de seu "observador externo", mas mesmo que ele pudesse fazer isso, ele não seria capaz, em nossa suposição de que cada indivíduo é um tomador de decisão no sentido real, de ir além disso. primeiro e imediato jogo de decisões e prever a evolução posterior do sistema. Pois ele não poderia prever quais seriam as próximas “decisões” (p. 26).

Assim, é possível uma teoria dinâmica de mercado que mostre como as expectativas e planos de vários indivíduos são consistentes uns com os outros. É possível transcender a dinâmica "privada e subjetiva" do indivíduo e alcançar a dinâmica "socialmente objetiva" do mercado, desde que nosso mercado seja um mercado progressivo. As dinâmicas interpessoal e intertemporal andam juntas. A teoria do equilíbrio do indivíduo isolado não é necessariamente a última palavra em dinâmica.

4.

Precisamos agora nos voltar às implicações mais amplas das ideias do professor Shackle para a metodologia da economia e das ciências sociais em geral. Nosso ponto de partida é, novamente, sua demonstração de que o conceito naturalista do Tempo como um continuum homogêneo não pode ser aplicado a um indivíduo fazendo seus planos. Também temos de considerar as implicações de sua tese de que na economia a previsão é impossível.

É claro que não há como duvidar do status da Economia como ciência. Como outros cientistas, os economistas tentam formular generalizações sistemáticas sobre fenômenos observáveis. Como outros cientistas, eles elaboram hipóteses que pretendem refletir certas características da realidade e que resistem ou não a esse teste.

Se por "método científico" queremos dizer nada mais do que isso, nenhum problema metodológico surge. Mas agora parece que devemos estar atentos contra a adoção acrítica de certos axiomas e noções auxiliares que podem ser úteis para cientistas naturais, mas menos para nós, como "tempo" como um continuum ou "sistema fechado" dentro do qual somente determinismo e predição são possíveis.[4]

Isso significa que a economia precisa de uma metodologia sui generis, pelo menos na medida em que tem de lidar com atos criativos da mente, com o estabelecimento de objetivos e a interpretação da experiência, que não têm contrapartida na natureza. É claro que não pode haver dúvida de estabelecermos aqui mesmo um esboço de tal metodologia. Mas algumas alusões podem ser descartadas e alguns pontos feitos

Sobre o tema da previsão, as conclusões do professor Shackle são bastante definidas e, a nosso ver, convincentes. "A previsão completa exigiria que o previsor conhecesse em detalhes completos no momento de fazer sua previsão, primeiro, todos os 'futuros' avanços do conhecimento e invenções e, em segundo lugar, todas as decisões 'futuras'. Saber antecipadamente o que uma invenção consistirá de é evidentemente fazer essa invenção com antecedência" (pp. 103-104)

"A previsibilidade da história futura do mundo implica previsibilidade de decisões, e isso é uma contradição em termos ou uma abolição do conceito de decisão, exceto em um sentido perfeitamente vazio” (p. 104). E um “'homem previsto' é menos que humano, prever  o homem é mais do que humano",

Mas qual uso, pode-se perguntar, tem a economia se economistas são incapazes de prever? A resposta, pensamos, é que as generalizações sistemáticas dos economistas nos permitem entender melhor certas categorias do passado e do presente. A principal função social dos economistas é fornecer ao historiador e ao estudante de eventos contemporâneos um arsenal de esquemas de interpretação. Além disso, há uma coisa como “previsão negativa”. Frequentemente é possível que o economista preveja que determinada política esteja fadada ao fracasso devido a suas contradições inerentes, e.g., uma política elaborada para aumentar o investimento no financiamento de déficit e ao mesmo tempo parar a inflação. Mas nesse caso sua previsão é baseada num argumento puramente lógico, não em qualquer conhecimento de circunstâncias específicas, presentes ou futuras. Essa possibilidade de se fazer previsões negativas é, portanto, bastante consistente com as conclusões do Professor Shackle.

Em nossa visão, os economistas deveriam admitir abertamente que são incapazes de fazer previsões positivas sobre o mundo. A esse respeito eles são inferiores aos cientistas naturais. Mas, por outro lado, em certos outros aspectos das ciências sociais eles são superiores, uma vez que podem, de modo que as ciências naturais não podem, dar uma justificativa inteligível do mundo com o qual eles estão lidando. Temos de nos lembrar que as ciências naturais, nos séculos de sua evolução, têm descartado um número de questões com as quais seus métodos não podem dar nenhuma resposta, e.g., questões que concernem a propósito e causa.

Por que homens têm duas pernas enquanto cães têm quatro, por que as velocidades da luz e do som são o que são, por que uma certa flor exala determinado aroma, são questões com as quais as ciência naturais modernas não se preocupam. Mas por que a economia moderna tem desenvolvido um certo tipo de sistema de dinheiro e crédito ou instituições do “Estado de Bem-Estar”, são questões relevantes e significativas, para as quais respostas podem ser dadas.

A essência do problema é que a ação humana é planejada, embora, é claro, somente alguns poucos planos possam ser bem-sucedidos. É sempre possível comparar o resultado com o plano, o ex post com o ex ante o resultado observável com a causa, originalmente puramente mental.

De fato, é impossível dar uma descrição inteligível da ação humana de outra forma. As ciências naturais podem ter tido boas razões para descartar o conceito de “causa” e para se ater à observável “uniformidade de sequência”. Não há razão pela qual as ciências sociais deveriam segui-las nisso. Causas sociais têm de ser encontradas nos atos criativos das mentes humanas. A economia explica que as razões pelas quais preços são pagos e quantidades de bens produzidos, elas têm de ser buscadas nas escolhas feitas pelos consumidores e nas decisões feitas pelos produtores. Tal gênese causal é uma preocupação legítima das ciências sociais que não tem contraparte na natureza. Isso garante o emprego de esquemas genético-causais de interpretação que fazem surgir problemas metodológicos sui generis.

Agora umas poucas palavras têm de ser ditas sobre a relação entre conhecimento e expectativas. A impossibilidade de previsão em economia segue do fato de que a mudança econômica está ligada à mudança no conhecimento, e o conhecimento futuro não pode ser obtido antes de seu tempo. O conhecimento é gerado pelos atos espontâneos da mente. Podemos perguntar que relação isso tem com a teoria das expectativas. Como as expectativas são formadas? Como a prognose está relacionada com a diagnose? Ao responder essas questões iremos nos permitir reafirmar brevemente o que dissemos em outra ocasião.[5]

Toda prognose que não seja mera suposição deve estar ligada à diagnose de uma situação existente. O homem de negócios que forma uma expectativa está fazendo exatamente o que um cientista faz quando formula uma hipótese que funciona. Tanto a expectativa empresarial quanto a hipótese científica servem ao mesmo propósito; ambos refletem uma tentativa de cognição e orientação em um mundo de conhecimento imperfeito, ambos incorporam conhecimento imperfeito a ser testado e aprimorado pela experiência posterior. A diferença entre eles consiste em que, ao contrário de muitos cientistas, o homem de negócios não pode repetir experimentos em condições que pode controlar. Os testes devem ser feitos em um mundo que não apenas muda, mas cuja mudança não é governada por nenhuma lei conhecida.

Embora isso não prive esses testes de todo o valor, significa que nos negócios, muito mais do que na ciência, depende-se muito da interpretação da experiência, i.e., de atos criativos da mente, e que o conhecimento produzido será imperfeito.

Por outro lado, cada expectativa não existe por si mesma, mas é o resultado cumulativo de uma série de expectativas anteriores que foram revisadas à luz da experiência posterior, e essas revisões passadas são a principal fonte de qualquer conhecimento presente que tenhamos. Nossa expectativa atual, a ser revisada mais tarde com o acúmulo de experiência, não é apenas a base de qualquer plano de ação que possamos contemplar, mas também uma fonte de conhecimento futuro mais perfeito. A formação de expectativas é, portanto, um processo contínuo, um elemento do processo mais amplo de transmissão de conhecimento, o processo pelo qual os homens adquirem conhecimento sobre as necessidades e recursos uns dos outros.

Segue-se que qualquer experiência se convém tornada conhecimento para nós apenas na medida em que se encaixa, ou deixa de se encaixar, em um quadro de conhecimento preexistente. Mas o quadro de conhecimento em termos do qual interpretamos uma nova experiência é sempre "privado e subjetivo". O conhecimento sempre pertence a uma mente individual. Quando falamos de transmissão de conhecimento, usamos isso como uma expressão metafórica para um processo de interação entre mentes. O conhecimento se espalha de mente para mente, não flutua de um indivíduo para outro como um pedaço de madeira em um riacho flutua de um lugar para outro. Sua aquisição requer participação ativa em um processo social. Seguindo um caminho diferente, chegamos à mesma conclusão do professor Shackle, a saber, que as expectativas e o conhecimento que elas refletem são sempre subjetivos. Mas isso não significa que o equilíbrio do indivíduo isolado seja necessariamente a última palavra em dinâmica.

Finalmente, podemos ver a dinâmica subjetivista do professor Shackle na perspectiva da história do pensamento econômico. Na história de nossa disciplina, tendências objetivistas e subjetivistas predominaram em vários períodos, mas o progresso mais notável da economia esteve ligado à ascendência do subjetivismo.

A escola clássica, fiel à sua origem no século XVIII, buscava os determinantes últimos da vida econômica em certas "forças naturais" como aquelas refletidas na lei malthusiana e na diminuição da fertilidade do solo, forças que se pensava moldar a distribuição de renda e estabelecer limites ao progresso econômico. Uma teoria “objetiva” do valor em termos de horas de trabalho (não qualificado) como medida coroava o edifício clássico.

Mas em meados do século passado, o subjetivismo ganhou força. Como foi gradualmente percebido que a engenhosidade humana pode superar os obstáculos apresentados pelas forças clássicas, a mente humana e suas manifestações, escolha e decisão, passaram a ocupar o centro do palco econômico. A "revolução subjetiva" da década de 1870 apresenta apenas um aspecto dessa mudança, mas a resume bem. Percebeu-se que o valor de um bem não reside em quaisquer propriedades mensuráveis que ele possa ter, mas constitui uma relação entre uma mente avaliadora e o bem.

A introdução de expectativas na economia neste século, a percepção de que o que os homens farão em uma determinada situação depende em grande parte de sua interpretação dela e da direção de sua imaginação, foi apenas mais um passo na mesma rota. O problema das expectativas, implícito na obra de Knight e Schumpeter, encontrou reconhecimento explícito por Keynes e pelos alunos de Wicksell na Suécia. O livro Expectations in Economics do Professor Shackle prontamente encontra seu lugar dentro dessa tradição. O Time in Economics, a nosso ver, é uma afirmação mais explícita dos pressupostos metodológicos dessa abordagem.

Um problema permanece em aberto. Poderiam as expectativas ser introduzidas em uma teoria dinâmica geral? Os sistemas de equilíbrio estático de Walras e Pareto, a maior conquista da economia neoclássica, contêm elementos subjetivos e objetivos, gostos e quantidades de recursos. Isso é possível devido ao caráter atemporal desses sistemas. Depois que os indivíduos revelam suas preferências, elas se tornam "dados" como todos os outros.

Indivíduos são livres para escolher, mas uma vez tendo escolhido eles não são livres para mudar de ideia: literalmente “não há tempo” para isso.

Mas as expectativas não podem ser tratadas dessa maneira se quisermos torná-las elementos de um sistema dinâmico. Assim que permitimos que o tempo passe, devemos permitir que o conhecimento mude, e o conhecimento não pode ser considerado como uma função de qualquer outra coisa. Não é a natureza subjetiva das expectativas, tampouco das preferências individuais, que as torna elementos tão inadequados às teorias dinâmicas, é o fato de que o tempo não pode passar sem modificar o conhecimento que parece destruir a possibilidade de tratar as expectativas como dados de um sistema de equilíbrio dinâmico.

Essa conclusão não afeta a possibilidade de uma teoria do mercado progressivo em que os indivíduos revelam suas expectativas ao se envolver em transações progressivas, da mesma forma que os indivíduos revelam suas preferências por meio de compras e vendas em um mercado comum.

Notas

[1] G. L. S. Shackle, Time in Economics (Amsterdam: North Holland Publishing Co., 1958).

[2] Em Economia Internazionale, vol. VII, no. 4.

[3] Ver L. M. Lachmann, "The Role of Expectations in Economics as a Social Science," Economica 10 (Fevereiro, 1943): 15.

[4] Claro, o que é um conceito útil sempre depende do problema concreto com o qual temos de lidar. Sempre que temos que descrever uma sucessão de eventos em ordem cronológica, seja na sociedade ou na natureza, o tempo como um continuum é uma noção indispensável. Não podemos deixar de admirar o sistema walrasiano, embora possamos lembrar das dificuldades que Walras teve ao tentar mostrar como o equilíbrio é alcançado nos processos reais de mercado.

[5] Cf. L. M. Lachmann, Capital and Its Structure (London: London School of Economics, 1956), pp. 23-34.

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