"Realismo e abstração na economia: Aristóteles e Mises versus Friedman", por Roderick Long

"Realismo e abstração na economia: Aristóteles e Mises versus Friedman", por Roderick Long

Texto introdutório:
Este texto critica a visão de Milton Friedman e neoclássica sobre o uso de modelos econômicos idealizados, que são frequentemente criticados por economistas austríacos por sua falta de realismo. Friedman defende que essas abstrações são necessárias e úteis, pois permitem previsões válidas ao simplificar as complexidades do mundo real. No entanto, os austríacos argumentam que tais abstrações omitem características cruciais do funcionamento dos mercados, como a concorrência real e a informação imperfeita. A diferença entre as abordagens está na forma como cada escola de pensamento define o que significa "explicar" um fenômeno econômico. Friedman vê a explicação como a capacidade de prever fenômenos, enquanto os austríacos a entendem como uma compreensão mais profunda das ações humanas e dos planos envolvidos. O texto propõe uma crítica ao argumento de Friedman com base na compreensão aristotélica da abstração, sugerindo que essa perspectiva pode refutar a defesa de Friedman e justificar o uso legítimo de modelos irrealistas pelos austríacos.

 

Roderick T. Long [1][2]

Traduzido por Gabriel Gavenas e revisado por G. Rangel.

Os austríacos muitas vezes criticaram a economia neoclássica pelo caráter irrealista das suas suposições. Os modelos neoclássicos são tipicamente “idealizados”; isto é, omitem características da economia do mundo real, tais como concorrência, informação imperfeita, incentivos não-monetários e a passagem do tempo. Em seu artigo enormemente influente de 1953 “The Methodology of Positive Economics” (Friedman 1953, pgs. 3–43) – trabalho o qual foi uma vez descrito por Friederich Hayek como sendo “tão perigoso” quanto a Teoria Geral de Keynes (1994, pg. 145) – Milton Friedman defendeu o uso de modelos irrealistas contra as críticas de estilo austríaco, alegando que qualquer boa teoria explicativa deve ser abstrata e que as abstrações, pela sua própria natureza, são irrealistas. Friedman escreveu:

Uma hipótese é importante se “explica” muito com pouco, isto é, se abstrai os elementos cruciais e comuns da massa de circunstâncias complexas e detalhadas entorno dos fenômenos a serem explicados e permite previsões válidas com base nelas somente. Para ser importante, portanto, uma hipótese deve ser descritivamente falsa nas suas suposições; não leva em conta das muitas outras circunstâncias concomitantes, uma vez que seu próprio sucesso mostra que são irrelevantes para os fenômenos a serem explicados. [...] Descobrir-se-á que as hipóteses verdadeiramente importantes e significativas têm suposições que são representações descritivas vastamente imprecisas e, em geral, quanto mais significativa é a teoria, mais irrealistas são as suposições. (Friedman 1953, pgs. 14–15)

Uma óbvia resposta austríaca ao argumento de Friedman é que as características omitidas pelos modelos neoclássicos são as próprias características cruciais para a compreensão de como o mercado funciona, e então não podem ser “irrelevantes para os fenômenos a serem explicados.” Na teoria austríaca, por exemplo, o processo através do qual os juízos empresariais corretos são recompensados e os incorretos penalizados é central para a explicação de como os mercados servem as preferências do consumidor; no entanto nenhum modelo que postula informação perfeita poderia levar em conta esse processo.

Tal resposta teria pouco peso para Friedman, contudo, porque ele simplesmente não quer dizer com “explicar” o mesmo que os austríacos. Como um empirista, Friedman toma uma teoria para explicar o fenômeno se essa nos possibilita prever a ocorrência do fenômeno; enquanto para os austríacos, explicar os fenômenos econômicos é, como na frase de Ludwig Lachmann, “fazer do mundo à nossa volta inteligível em termos de ação humana e perseguição de planos” (Lachmann 1977, pgs. 261–62). Como mostra o filósofo Peter Winch, estas duas concepções de explicação são radicalmente diferentes:

A questão importante para nós é: em que circunstâncias se pode dizer que se compreendeu esse tipo de comportamento? [...] Weber muitas vezes fala como se o teste final fosse a nossa capacidade de formular leis estatísticas que nos permitiriam prever com precisão razoável o que as pessoas estariam propensas a fazer em determinadas circunstâncias. [...] [Mas] nós podemos muito bem ser capazes de fazer previsões de grande precisão dessa forma e ainda assim não sermos capazes de alegar qualquer compreensão real do que aquelas pessoas estavam fazendo. A diferença é precisamente análoga àquela entre ser capaz de formular leis estatísticas sobre as ocorrências prováveis de palavras em uma língua e ser capaz de compreender o que está sendo dito por alguém que fala a língua. [...] Um homem que entende chinês não é um homem que tem um domínio firme das probabilidades estatísticas da ocorrência de várias palavras na língua chinesa. (Winch 1990, pg. 115)

Além disso, a posição friedmaniana seria abalada mesmo se o poder preditivo fosse o ponto central da economia. Suponha que se provasse que suposições extremamente falsas têm algum valor preditivo. De um ponto de vista misesiano, quando encontramos uma regularidade empírica, continuamos necessitando de uma teoria correta para determinar se essa regularidade se mantém numa gama de circunstâncias ampla ou restrita. Por exemplo, digamos que no começo de 2001 eu formulo uma teoria para o efeito de que há uma Força Tolkieniana Constante no universo que produz um filme de Tolkien todo ano. Quando os austríacos se queixam de que minha teoria ignora o fato de que filmes são produtos da ação humana e não de constantes forças impessoais, eu respondo: “Ah, eu sei disso. Minha teoria não pressupõe ser realista. A questão é se isto é um bom preditor.” Então eu a testo em 2001, 2002 e 2003. Pasmem!, minha teoria funciona em cada ano. (2001 traz A Sociedade do Anel, 2002 As Duas Torres e 2003 O Retorno do Rei.) Mas a não ser que eu dê atenção à verdadeira explicação dessa sequência de lançamentos, serei pego de surpresa quando a regularidade falhar em 2004.

Porém embora tudo isso seja verdadeiro o bastante de uma perspectiva austríaca, minha preocupação aqui não é com os méritos gerais dos austríacos contra as abordagens positivistas para a metodologia econômica, matéria que explorei em detalhe em outro lugar[3]. Ao invés disso, argumentarei que antes mesmo de podermos considerar a questão de quais características da economia pertencem a nossas teorias explicativas e sobre quais fundamentos, nós precisamos rejeitar por completo toda a concepção de abstração com a qual Friedman trabalha. Invocar uma compreensão rival da abstração – a aristotélica – nos possibilitará refutar o argumento de Friedman e justificar a posição austríaca sobre os modelos irrealistas.

Aqui está um breve itinerário do restante do artigo. Primeiramente, eu irei mostrar como a abstração é compreendida na tradição aristotélica. Em segundo lugar, irei usar a compreensão aristotélica de abstração para demonstrar como o argumento de Friedman é confuso. Em terceiro lugar, irei mostrar que esta crítica aristotélica de Friedman já está implícita no trabalho de Ludwig von Mises. Em quarto lugar, irei mostrar que há um uso austríaco legítimo dos modelos irrealistas, mas não é o uso que Friedman tem em mente. Por fim, mostrarei como a crítica austro-aristotélica de Friedman ilumina a disputa entre Friedman e os austríacos no tocante ao apriorismo metodológico.

 

ARISTÓTELES E ABSTRAÇÃO

A teoria da abstração de Aristóteles pode ser vista como uma resposta à seguinte preocupação. Facilmente pode parecer que conceitos abstratos não se aplicam estritamente à realidade. Se supõe que o conceito de cavalo, por exemplo, se aplique para todos os cavalos, qualquer que seja a cor. Mas obviamente não poderia ser assim se tivesse como seu conteúdo um cavalo de uma cor definida qualquer; se fosse o conceito de um cavalo marrom, por exemplo, não se aplicaria a um cavalo negro. A fim de se aplicar a todos os cavalos, o conceito “cavalo” deve ter como seu conteúdo, então, um cavalo sem uma cor determinada. Porém nesse caso o conceito ainda não se aplica estritamente a nenhum cavalo, pois todo cavalo real tem alguma cor determinada. Ou o conceito de cavalo de alguma forma falsifica a realidade, ou então – como defendeu Platão, o mestre de Aristóteles – seu referente real não é nenhum cavalo físico, mas a Forma transcendente e imaterial do Cavalo, cuja de fato não tem uma cor determinada e da qual nossos cavalos físicos são meramente reflexões inadequadas. Por conseguinte, abstrações ou têm referentes sobrenaturais e misteriosos, ou não tem referente algum; em ambos os casos, não podem se referir aos objetos familiares da experiência ordinária.

A solução de Aristóteles para esse enigma consiste em reconceber a abstração como uma questão de atentar a certos aspectos de uma coisa e ignorar outros. Ao pensar o conceito “cavalo”, por exemplo, nós focamos em um cavalo comum – quer se trate de um cavalo real diante de nós, quer um cavalo imaginado em nossas mentes – e logo nos atentamos às características que compartilha com outros cavalos, enquanto ignoramos suas características distintas, tais como sua cor particular.

Ao fazer diagramas [geométricos], [...] embora não façamos uso do fato de que o triângulo é determinado em quantidade, nós o desenhamos como determinado em quantidade, apesar disso. Do mesmo modo, também aquele que pensa, mesmo se o que pensa não é quantitativo, põe diante dos seus olhos algo quantitativo, ainda que não pense nisso como quantitativo. E se o que ele pensa é de uma natureza quantitativa, mas indeterminada, ele põe algo determinadamente quantitativo, mas pensa nisso meramente como quantitativo. (On Memory 450a1-7)[4] [5]

Assim, Aristóteles discorda da visão de Platão de que a física e a geometria estudam diferentes tipos de objetos, físicos e não-físicos, respectivamente. Para Aristóteles, a geometria estuda objetos físicos tal qual a física, mas os estuda de uma forma não-física; as duas ciências lidam com os mesmos objetos espacialmente extensos, porém a geometria atende aos seus formatos e posições, os abstraindo da sua materialização física:

Devemos examinar em quê o matemático se diferencia do estudioso da natureza (pois também os corpos naturais têm superfícies e sólidos, bem como comprimentos e pontos, a respeito dos quais o matemático faz seu estudo). [...] Ora, também o matemático se ocupa desses itens, mas não enquanto cada um é limite de corpo natural. [...] Por isso, o matemático os separa: pelo pensamento, tais itens são separáveis do movimento, e isso não faz nenhuma diferença, tampouco surge algo falso quando eles os separam. (Física 193b22-36)[6]

De fato, dado que existem muitos raciocínios referidos a coisas sensíveis consideradas apenas em movimento, prescindindo da essência e dos acidentes de cada uma delas; e dado não ser necessário, por isso, que exista algo móvel separado das coisas sensíveis, ou que o movimento seja, nestas, uma realidade distinta do resto; então, do mesmo modo poderão existir raciocínios e ciências relativas a corpos em movimento, mas considerados não em movimento, mas somente como corpos, e depois também só como superfícies, e, em seguida, só como comprimento, só como divisíveis, só como indivisíveis e tendo uma posição, e enfim, só como indivisíveis. [...] O homem enquanto homem, por exemplo, é uno e indivisível; ora, o aritmético o considera justamente como uno e indivisível, e depois indaga se existem propriedades que convém ao homem enquanto indivisível. Ao contrário, o geômetra não considera o homem nem como homem nem como indivisível, mas o considera como sólido geométrico. De fato, as propriedades que se poderiam atribuir ao homem se ele não fosse indivisível, evidentemente se lhe podem também atribuir prescindindo da indivisibilidade e da humanidade. Por isso, os geômetras raciocinam corretamente: seus discursos referem-se a coisas que são e são reais. (Metafísica 1077b23-1078a19)[7]

A concepção aristotélica de abstração foi revivida pelos escolásticos medievais. Pedro Abelardo (1079-1142), por exemplo, buscou “explicar a razão porque os pensamentos obtidos não são errados [...] mesmo que concebam as coisas diferentes do que são”. John Marenbon resume a solução de Abelardo:

Quando eu considero um homem como substância ou apenas como um corpo, explica ele, não estou concebendo nada em sua natureza que não já esteja lá, mas também não estou me atentando a tudo o que ele tem. Meu pensamento seria errôneo se eu considerasse sua natureza somente como substância ou somente como corpo. No entanto, nada há de errôneo em considerá-lo somente como substância ou como corpo; o “somente” deve se aplicar à consideração, não à maneira em que o homem existe. (Marenbon 1997, pgs. 166-7)

Essencialmente a mesma posição foi sustentada por S. Tomás de Aquino (1224/5-1274), que escreveu:

Deve-se dizer que há dois modos de abstração. O primeiro, por composição e divisão: quando conhecemos que uma coisa não está em outra, ou que está separada dela. O segundo, por uma consideração simples e absoluta: quando conhecemos um objeto, nada considerando de um outro. Se o intelecto abstrai segundo o primeiro modo, separando coisas que na realidade não são separadas, isso implica um erro. Mas se procede segundo o segundo modo, isto não é falso, como vemos claramente nas coisas sensíveis. [...] Por conseguinte, quando se diz que o intelecto está em erro quando conhece uma coisa diferentemente do que é, diz-se uma verdade se o termo se refere à coisa conhecida. Está em erro, com efeito, o intelecto quando conhece uma coisa diferentemente do que é. Exemplo: abstrair a espécie da pedra da matéria, de sorte que a conhecesse não existindo a matéria, à maneira de Platão. Mas não se diz a verdade se o termo diferentemente se refere àquele que conhece.[8]

Aqui, Aquino distingue dois diferentes modos dos quais podemos discernir, digamos, um cavalo de sua cor. Podemos considerar que o cavalo como não tendo uma cor determinada, ou então podemos considerar que o cavalo como sem ter uma cor determinada. Considerar que o cavalo como não tendo uma cor determinada é como ter, ou tentar ter, como objeto de nosso pensamento um cavalo que simplesmente não tem uma cor determinada – uma criatura nunca vista na realidade física, que vive ou no paraíso platônico, ou em lugar nenhum. Esse tipo de abstração falsifica e contradiz as bases na qual é fundada. Mas considerar que o cavalo como sem ter uma cor determinada é simplesmente considerar o cavalo como um cavalo sem levar em conta sua cor de uma forma ou outra; e a aqui não há falsidade envolvida.

Esses dois tipos de abstração são muitas vezes referidos como precisa e não-precisa. Como explica Armand Maurer:

Precisão é uma forma de abstração pela qual cortamos ou excluímos alguma coisa de uma noção. A abstração é a consideração de alguma coisa sem nem incluir nem excluir da sua noção as características juntas a esta na realidade. A abstração sem precisão não exclui nada daquilo que abstrai, mas inclui a coisa toda, embora de forma implícita e indeterminada. (Note to Aquinas 1968, pg. 39n)

Em suma, uma abstração precisa é aquela em que certas características reais são especificadas como ausentes, enquanto uma abstração não-precisa é aquela em que certas características reais estão isentas de especificação[9]. Platão falhou em perceber como conceitos abstratos poderiam se aplicar estritamente à realidade física porque falhou em perceber que a abstração poderia ser não-precisa. Pode se dizer que confundiu uma forma indeterminada de pensar sobre algo com uma forma de pensar sobre algo indeterminado.

É propriamente assim que o austro-aristotélico Franz Brentano (1838-1917) descreve o contraste entre Platão e Aristóteles:

Platão pensava que nós reconhecemos a carne e o ser de carne pela apreensão de duas coisas distintas. [...] Aristóteles ensina o exato oposto disso. [...] Pois, obviamente, a asserção de que alguém que queira saber algo e, em vez disso, apreende outra coisa com o seu intelecto e alcança ainda assim o conhecimento que deseja seria ridícula. Por exemplo, um cientista deseja vir a conhecer os cristais, as plantas e os outros corpos que encontra sobre a Terra; logo, se ele apreendesse os conceitos de tetraedros e octaedros, e de árvores e gramas pertencentes a outro mundo, ele não alcançaria seu objetivo de maneira alguma. (Brentano 1977, pgs. 86-8)

Brentano então endossa a solução aristotélica:

Tudo o que é é totalmente determinado. [...] Mas uma coisa completamente determinada pode ainda ser pensada sem sua determinação completa. [...] Portanto, é um erro afirmar que existem universais em um sentido estrito. Mas também é um erro negar que algo real possa corresponder a uma ideia universal [...] porque uma multiplicidade de coisas pode corresponder a elas. [...] Quando pensamos no objeto como uma pedra e quando pensamos nele como esta pedra em particular, temos o mesmo objeto de pensamento em ambos os casos; mas o que estamos pensando dele difere nos dois casos. (Brentano 1981, pg. 25–26, 39)

Em anos recentes, essa abordagem aristotélica foi revivida por Ayn Rand. Sobre a questão dos universais, Abelardo era nominalista, Tomás de Aquino era realista, enquanto Rand tentou transcender a dicotomia nominalista/realista como um todo; no entanto, todos os três pensadores estão inseridos na tradição aristotélica e todos recorreram à abstração não-precisa para explicar como os conceitos se aplicam à realidade. Rand não utiliza a terminologia escolástica, mas sua abordagem segue a de seus predecessores aristotélicos. (Não está claro até que ponto Rand estava se baseando especificamente na tradição aristotélica, em vez de ser conduzida por sua abordagem geral aristotélica para desenvolver a mesma solução de forma independente; a mesma pergunta, aliás, se aplica também a Abelardo, que tinha acesso apenas a uma fração do corpus aristotélico.)

Em Introduction to Objectivist Epistemology, Rand escreve:

Se uma criança examina um fósforo, um lápis e um graveto, ela observa que o atributo que eles têm em comum é o comprimento, mas seus comprimentos específicos diferem. [...] Para formar o conceito "comprimento", a mente da criança retém o atributo e omite suas medidas específicas. Ou, mais precisamente, se o processo fosse identificado em palavras, consistiria no seguinte: "O comprimento deve existir em alguma quantidade, mas pode existir em qualquer quantidade. Identificarei como 'comprimento' aquele atributo de qualquer existente que o possui e que pode ser relacionado quantitativamente a uma unidade de comprimento, sem especificar a quantidade.” [...] Tenha em mente firmemente que o termo 'medidas omitidas' não significa, neste contexto, que as medidas são consideradas inexistentes; significa que as medidas existem, mas não são especificadas. (Rand 1990, pgs. 11-2)

Considerar as medidas como inexistentes seria abstrair de forma precisa; considerar as medidas como existentes sem especificá-las é, ao contrário, abstrair de forma não-precisa. Se toda abstração fosse precisa, então "cada avanço do conhecimento" seria "um retrocesso, uma demonstração da ignorância humana". Uma vez que "os selvagens sabiam que o homem possui uma cabeça, um torso, duas pernas e dois braços", segue-se que se a ausência de especificação significasse especificação de ausência, então "quando os cientistas do Renascimento começaram a dissecar cadáveres e descobriram a natureza dos órgãos internos do homem", teríamos que dizer que suas descobertas "invalidaram o conceito 'homem' dos selvagens", e da mesma forma que "quando os cientistas modernos descobriram que o homem possui glândulas internas, eles invalidaram o conceito 'homem' do Renascimento" (pgs. 67-8). Em uma compreensão adequada da abstração, no entanto, desde que o que quer que não se inclua em seus conceitos seja apenas não especificado, em vez de especificado como ausente, então "mesmo que o escopo de [seu] conhecimento seja modesto e o conteúdo de seus conceitos seja primitivo, não contradirá o conteúdo dos mesmos conceitos na mente dos cientistas mais avançados" (pg. 43). Assim como Abelardo, Aquino e Brentano antes dela, Rand emprega o conceito de abstração não-precisa para responder à acusação de que a abstração falsifica a realidade

O princípio básico da formação de conceitos (que afirma que as medidas omitidas devem existir em alguma quantidade, mas podem existir em qualquer quantidade) é equivalente ao princípio básico da álgebra, que afirma que aos símbolos algébricos deve ser atribuído algum valor numérico, mas pode ser atribuído qualquer valor. [...] Na equação 2a = a + a, qualquer número pode ser substituído pelo símbolo "a" sem afetar a veracidade da equação. [...] Que aqueles que tentam invalidar conceitos declarando que não podem encontrar "humanidade" em seres humanos tentem invalidar a álgebra declarando que não podem encontrar "a-idade" em 5 ou em 5.000.000. (pg. 18)

 

ARISTÓTELES VERSUS FRIEDMAN

Com a distinção entre abstração precisa e não-precisa em mãos, agora podemos nos voltar à defesa dos modelos irrealistas de Friedman e identificar seus defeitos. Friedman, como vimos, pensa que uma teoria válida “deve ser descritivamente falsa nas suas suposições”, já que “não leva em conta das muitas outras circunstâncias concomitantes”, mas em vez disso “abstrai os elementos cruciais e comuns da massa de circunstâncias complexas e detalhadas”. É claro que Friedman está completamente certo sobre uma teoria econômica precisar deixar de lado uma massa de detalhes complexos; mas desde que os deixe de lado por dificuldade de especificá-los, em vez de especificar sua ausência, não-precisa ser descritivamente falsa. Um modelo de competição perfeita, por exemplo, não falha meramente em especificar a existência do erro empresarial; se o fizesse, falharia muito ao explicar o funcionamento do mercado, mas ao menos não diria nada falso. Ao invés disso, ao postular que todos os atores econômicos possuem informação completa (e completamente similar), especifica explicitamente a ausência do erro empresarial – e é a esta falsificação que os austríacos objetam. George Reisman (1968) foi exatamente preciso quando caracterizou o modelo de competição perfeita como “Competição Platônica”. Friedman está cometendo precisamente o erro platônico de tratar toda a abstração como uma forma de idealização.

Mais uma evidência de que Friedman confundiu abstração precisa e não-precisa é aparente na passagem seguinte:

Uma teoria, ou suas “suposições”, não pode ser minuciosamente “realista” no sentido descritivo imediato ao qual tantas vezes é atribuído esse termo. Uma teoria completamente “realista” do mercado de trigo não teria de incluir apenas as condições que baseiam diretamente a oferta e demanda por trigo, mas também o tipo das moedas e instrumentos de crédito usados nas trocas; as características pessoais dos comerciantes de trigo, bem como a cor do cabelo e dos olhos dos comerciantes, seus antecedentes e sua educação, o número de membros da sua família, as características deles, seus antecedentes, sua educação, etc.; o tipo de solo sobre o qual o trigo cresceu, suas características físicas e químicas, o clima corrente durante a temporada de cultivo; as características pessoais dos fazendeiros que cultivaram o trigo e dos consumidores que ulteriormente irão utilizá-lo; e assim por diante, indefinidamente [...] Nenhum crítico de uma teoria aceitaria esse extremo lógico como seu objetivo; ele diria que as “suposições” da teoria criticada eram irrealistas “demais” e que seu objetivo era um conjunto de suposições “mais” realistas, embora não tão completas. (Friedman 1953, pg. 32)

O erro de Friedman reside em tomar uma teoria que incorpora a ancestralidade, a cor dos olhos e todo o resto como o “extremo lógico” do realismo. Mas o realismo não exige que todas essas características estranhas sejam especificadas; apenas exige que a sua inexistência também não seja especificada. Aqueles que criticam os modelos neoclássicos por sua falta de realismo não buscam uma abstração precisa que os aproxime mais estritamente da realidade; em vez disso, buscam uma abstração que não é precisa de modo algum. A pergunta correta a se fazer não é “Quão precisamente nossas teorias devem se aproximar da realidade a fim de produzir previsões úteis?” mas sim “Quanta especificidade nossas teorias devem incorporar a fim de produzir explicações úteis?” É um erro falar de graus de realismo, como algumas vezes os próprios austríacos fazem[10]. Todas as abstrações não-precisas são igualmente realistas: “Cujo é um São Bernardo” não é mais realista que “Cujo é um cão” (embora seja mais preciso, assim como a medida de 2,00 é mais precisa que 2,0 – não mais correta, mas mais correta em casas decimais). Como o filósofo francês Charles Comte (1782-1837) – um seguidor do economista subjetivista Jean-Baptiste Say, e, portanto, um proto-austríaco em certos aspectos – aponta:

Não se deve confundir uma análise incompleta com uma análise falsa ou infiel. A primeira indica somente parte das características do objeto descrito; mas tudo o que descreve está correto e se abstêm de afirmar que não há outras características além daquelas delimitadas. A última descreve as coisas de maneira diferente do que são, ou apresenta como completas descrições que não são. (Comte 1826. Vol. 1, pgs. 79-80)[11]

Friedman tenta defender o uso de suposições irrealistas (isto é, falsas) na economia apontando para uso legítimo dessas suposições na geometria e na física. Por exemplo, no que concerne à geometria, Friedman escreve:

A geometria euclidiana é um modelo abstrato, consistente e logicamente completo. Suas entidades são definidas precisamente – uma linha não é uma figura geométrica “muito” mais longa do que larga e profunda; é uma figura cuja largura e profundidade são zero. Isto é obviamente “irrealista”. Na “realidade”, não existem coisas como os pontos, linhas e superfícies euclidianas. (Friedman 1953, pg. 25)

Já vimos como um aristotélico lidará com esse exemplo: o conceito linha pode ser aplicado à realidade, não porque a realidade contém objetos com comprimento, mas sem largura ou profundidade, mas porque a realidade contém objetos cujo comprimento pode ser considerado em abstração não-precisa das suas larguras e profundidades. Da mesma forma, o conceito ponto pode ser aplicado à realidade, não porque a realidade contém objetos com localização mas sem magnitude (os físicos quânticos podem muito bem decidir que sim, mas o realismo da geometria não depende disso), mas porque a realidade contém objetos cuja localização pode ser considerada em abstração não-precisa da suas magnitudes; e assim por diante. Então, como percebeu Aristóteles, “os geômetras raciocinam corretamente: seus discursos referem-se a coisas que são e são reais.” – embora errado ao considerá-los formas platônicas em vez de objetos físicos comuns.

Quanto à física, Friedman segue a prática generalizada de tratar as leis físicas como aplicáveis apenas a condições idealizadas. Ele escreve, por exemplo:

É uma hipótese aceita que a aceleração de um corpo solto em um vácuo é uma constante — g, ou aproximadamente 32 pés por segundo ao quadrado na Terra. [...] [E]m uma ampla gama de circunstâncias, corpos que caem na atmosfera real se comportam como se estivessem caindo em um vácuo. [...] A fórmula é aceita porque funciona, não porque vivemos em um vácuo aproximado — seja lá o que isso signifique. (pgs. 16-18)

Ora, é certo que os corpos em queda não se movem realmente em uma linha reta precisamente para baixo a uma taxa precisamente igual a g, porque a gravidade da Terra nunca é a única força atuando sobre um corpo em queda. Portanto, se interpretássemos a lei da gravidade como se afirmasse que os corpos realmente se movem dessa maneira, teríamos que concluir que a lei da gravidade não é estritamente correta, ou que se aplica apenas a um mundo idealizado e não ao real. No entanto, a lei da gravidade é certamente útil para prever os movimentos reais de corpos reais, e assim o uso de suposições "irrealistas" seria justificado, pelo menos na física.

Aqui, mais uma vez, Friedman confundiu a abstração precisa com a não-precisa. Como Guido Hülsmann apontou, as leis econômicas, conforme compreendidas pelos austríacos, não são relações entre eventos anteriores e posteriores, mas sim entre eventos reais e contrafactuais:

A economia austríaca é baseada na percepção de que o comportamento humano e os pensamentos humanos são apenas uma parte da ação humana, ou seja, a parte que é realizada (que está "presente"). Outras partes da ação humana não são — ou ainda não são — realizadas. Estas são, em particular, (a) os propósitos pelos quais os humanos agem e (b) as alternativas abandonadas que poderiam ter sido escolhidas. Obviamente, propósitos e alternativas abandonadas não fazem parte do mundo no sentido de que são realizados. No entanto, não se pode negar que eles têm algum tipo de existência, e esse fato inegável coloca os economistas austríacos em uma posição para explicar a manifestação realizada da ação humana (comportamento e pensamentos) como um corolário da parte não realizada. Por outro lado, os economistas neoclássicos buscam explicar fenômenos observáveis [...] em termos de outros fenômenos observáveis. (Hülsmann 1999, ppg. 4–6)

Não há garantia, por exemplo, de que uma lei de salário mínimo causará desemprego no sentido de aumentar o desemprego em relação ao que era antes da lei; pois o nível de desemprego é influenciado por muitos fatores diferentes, alguns compensatórios. O que a lei econômica garante é que o nível de desemprego será maior sob uma lei de salário mínimo do que teria sido sem a lei. (Esta é precisamente a distinção, conhecida pelos austríacos a partir dos escritos de Frédéric Bastiat e Henry Hazlitt, entre "o que se vê e o que não se vê”. Portanto, a teoria de que as leis de salário mínimo causam desemprego não é uma abstração precisa, aplicável apenas a um caso idealizado no qual as leis de salário mínimo são o único fator influenciando o desemprego; ao contrário, é uma abstração não-precisa, aplicável a todas as situações envolvendo leis de salário mínimo, independentemente de quais outros fatores estejam em operação. Como observa Hülsmann:

Porque uma lei contrafactual relaciona um fato observável a uma alternativa contrafactual, é irrelevante quais outros fatos existem além daquele em consideração, como esses outros fatos são modificados ao longo do tempo e como influenciam o curso dos eventos. (Hülsmann 2003, pg. 74)

O que desejo destacar é que o que Hülsmann afirma aqui sobre as leis econômicas é igualmente aplicável às leis físicas: a lei da gravidade também não é uma abstração precisa aplicável apenas ao movimento em um vácuo, mas sim uma abstração não-precisa que omite referência a outras forças sem considerá-las como inexistentes. A trajetória de um objeto em queda é o resultado de todas as forças que atuam sobre ele; se durante um determinado período um objeto cairia cinco pés se a gravidade fosse a única força atuando sobre ele, então, quaisquer que sejam as outras forças agindo sobre o objeto, ainda podemos prever que o objeto acabará cinco pés mais abaixo do que teria caído se a gravidade não estivesse agindo sobre ele. (Veja a ressalva no rodapé.)[12]

 Assim, a lei da gravidade descreve corretamente o movimento do objeto, não apenas quando as outras forças são relativamente negligenciáveis, mas também quando são bastante fortes — tão fortes quanto, ou até mesmo muito mais fortes do que a força da gravidade. Portanto, estou inclinado a discordar da sugestão de Rothbard de que "falsas suposições, como a ausência de atrito,", embora inadequadas na economia, são "bom senso [e] úteis na física" [13](Rothbard 1997, pg. 102). Sugestões recentes, de eminentes filósofos da ciência, de que "as leis da física mentem" (Cartwright 1983), estão cometendo o mesmo erro sobre a física que Friedman comete sobre a economia.

 

FICÇÃO E ATRITO

 Vimos que a defesa de Friedman do uso de suposições irreais na economia se baseia na distinção aristotélica entre abstração precisa e não-precisa. Agora, vou mostrar como essa forma aristotélica de refutar Friedman está implicitamente presente na crítica de Mises aos seus próprios predecessores.

Mises reclama frequentemente que os economistas clássicos consideravam as leis econômicas como preocupadas apenas com certos tipos de motivos, e, portanto, capazes de fornecer previsões verdadeiras apenas nos casos em que esses motivos estivessem operando isoladamente:

Quando distinguiam os motivos puramente econômicos de outros motivos, os economistas clássicos se referiam apenas ao lado aquisitivo do comportamento humano. [...] A economia moderna rejeita como inteiramente falacioso [...] o argumento apresentado para a justificação dos métodos dos clássicos por seus últimos seguidores, especialmente John Stuart Mill. De acordo com esta justificativa frágil, a economia pura trata apenas do aspecto "econômico" das operações da humanidade, apenas dos fenômenos da produção de riqueza "na medida em que esses fenômenos não são modificados pela busca de qualquer outro objetivo”. (Mises 1985, pg. 206)

Mises então lamenta, “a ideia levantada de que as leis da cataláxia são verdadeiras apenas idealmente, isto é, sobre a suposição de que o homem age no vácuo.” (Mises 2002, pg. 172)

Até Frédéric Bastiat, o mais austríaco dos proto-austíacos, escreveu em seu Harmonies Économiques que embora o “objeto da economia política seja o homem,” ainda assim “esta não abraça o homem como um todo”:

O sentimento religioso, o afeto paternal e maternal, a devoção filial, o amor, a amizade, o patriotismo, a caridade, a cortesia – esses pertencem ao domínio moral, que abrange todas as regiões apelativas da simpatia humana, deixando para a ciência irmã da economia política apenas o domínio frio do auto-interesse. [...] Com o que ela lida? Com transações realizadas entre pessoas que não se conhecem, que não se devem nada além da simples justiça, que estão defendendo e buscando avançar seu interesse próprio. Ela lida com reivindicações que são restritas e limitadas por outras reivindicações, onde o sacrifício próprio e a dedicação desinteressada não têm lugar. [...] Assim, a economia política considera o homem apenas por um lado, e nossa primeira preocupação deve ser estudá-lo a partir deste ponto de vista. (Bastiat 1964, ppg. 25–26)

Os clássicos não eram realmente tolos a ponto de supor que os motivos "egoístas" e "altruístas" pudessem ser separados de maneira limpa em compartimentos diferentes da vida; mas eles viam a hipótese do puro egoísmo como uma preditora bastante precisa do comportamento das pessoas no mundo dos negócios. Em resumo, a posição deles era um tanto semelhante à de Friedman. Eles diferiam de Friedman, é claro, ao querer que suas teorias fossem pelo menos aproximações razoáveis da realidade, enquanto para Friedman são apenas as previsões da teoria, não a teoria em si, que deve se conformar com a realidade; mas tanto para os clássicos quanto para Friedman, os princípios da economia são abstrações precisas e, portanto, não são estritamente aplicáveis ao mundo real.

Mesmo os primeiros economistas austríacos estavam, de alguma forma, também sob a influência desse modo de pensar. Carl Menger, fundador da Escola Austríaca, sustentava que as leis econômicas descrevem o comportamento de agentes econômicos idealizados que "se esforçam para proteger plenamente seus interesses econômicos", estão cientes "da situação econômica, na medida em que influencia a formação de preços", não estão "enganados sobre o objetivo econômico a ser perseguido nem sobre as medidas pertinentes para atingi-lo", e não estão sujeitos a "força externa prejudicando sua liberdade econômica". Uma vez que essas condições "se aplicam apenas em casos raros", segue-se que "como regra geral, os preços reais se desviam mais ou menos dos preços econômicos" (Menger 1996, ppg. 41–42). Para Menger, a ciência exata "busca determinar os elementos mais simples de tudo o que é real", sem considerar "se estes, na realidade, estão presentes como fenômenos independentes", ou mesmo "se podem, de fato, ser apresentados independentemente em sua pureza plena". Ele descreve uma "pessoa buscando apenas objetivos econômicos" como análoga a "oxigênio absolutamente puro, álcool puro, ouro puro", que "não deve ser testada pela realidade empírica completa", mas "existe em parte apenas em nossas ideias" (pg. 29). "Assim como a mecânica pura não nega a existência de espaços preenchidos por ar, atrito, etc.," diz-nos Menger, "o economista não afirma que os seres humanos são realmente guiados apenas pelo auto-interesse ou então são infalíveis e oniscientes" (ppg. 60–61). Eu seria o último a negar a enorme distância metodológica que separa Menger de Friedman; no entanto, a semelhança entre essas últimas observações de Menger e a posição friedmaniana é notável.

Mises rejeita completamente a abordagem de Friedman nessa questão:

A tarefa da economia, conforme praticada por muitos epígonos dos economistas clássicos, não era lidar com eventos conforme ocorriam na realidade, mas apenas com forças que contribuíam de alguma maneira não claramente definida para o surgimento do que realmente aconteceu. A economia não tinha como objetivo explicar diretamente a formação dos preços de mercado, mas sim descrever algo que, junto com outros fatores, desempenhava um papel certo, porém não claramente descrito, no processo. (Mises 1978a, pg. 75)

Na visão de Mises, por outro lado, a economia "trata das ações reais de homens reais. Seus teoremas não se referem nem a homens ideais nem a homens perfeitos, nem ao fantasma de um homem econômico fabuloso (homo oeconomicus), nem à noção estatística de um homem médio (homme moyen)" (Mises 1966, pg. 651). Quanto a Menger, Mises sugere que ele estava “sob influência demais do empirismo de John Stuart Mill para levar seu próprio ponto de vista a suas plenas consequências lógicas" (Mises 1984, ppg. 27–28).

Outro pai fundador austríaco, Eugen von Böhm-Bawerk, também é criticado na mesma linha. Descrevendo a reação de seu professor à defesa de Mises da importância do efeito Cantillon, Mises escreve:

[Eugen von Böhm-Bawerk] não levantou objeções contra a força persuasiva da minha análise passo a passo; ele não negou seus resultados — a saber, que mudanças no poder de compra do dinheiro causam variações nos preços de diferentes mercadorias e serviços, nem simultânea nem uniformemente, e que é incorreto afirmar que mudanças na quantidade de dinheiro provocam variações simultâneas e proporcionais no "nível" de preços. No entanto, ele sustentou que isso era um "fenômeno de atrito". Segundo ele, a antiga doutrina estava correta "em princípio" e mantém sua plena importância para uma análise voltada à "ação puramente econômica". Na vida real, há resistência e atrito que fazem com que o resultado se desvie daquele alcançado teoricamente. Tentei em vão convencer Böhm-Bawerk da inadmissibilidade de metáforas retiradas da mecânica. (Mises 1978a, pg. 59)

Na opinião de Mises, a "distinção entre ação econômica e não econômica" tinha se tornado obsoleta pela teoria subjetiva do valor, mas "Menger e Böhm-Bawerk deixaram de tirar todas as conclusões que deveriam ser retiradas de sua posição fundamental" (Ibid., pg. 122). Não é com a Escola Austríaca em si, mas apenas com Mises, que a maneira clássica de encarar o assunto é finalmente deixada para trás.

A declaração mais clara de Mises sobre essas questões ocorre em sua crítica à teoria dos Tipos Ideais de Max Weber:

A base dos equívocos de Weber só pode ser exposta mediante a consideração da questão de saber se os conceitos da teoria econômica de fato têm o caráter lógico do 'tipo ideal'. Essa questão deve ser respondida claramente de forma negativa. [...] [Os conceitos sociológicos não são derivados] “por meio da intensificação unilateral de um ou vários aspectos e por meio da integração em uma representação conceitual imanentemente consistente de uma multiplicidade de fenômenos individuais dispersos e discretos, presentes cá em maior número, acolá em menor número, e ocasionalmente não presentes no todo, que estão em congruência com esses aspectos unilateralmente intensificados.” [...] Eles são, ao contrário, uma generalização das características encontradas da mesma forma em cada instância individual à qual se referem. As proposições causais da sociologia não são expressões do que acontece como regra, mas do que de modo algum deve sempre acontecer. Elas expressam o que necessariamente deve sempre acontecer, desde que as condições que elas pressupõem estejam presentes. (Mises 2002, pgs. 84 e 98)

Um tipo ideal – um conceito derivado por meio de "intensificação unilateral" – seria obviamente uma abstração precisa, uma versão irreal, simplificada e estilizada da realidade. A esta noção, Mises opõe suas próprias abstrações não-precisas, cujas características são "encontradas da mesma forma em cada instância individual à qual se referem"[14]. A resposta de Mises aos clássicos e aos primeiros austríacos tem, portanto, um análogo preciso na tradição aristotélica que responde àqueles que negavam a estrita aplicabilidade das abstrações à realidade empírica. Embora pensar assim poderia tê-lo surpreendido, Mises pode ser visto como quem estava devolvendo a tradição subjetivista na economia às suas raízes escolásticas. (Dada a enorme influência de Franz Brentano na Escola Austríaca[15], que, como vimos, defendeu a posição aristotélica e tomista exatamente sobre essa questão, o ressurgimento do mesmo tema no pensamento de Mises talvez não seja tão inesperado.)

OS USOS DA IDEALIZAÇÃO

Vimos que Friedman está equivocado ao pensar que as teorias econômicas precisam ser irreais para serem abstratas. No entanto, mesmo os austríacos fazem uso de modelos irreais, como Robinson Crusoé em sua ilha deserta, ou a "economia uniformemente circular" de Mises. Ao empregar tais abstrações precisas, os austríacos são culpados pelo mesmo erro que Friedman?

De maneira alguma, pois o papel desses modelos na teorização austríaca é crucialmente diferente da função recomendada por Friedman. Para os austríacos, o propósito das abstrações precisas é nos ajudar a compreender melhor as abstrações não-precisas. Como Rothbard escreve, "suposições falsas são úteis na teoria econômica, mas apenas quando são usadas como construções auxiliares, não como premissas a partir das quais teorias empíricas podem ser deduzidas" (Rothbard 1997, pg. 102). Ao imaginar um exemplo em que apenas certos fatores estão operando, podemos nos concentrar mais facilmente, sem distrações, na operação desses fatores – mas o objetivo é entender como esses fatores funcionam onde quer que estejam ativos.

A discussão de Bastiat sobre a economia de Crusoé é útil aqui. A economia de Crusoé supõe representar o homem em completa separação da sociedade; no entanto, como observa Bastiat, tal separação deve ser inteiramente fictícia. Bastiat nos diz que, embora "o plano original de Daniel Defoe" fosse "lançar Robinson Crusoé sozinho, nu, privado de tudo o que pode ser adicionado à força de um homem pelo esforço unido, habilidades especializadas, troca e sociedade", no entanto, "Defoe teria privado seu romance de qualquer vestígio de verossimilhança se, excessivamente fiel ao pensamento que ele queria desenvolver, não tivesse feito concessões sociais necessárias permitindo que seu herói salvasse do naufrágio alguns objetos indispensáveis, como provisões, pólvora, um rifle, um machado, uma faca, corda, tábuas, ferro, etc." Além disso, Crusoé "levou consigo para a solidão outro tesouro social que valia mil vezes mais, um que as ondas não poderiam engolir: quero dizer suas ideias, suas memórias, sua experiência, e especialmente sua linguagem, sem a qual ele não poderia ter se comunicado consigo mesmo ou formado seus pensamentos." Para Bastiat, isso é "evidência decisiva de que a sociedade é o meio necessário do homem, pois nem mesmo um romancista pode fazê-lo viver fora dela" (Bastiat 1964, pg. 64). Em resumo, a economia de Crusoe é uma abstração precisa, representando a ação humana de maneira diferente do que ela é.

No entanto, Bastiat não condena o uso de Robinson Crusoe na teoria econômica; pelo contrário, ele mesmo faz uso da economia de Crusoe:

Se o homem não trocasse, cada parte do processo econômico ocorreria no indivíduo, e seria muito fácil para nós registrar a partir da observação seus efeitos bons e ruins. [...] As inter-relações desses quatro elementos – desejo, obstáculo, esforço, satisfação – são perfeitamente evidentes e compreensíveis no caso do homem em estado de isolamento. Nunca, nunca no mundo, ocorreria a nós dizer:

'É uma pena que Robinson Crusoe não encontre mais obstáculos; porque, nesse caso, ele teria mais saídas para seus esforços; ele seria mais rico.'

'É uma pena que o mar tenha lançado na costa da Ilha do Desespero artigos úteis, tábuas, provisões, armas, livros; porque priva Robinson Crusoé de uma saída para seus esforços; ele é mais pobre.

'Nunca, repito, as pessoas avançariam tais proposições absurdas como oráculos da verdade. Seria demasiadamente evidente que a riqueza não consiste na quantidade de esforço necessário para cada satisfação obtida, mas que o oposto exato é verdadeiro. [...] No entanto, é certamente um fato que as proposições [...] que pareciam tão absurdas quando as aplicamos à Ilha do Desespero parecem tão incontestavelmente verdadeiras quando aplicadas à França que servem de base para toda a nossa legislação econômica. (Bastiat 1964, pgs. 95–96)

Embora Bastiat não use essa terminologia, seu ponto é claro: por meio da agilização e simplificação, a abstração precisa envolvida na economia de Crusoé facilita nossa compreensão da abstração não-precisa envolvida na lei econômica de que "a riqueza não consiste na quantidade de esforço necessária para cada satisfação obtida."

Comentários semelhantes aplicam-se à "economia uniformemente circular" de Mises, uma construção que tem uma semelhança superficial com a construção de concorrência perfeita que os austríacos criticam. Ambas as construções abstraem de maneira precisa características do mundo real, como informação imperfeita e novidade. A diferença é que a economia uniformemente circular não se destina a ser um modelo – realista ou não – do mundo real. O que acontece na EUC não deve ser um bom preditor do que acontece nas economias do mundo real; pelo contrário. Sua função é nos ajudar a entender, por exemplo, a diferença entre lucro e juros, mostrando como, em um mundo sem mudanças de preço, o lucro desapareceria, mas os juros não. O objetivo de considerar o mundo sem lucro da EUC não é nos preparar para analisar situações em que o lucro é negligenciável, mas precisamente nos permitir analisar situações em que o lucro não é negligenciável, para que possamos distinguir conceitualmente entre o papel dos juros e o papel do lucro quando ambos os fatores estão operando e seus efeitos estão entrelaçados.

Friedrich von Wieser, um dos pais fundadores da Escola Austríaca, destaca exatamente esse ponto ao explicar o uso de uma economia comunista imaginária como exemplo:

A forma da ficção não pode ter enganado ninguém. Eu poderia, é claro, ter afirmado secamente que pretendia abster-me da consideração de certos fatos. Mas, como alguém que deseja observar certas coisas sem ser perturbado pelas impressões de outras coisas e ajuda seus sentidos cobrindo os objetos perturbadores com um véu, pensei em ajudar a imaginação usando a figura facilmente compreendida de uma sociedade comunista, preocupada em abolir na realidade tudo o que eu desejava desconsiderar no pensamento. A ficção que empreguei deve ser considerada apenas à luz disso. (Wieser 1893, pg. 243)

E como Wittgenstein escreve de maneira semelhante, em um contexto um tanto diferente:

Se quisermos estudar os problemas da verdade e da falsidade, do acordo e desacordo das proposições com a realidade, da natureza da afirmação, suposição e pergunta, é de grande vantagem olhar para formas primitivas de linguagem nas quais essas formas de pensamento aparecem sem o fundo confuso de processos de pensamento altamente complicados. Quando observamos tais formas simples de linguagem, a névoa mental que parece envolver nosso uso comum da linguagem desaparece. Vemos atividades, reações, que são claras e transparentes. [...] Vemos que podemos construir as formas complicadas a partir das primitivas, adicionando gradualmente novas formas. (Wittgenstein 1980, pg. 17)

"Na vida, tudo está constantemente em fluxo", diz Mises, "mas para o pensamento, devemos construir um estado imaginário de repouso. Desta forma, isolamos conceitualmente os fatores individuais para poder estudar os efeitos das mudanças neles" (Mises 2002, pg. 117). Ou, nas palavras de Rothbard: "Somente ao analisar um estado fictício e imutável podemos chegar a uma análise adequada do mundo econômico real em constante mudança" (Rothbard 1997, pg. 102).

 

AS ARMADILHAS DO PSICOLOGISMO

Estive argumentando em defesa da abordagem austríaca em relação ao realismo na teoria econômica, e contra a abordagem de Friedman. Mas isso é, é claro, apenas uma das duas principais disputas metodológicas entre Friedman e os austríacos; a outra diz respeito ao empirismo versus apriorismo. Sem explorar detalhadamente esta última questão, gostaria de oferecer uma hipótese sobre como o mal-entendido de Friedman sobre a abstração e sua resistência ao apriorismo metodológico de Mises estão relacionados. Não acredito que uma seja a causa do outra, mas penso que os dois têm uma causa comum: uma falha em distinguir entre o lógico e o psicológico.[16]

Considere primeira a crítica de Friedman ao apriorismo praxiológico de Mises, que ele condena como "uma visão completamente sem sentido":

Essa abordagem metodológica, penso eu, tem influências muito negativas. [...] [Isso] tende a tornar as pessoas intolerantes. Se você e eu somos ambos praxiologistas e discordamos sobre se alguma proposição ou declaração está correta, como resolvemos essa discordância? Podemos gritar, podemos argumentar, podemos tentar encontrar uma falha lógica no que o outro está dizendo, mas no final não temos como resolver isso a não ser lutando, dizendo que você está errado e eu estou certo. (Citado em Ebenstein 2001, p. 273)

Friedman claramente acredita que, no raciocínio a priori, em oposição à ciência empírica, não há uma maneira objetiva de resolver desacordos. Mas por que ele acredita nisso? Por que ele tem tanta confiança de que tentar "encontrar uma falha lógica no que o outro está dizendo", como Friedman coloca, é improvável de resolver a questão? Posso apenas conjecturar que Friedman pensa no raciocínio a priori como um processo subjetivo de consultar o conteúdo interno da própria mente, atendendo às entregas de alguma voz interna essencialmente privada que nenhuma segunda pessoa pode verificar. O método empírico, por outro lado, apela a evidências publicamente disponíveis e permite a objetividade. No entanto, pensar no raciocínio a priori dessa maneira é precisamente confundir o psicológico com o lógico.[17]

Vamos considerar um caso menos controverso de uma disciplina a priori: a matemática. Se dois matemáticos discordam sobre os resultados de um cálculo, eles não partem para a violência; nem consultam uma fonte privada de revelação. Em vez disso, "tentam encontrar uma falha lógica no que o outro está dizendo", e presumivelmente um deles terá sucesso — porque as relações lógicas são pelo menos tão "públicas" quanto as empíricas. O apriorismo metodológico não apela para estados psicológicos privados de ninguém; como aponta David Gordon:

"Quando se afirma que uma proposição é auto-evidente, isso não significa que se está apelando para uma experiência psicológica de certeza em apoio à proposição. Fazer isso seria precisamente não afirmar que a proposição é auto-evidente, uma vez que sua evidência aqui depende de algo mais — a experiência psicológica" (Gordon 1996, p. 29).

Ao advogar o apriorismo metodológico, Mises não estava defendendo a dependência de experiências psicológicas privadas. Afinal, foi Mises quem escreveu: "Não há meios racionais disponíveis para endossar ou rejeitar uma doutrina sugerida por uma voz interior" (Mises 1985, pg. 165). Em vez disso, ele estava defendendo a dependência de padrões de raciocínio lógico publicamente acessíveis. Para Mises, é o apriorismo que resolve os debates intratáveis entre empiristas, e não o contrário, uma vez que não se pode escolher entre interpretações concorrentes de dados sem recorrer à teoria abstrata: "Desacordos sobre o poder probatório da experiência só podem ser resolvidos ao recorrer às doutrinas da teoria universalmente válida, que é independente de toda experiência" (Mises 2002, pg. 30). Friedman, é claro, está livre para contestar o conteúdo dos argumentos apriorísticos de Mises; mas o fato de ele poder fazer isso mostra que a crítica de Friedman à forma deles está equivocada. Ao tratar a praxiologia como um método subjetivo e publicamente não testável, Friedman comete a falácia do psicologismo: confundir relações lógicas com psicológicas. (Essa acusação de psicologismo não é particularmente acidental à perspicácia de Friedman. O psicologismo é um dos erros mais persistentes e sedutores na filosofia; mentes brilhantes ergueram sistemas inteiros sobre suas bases traiçoeiras).

O psicologismo que explica o mal-entendido de Friedman sobre o apriorismo, discutivelmente, também explica seu mal-entendido sobre a abstração. A falha de Friedman em ver a possibilidade de abstração não-precisa sugere que ele confundiu o ato de pensar com seu conteúdo. Quando o ato e o conteúdo são confundidos, torna-se natural supor que se algo está ausente do ato de pensar, também deve estar ausente do conteúdo do pensamento – caso em que toda abstração seria naturalmente vista como precisa. Mas confundir o ato de pensar com seu conteúdo é precisamente confundir um elemento psicológico interno com um lógico.[18]

Vou encerrar com uma observação final. Independentemente de suas outras discordâncias, Friedman e Mises concordam que uma ética a priori é impossível. Aqueles que defendem a possibilidade de uma ética racionalmente justificável, segundo Mises, estão essencialmente afirmando que o conhecimento moral é "transmitido ao homem por uma voz interior, ou seja, pela intuição" e falham em reconhecer que "com relação à interpretação da voz interior... não se pode encontrar nenhum método de resolver pacificamente... desacordos" (Mises 1985, p. 53). O paralelo entre a crítica de Mises à ética a priori e a crítica de Friedman à própria economia a priori de Mises é impressionante — e deve nos levar a suspeitar que Mises caiu aqui na própria confusão de Friedman entre o caráter privado de uma "voz interior" e o caráter público da lógica.

  

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Notas

[1] Este artigo foi originalmente publicado em The Quarterly Journal of Austrian Economics Vol. 9, No. 3 (Fall 2006): 3-23

2 RODERICK T. LONG é professor associado de filosofia na Auburn University, editor do Journal of Libertarian Studies e presidente do Molinari Institute. Este artigo foi beneficiado pelos comentários de Stephen W. Carson, David Gordon, Guido Hülsmann, Mike Jarvis, Charles W. Johnson, Kelly Dean Jolley e um parecerista anônimo, além do feedback recebido na Austrian Scholars Conference de 2004

[3] Long (próximo a 2007); para uma apresentação mais breve, veja Long (2004).

[4] Todas as traduções de Aristóteles são minhas.

[5] [N.T.] Porém, nesta tradução, em todas as citações de Aristóteles e São Tomás de Aquino, será utilizado traduções diretas do grego e do latim na medida do possível, sendo a edição e o tradutor adequadamente referenciados. Quando não houver tradução acessível, farei uma tradução livre indireta.

[6] ARISTÓTELES. Física I-II. Editora da Unicamp, Campinas, SP, 2009. Tradução de Lucas Angioni. pg. 46

[7] ARISTÓTELES. Metafísica. EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2002. Tradução de Rusconi Libri. Pg. 599-603.

[8] AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2002. I. 85 1 ad 1. Pgs. 523-4.

[9] Para uma discussão maior dessa distinção, veja Long (2001, pgs. 4067-17, e 2002, pgs. 404-15.

[10] Veja, e.g., O’Driscoll e Rizzo (1996, pg. 21); Garrison (2001, chapg. 1); Caldwell (2004, pg. 333)

[11] [N.T.] Tradução indireta.

[12] Aqui é necessário fazer uma ressalva: a menos que, ao ser puxado para baixo, isso o faça encontrar uma força compensatória que de outra forma não teria encontrado — por exemplo, colidindo com um obstáculo e assim ricocheteando na direção oposta. Uma ressalva semelhante se aplica no caso econômico: se "um aumento na oferta de tomates (acidentalmente) provoca um aumento na demanda por esses tomates", então "não é necessariamente o caso de que o preço do tomate seja mais baixo do que seria de outra forma" (Hülsmann 2003, pg. 74, pg. 77, n. 24). No entanto, mesmo que isso signifique que as cláusulas ceteris paribus não possam ser eliminadas completamente, seu escopo é certamente reduzido.

Quanto ao caso da gravidade, a ressalva acima fornece incidentalmente uma resposta a uma objeção levantada por um parecerista anônimo: se um objeto (digamos, um livro) estiver repousando sobre uma mesa, podemos dizer que o objeto acaba cinco pés mais abaixo do que teria sido sem a influência da gravidade? Sim, no seguinte sentido: a força descendente que o livro exerce sobre a mesa é exatamente compensada pela força ascendente que a mesa exerce sobre o livro. Se o livro encontrasse essa mesma força ascendente sem a força descendente, então, após o intervalo relevante, estaria cinco pés mais alto do que está agora. No entanto, neste caso, o livro não teria encontrado a força ascendente se não fosse pela força descendente; daí a ressalva mencionada acima.

[13]Para uma defesa da afirmação de que suposições falsas são desnecessárias até mesmo na física quântica, ver Miller (1987, pg. 11).

[14] Em defesa de Weber, o aluno de Mises, Alfred Schütz (1967), responde que, uma vez que as categorias praxiológicas são elas mesmas tipos ideais, a objeção de Mises não passa de um alerta 'contra a intrusão de tipos ideais de concretude excessiva e anonimato insuficiente na economia' (pg. 246). No entanto, a objeção de Mises não é apenas que os tipos ideais são insuficientemente abstratos (embora ele faça essa objeção; Mises 1990, pgs. 12–14), mas sim que eles são abstratos de maneira errada.

[15] Cf. Smith (1994) e Gordon (1996).

[16] Para textos clássicos explicando esta distinção, ver Frege (1977).

[17] Pode ser objetado que o tipo de apriorismo que Friedman está criticando diz respeito ao sintético a priori, enquanto a lógica lida com o analítico a priori. Para uma crítica austríaca da distinção entre as formas analítica e sintética do apriorismo, ver Long (2004, pgs. 361-67).

[18] Cf. Frege (1972, pgs. 324-25)

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