[Retirado de: The Pragmatics of Making it Explicit, pag 99-108]
Abstract
A fim de comparar duas formas de pragmatismo radical, o inferencialismo (como desenvolvido por Robert Brandom) e o construtivismo (como desenvolvido por Paul Lorenzen), este artigo nos mostra como podemos representar estados de coisas no mundo por símbolos correspondentes em uma metafísica inofensiva, embora aparentemente de forma não-inferencial, pois nem todas as justificativas são transições inferenciais, por exemplo, aqueles que fazem uso pesado de construções, e porque uma análise “prosentencial” da verdade é útil mas não suficiente.
Palavras Chave: Norma constitutiva, construtivismo, correspondência, inferencialismo, ordem institucional, justificação, significado, conteúdo proposicional, pragmatismo radical e verdade.
Significado, justificação e verdade
Muitas formas de pragmatismo filosófico apresentam apenas uma visão de mundo geral própria. Suas consequências são, frequentemente, tão suaves e vagas como o vocabulário com o qual essa perspectiva filosófica é caracterizada. Deixe-me chamar “pragmatismo radical” a empreitada filosófica para reconstruir a estrutura simbólica e cognitiva de nossa vida sob uma base puramente prática; e isso significa; reconstruí-las ao longo de tudo sem se referir à uma entidade natural (ou física) ou entidades metafísicas, a eventos, estados de coisas ou ocorrências de algum tipo, mas, em vez disso, como (formas de) atividades humanas, guiadas por normas sociais ou institucionais. Aqui, a reconstrução não é para ser entendida como uma explanação hipotética entre outras – algo que usamos na ciência – mas como uma estrada para entendimento certo (ou verdadeiro) de questões práticas reconstruídas.
Não vou entrar no debate sobre a tarefa de uma filosofia analítica de forma pragmática. Ou melhor, abordo diretamente o fato de que, com a publicação do livro de Robert. B. Brandom em 1994, temos agora duas versões de um programa de reconstrução pragmática à longo alcance. O primeiro é o construtivismo filosófico [1]. O outro é a forma de inferencialismo de Brandom.
Minha própria proposta interessa ao entendimento da verdade e do conteúdo, que foi desenvolvida a partir de uma base construtivista [2]. Darei um esboço primeiro. Vou, então, proceder a observação sobre dois problemas que surgem dentro das reconstruções correspondentes na abordagem de Brandom. É claro, uma análise comparativa mais completa levaria uma série de palestras.
Nosso uso da palavra “verdadeiro” não pode, penso eu, ser caracterizada por algo como uma definição ou por uma caracterização geral. Isso não significa que não há uma maneira rigorosa de esclarecer o então chamado conceito de verdade. Como em muitos outros casos, enfrentamos uma situação em que o uso da palavra compreende uma variedade de elementos diferentes, que são, apesar disso, conectados de uma forma que justifica e explica por que são expressados por, ou performados com a mesma expressão, a saber, a palavra “verdadeiro”.
Deixe-me começar com o que podemos chamar do uso da declaração (statement) de “verdadeiro”. Ilustrarei esse uso com um exemplo muito elementar: nós todos somos capazes de produzir figuras ou formas de uma cruz (como “X”); e podemos fazer isso em, aproximadamente, todas as circunstâncias; com um pedaço de pau na areia, com um pedaço de giz na lousa, um lápis no papel, um teclado sob o monitor. Poderíamos – por um tipo de convenção ou acordo – sujeitar o uso dessa possibilidade prática a determinadas restrições. Por exemplo, podemos usar a figura (como um signo, como colocaremos mais tarde) apenas quando uma passagem na montanha está aberta, e.g, quando não está bloqueado pela neve ou pelas regras de trânsito. (Em cada situação é assumido que sabemos a passagem da montanha contextualmente relevante). Quando produzimos a cruz sob esse acordo, a performance de colocar a cruz em certo lugar se transforma no que podemos chamar de declaração elementar.
O estabelecimento de um acordo ou convenção por uma articulação explícita de condições restritas envolvidas normalmente é chamado de definição da cruz. Obviamente, podemos aprender a convenção também por exercitar a prática simbólica correspondente, e.g, quando se dirige por aí pela neve na Suíça. Isso mostra que não é necessário ter uma descrição desses elementos e características situacionais, que fazem uma desejada performance de nossa declaração correta. Em alguns casos elementares aprendemos distinções situacionais para o uso correto e – de outro lado – errado de declarações apenas por paradigmas.
Conectado com a prática de fazer declarações, há um simples e básico uso da palavra “verdadeiro”: dizer que uma declaração é verdadeira frequentemente significa somente que é correto fazê-la. Podemos, possivelmente, adicionar que, usando a palavra “verdadeiro” ao invés da palavra “correto” enfatizamos, ao mesmo tempo, que lidamos com uma declaração, não com outro tipo de ato simbólico. Podemos facilmente ver como esse uso da palavra “verdadeiro” é estendida de declarações para sentenças: Uma sentença é verdadeira em relação a certas situações, se afirmá-lo nestas situações seria correto.
Normalmente, a intenção de fazer certas declarações não é apenas uma manifestação do uso correto de declarações no sentido descrito. Declarações servem também ao propósito de trocar observações (conjuntas) (e.g, quando caminhamos juntos nas montanhas). Mas, possivelmente, na maioria dos casos eles são usados a fim de transmitir informação. Quando exercitamos e, portanto, aprendemos o uso de certas declarações apenas em situações correspondentes, ou em relação a observações compartilhadas, as declarações não têm muito valor informacional sobre essas situações ou observações. A informação que eles conferem, então, deve dizer respeito apenas a características da situação – com as quais já estamos ou poderíamos estar familiarizados de alguma maneira mais imediata.
Mas em um amplo alcance de seu uso, declarações correspondem a situações não diretamente acessíveis aos destinatários. Até mesmo o proponente de uma declaração
pode confiar apenas em informações mediadas, não no acesso direto à situação relevante. Contudo, normalmente esperamos que o conteúdo informacional se baseie, no final, em algum conhecimento direto como aquele da observação imediata.
Há um caminho gramatical que leva diretamente do caso informacional ao que poderíamos chamar, de maneira bastante enganosa, de aspecto correspondente da verdade. Se conhecemos ou pressupomos que um proponente P de uma declaração s é, em primeiro lugar, suficientemente competente para performar declarações desse tipo e que, em segundo lugar, ele pode ser confiável, podemos extrair de sua produção s o que proponho chamar de inferência pragmática: A “premissa” de tal inferência não é uma sentença, mas um evento prático, a saber, a performance s de P. A conclusão é que as condições situacionais sob as quais essa performance é correta prevalece (são efetivas) – Se temos acesso direto a estas condições, normalmente não seria necessário, ou faria qualquer sentido, tirar uma conclusão em vez de confiar no próprio “conhecimento”.
Nesse sentido de uma possível inferência pragmática, uma declaração ou uma sentença correspondente pode representar certas possíveis características de uma situação (uma “Sachverhalt” ou “estados de coisas” na terminologia do primeiro Wittgenstein). Essas características (condições) são válidas caso a declaração seja verdadeira, i.e., performada corretamente.
Inferências Pragmáticas dependem de duas condições:
1 – O uso comprometido dos enunciados já sendo uma instituição comum para os participantes do jogo representacional. Isso inclui que os participantes são todos usuários competentes da linguagem em questão.
2 – Que os proponentes das declarações podem ser confiáveis para fazer o seu melhor, produzindo corretas performances linguísticas .
Deixe-me adicionar uma pequena complexidade a mais para nosso simples retrato de declarações usadas e assim obtendo mais materiais para distinções posteriores. O aspecto informacional e representacional de declarações e sua verdade pode facilmente ser estendida de casos elementares considerados casos mais complexos como afirmações e os compromissos de dar as justificações envolvidas.
Dos casos elementares há apenas mais um passo para um uso de “verdadeiro” que contém a reivindicação de que existe ou deveria existir uma justificação para a declaração ou asserção em questão – quando usado ou “significado” no sentido “normal”. E o que chamei de inferência pragmática nesse caso pode ser formulado ao longo das linhas seguintes: Uma declaração ou uma asserção desse tipo aponta ou representa as situações em que é ou seria justificada.
Um grupo muito comum de tais declarações está conectado com a prática de seguir (ou aplicar) um certo procedimento - e, portanto, produzindo um certo resultado. Pense, por exemplo, em cálculos. Podemos olhar para tal situação de dois ângulos. Primeiro, podemos apenas declarar que podemos alcançar e ter alcançado um certo resultado por certos passos. Do ponto de vista de controlar tal declaração podemos dizer: Empreender esse passo mostra, segundamente, sua praticabilidade, e, desse modo, é uma justificação do resultado. Ao mesmo tempo, chegamos a uma justificação da declaração que diz: esse resultado pode ser alcançado dentro desse quadro. Calculando um certo resultado, justificamos a declaração de que esse tipo de cálculo pode produzir esse resultado. Sobre essa descrição a correção (correctness) da declaração - e nesse sentido – sua "verdade" é internamente conectada com sua justificação: Ser verdadeiro significa ser justificável (de certa maneira) aqui.
Outra linha de justificação para declarações elementares é estabelecida quando incorporamos eles em um sistema de regras terminológicas (como elas foram chamadas no clássico jargão construtivista). Se, e.g, temos uma regra ‘“violeta → azulado” para termos de cor, podemos justificar chamar as coisas de azuladas aplicando a regra para corrigir declarações de forma “x é violeta”. Ou se olharmos para nosso primeiro exemplo, podemos ter uma regra dizendo que “aberto” exclui “fechado” – que nos leva a justificação de declarações negativas.
Minha próxima consideração diz respeito a atividades de argumentação e justificação de uma forma mais geral: Se uma declaração não é aceita (é divergente), podemos simplesmente deixá-la assim ou, talvez, retiramos a declaração (mais ou menos explicitamente). Outra reação seria argumentar para a aceitação dela, i.e., dar razões para que seja correto (feito corretamente!). Se se trata de argumentação, também podemos, ao invés de apenas declarar algo, assegurar o que declaramos ou temos declarado. Isso significa que incorremos explicitamente na obrigação de apresentar argumentos para a “aceitabilidade” da nossa declaração, que é para justificar (“begründen”) a declaração.
Se nós, desse modo, reivindicamos que uma declaração a é correta por assegurar a seriamente, devemos ter uma justificação à nossa disposição; pelo menos deveríamos ser capazes de mostrar uma maneira, um procedimento, que, no fim, leve a uma justificação de a. Ou mais curto: falar de uma reivindicação que é feita seriamente significa que devemos ter o direito a ela por ter uma justificação à nossa disposição.
Há um sentido fraco no qual justificar uma reivindicação a significa somente ter (boas) razões para a. Alguém pode reivindicar, por exemplo, que caiu muita neve durante as últimas 24 horas na Alta Engadina (Suíça) - e citar como razões o tipo de nuvens que pairam sobre o vale do Engadina e, além disso, uma previsão meteorológica do jornal local de ontem. Tudo isso, em condições normais, não é uma evidência conclusiva - em contraste com o boletim meteorológico de hora em hora (não a previsão) da Rádio Suíça de que as pessoas envolvidas no argumento (normalmente) tomam para ser tão confiável quanto a confiabilidade pode ser; ou, em contraste a uma (normal) prova matemática.
Falarei de uma justificação no sentido estrito ou forte da palavra, se nos concentrarmos em evidências conclusivas. Em contraste a todos os tipos de argumentos mais fracos a favor ou contra certas reivindicações, isso significa que tais justificações não deixam margem para dúvida – pelo menos por enquanto, e não no entendimento cartesiano de dúvida, que é, ao invés disso, simplório na vida prática. – Uma investigação separada no que chamamos de “evidência conclusiva” certamente seria útil aqui. Mas, no momento, terei de confiar na competência do leitor em manusear a distinção entre justificações fracas e estritas em casos normais. (Por falar nisso: Sem contrarrazões envolvidas, razões prima facie podem muitas vezes ser tão conclusivas quanto poderíamos esperar).
Deixem-me agora mudar para distinções baseadas pragmaticamente em relação ao significado e conteúdo. De acordo com o entendimento pragmático de linguagem, o significado de expressões linguísticas (de sentenças e partes significativas de sentenças, olhando de um ponto de vista holista da sentença) é que fazemos ou podemos fazer com elas. Mas agora é necessária uma especificação adicional, a saber que devemos entender a relação entre ‘significado’ e ‘uso’ institucionalmente. Isso significa: o termo “significado” se refere à ordem institucional (‘gramática’ de Wittgenstein), que atualizamos quando performamos um ato linguístico. Há, de novo, um pouco mais a dizer sobre isso – caso quiséssemos prevenir um mal-entendido dessas declarações muito gerais. Mas minha intenção é lidar com alguns problemas especiais; então deixarei dessa forma.
Como devemos - em uma perspectiva pragmática - lidar com objetos que algumas vezes são chamados “abstratos” e desempenham uma função proeminente nos comentários não-pragmáticos sobre significado, como os próprios ‘significados’ ou ‘conteúdos’ ou ‘proposições’? Uma vez que chegamos a vê-la, parece haver uma resposta bastante direta para essa pergunta. A resposta está relacionada ao nosso uso de um objeto ou um ato (que frequentemente envolve o manuseio ou a produção de um objeto) em uma via simbólica. Mas o que é uma via simbólica de fazer algo, especialmente fazer algo com alguma coisa? Uma ação simbólica (s) se desenvolve a partir de suas bases (a) não-simbólicas, quando nós, por acordo (social), impomos certas restrições (R) sobre a ação não-simbólica a. Nos deixe chamar essas restrições de normas em um sentido geral da palavra “norma”.
Então existem duas possibilidades: Ou, ao performar a, obedecemos a essas normas, mas ao fazer isso nós (finalmente) apenas pretendemos fazer a. Aqui, as restrições funcionam apenas como normas regulativas. De outro lado, as normas restritivas R podem ser entendidas como constitutivas de um novo ‘nível’ ou ‘forma’ de ação, a saber, s; para s sobreposto sobre a, a então é (apenas) um tipo de “ação portadora” (carrier action). Aqui, i.e., seguindo as normas R, que, por acordo restringe a, há uma outra, separada, a principal e, em certo sentido, final, intenção pragmática. Podemos dizer agora: performamos o ato simbólico s performando a sobre certas normas. E performar s não pode ser feito sem performa algumas ações portadoras. Não podemos seguir as normas constitutivas de s “per se”, independentemente de fazer outra coisa.
Normalmente, haverá outros atos, sendo um deles, digamos, b, sobre o qual podemos impor as mesmas normas restritivas R. Portanto, podemos executar s também executando b sob R.Para usar a ou b ou ambos para esse fim, eles exibem seu caráter convencional para as ações simbólicas s. Em outras palavras: s pode ser “abstraído” de qualquer um dos seus possíveis atos portadores. Para uma ilustração, vamos olhar para o nosso uso da cruz ou a palavra "aberto": Normalmente, quando falamos do uso de uma sentença a, por exemplo, o um-símbolo-sentença "×", é essencial para a nossa conversão que a cruz está envolvida e não, por exemplo, a palavra "aberto". Mas às vezes, em certos contextos, talvez com frequência, não importa qual item de toda uma variedade de sentença tomamos. Há uma variedade de sentenças, que são todas usadas “da mesma maneira”. Declarar que todos eles têm “o mesmo uso” já nos dá um uso da palavra “uso” que não depende do que fazemos com uma sentença especial a (tudo isso deve ser lido no sentido de tipo de “sentença”!).
Com essa transição, abstraímos, por assim dizer, o desenho institucional de uma sentença usada como tal de sua realização, ou, talvez melhor, de sua atualização pelo uso de uma frase particular em certas situações. Falando do uso, portanto, o uso abstrato comum a toda uma variedade de sentenças e o que fazemos com elas — e, por outro lado, os usos atuais de sentenças “portadoras” especiais.
Presumo que boa parte do que normalmente chamamos de conteúdo de uma sentença é melhor reconstruída enquanto seu uso abstrato.
Ao restringir ambos os sentidos do uso da sentença a um contexto e prática especial, é possível, ademais, organizar conceitos do conteúdo, pertencendo a certos termos artificiais na semântica filosófica. Assim podemos considerar o uso de uma sentença a somente em uma rede de raciocínio e argumentação. Deixe-nos chamá-la de proposição a. O uso abstrato restrito correspondente de a pode ser chamado de conteúdo proposicional de (a). Essa última proposta seria uma reconstrução muito mais em concordância com o significado do termo “beurteilbarer Inhalt” ou “conteúdo julgável” nos escritos iniciais de Frege.
Vou agora concluir com uma comparação do construtivismo filosófico assim delineado, com uma linha inferencialista de reconstrução. Vou me concentrar em dois aspectos de toda a arquitetura do empreendimento de Brandon. Um é a reconstrução inferencial do conteúdo proposicional; o outro é o entendimento prosentencial da verdade.
Quanto ao primeiro ponto, não vejo problema com a seguinte ordem de pensamento:
- identificar uma rede mais ou menos bem definidas de argumentos inferenciais ou movidos no raciocínio;
- considerar o papel ou lugar de uma sentença a nisto;
- falar do conteúdo inferencial de a relativo a essa restrição do uso abstrato de a -
- qualquer que deva ser sua função.
Mas, se vejo as coisas da forma correta, Brandon não pode apenas, de forma evasiva, retirar-se em tal forma fraca de inferencialismo. Ele deve, ao invés disso, defender a reivindicação de que conteúdo inferencial é ou o significado ou uso de sentenças (quando as usamos fazemos asserções ou reivindicações) - ou seu conteúdo proposicional. Isso resulta de todo o projeto de seu livro. Com um certo entendimento da inferência, nenhuma dessas alternativas pode funcionar. Mostrarei isso para a segunda reivindicação. Pois a primeira irá se seguir imediatamente.
É claro, tudo depende da noção de inferência envolvida. Um primeiro e muito comum entendimento é esse: extrair uma inferência é uma aplicação de um esquema inferencial que nos leva de premissas de um certo tipo ou forma a conclusões correspondentes. Os esquemas inferenciais operam sob sentenças ou suas asserções. Elas frequentemente são feitas explícitas na forma de regras. Exemplos são, desse modo, as regras terminológicas materiais mencionadas inicialmente neste artigo. Esses esquemas são usados normalmente a fim de apoiar inferências que preservem o direito [entitlement], no sentido de Brandom.
É suficiente para meu argumento aqui considerar apenas esquemas de inferência que preservam o direito. Tais esquemas são válidos se garantem a justificação das conclusões que encaixam os esquemas em casos onde as premissas correspondentes são justificadas. Diremos então que, além disso, apenas uma certa entrada [input] é necessária, e.g. declarações observacionais diretamente justificadas, e o resto do trabalho da justificação é feito, então, por esquemas de inferência socialmente aceitos? Nas formulações e exemplos de Brandom, essa pintura é, pelo menos, sugerida.
Deixando os problemas de entrada de lado, minha pergunta principal é: Podemos entender justificações pelo todo enquanto aplicações de esquemas inferenciais? Há, em verdade, um grupo todo de justificações pelo qual não vejo como podem ser reconstruídas na forma de transições inferenciais. Eu as denomino construções.
As construções institucionais e simbólicas justificam reivindicações correspondentes por seus resultados, por exemplo, as reivindicações de possibilidade ou existência por (mostrar e) fazer coisas (incluindo, talvez, fazer coisas linguísticas muito complicadas). Normalmente funcionam de uma maneira direta, não por mediação de um esquema geral ou regra.
Penso nas provas construtivas criativas na matemática. Construções institucionais podem ser um caso mais relevante, quando consideramos justificações para alternativas econômicas ou políticas inventando uma forma ou projeto institucional apropriado. Existem também criações terminológicas e conceituais, que são cruciais para a disputa sobre certas reivindicações científicas.
Até mesmo se pode identificar certas sentenças, deixe-nos dizer a, b, como “premissas” e uma “conclusão”, digamos, c, isso de forma alguma implica que aplicamos uma regra ou esquema inferencial, ou uma norma que nos leva as asserções justificadas a, b, para uma asserção correspondente c. A justificação de c pode apenas estender construções que são essenciais para a justificação de a e b, um tipo consideravelmente de extensão sendo, e.g. consideravelmente comum para provas de reivindicações de existência matemática condicional.
Para resumir esta consideração: Com a noção delineada de inferência encontramos movimentos discursivos que não podemos caracterizar como passos inferenciais. Nesse entendimento, o inferencialismo não pode servir como uma reconstrução do conteúdo proposicional no sentido proposto.
Argumentação e justificação (raciocínio), em geral, não são conceitos dedutivos, nem em um sentido estrito a dedução lógica, nem em um sentido amplo (prevalecendo nos exemplos do livro de Brandon), que inclui todos os tipos das então chamadas deduções ou inferências “materiais”.
Essa seria outra opção: “Inferência” poderia significar somente justificação. Mas então, a justificação funciona entre sentenças ou reivindicações correspondentes. Quando, com esse entendimento em mente, inferimos a conclusão c de premissas, a, de b, reivindicamos que se a, se b foram justificadas, devemos, sob essas bases, ter uma justificação para c. E isso, normalmente, significa dizer que sabemos que a qualidade de estar justificado é transferida de a, b para c. De outro modo a inferência não pode estar correta (se aplicando, ou não, um esquema de inferência).
Mas mesmo com este conceito de “inferência” permanece uma dificuldade, a saber, que existem argumentos construtivos complicados (não só simples declarações de entrada) que não começam de sentenças ou asserções ou reivindicações, embora incluam muito uso de sentenças. Penso, novamente, em construções ou reconstruções linguísticas (conceituais), e.g. a invenção de termos aritméticos subsentencionais complexos.
Estamos, agora, voltando à análise “prosentencial” da verdade. Suponhamos que temos um operador de verdade T e uma expressão selecionada σ - σ pode funcionar anaforicamente ou pode consistir em algumas caracterizações de certas reivindicações ou sentenças como ‘o que Joschka Fischer disse sobre seus anos selvagens’. Deixe-nos usá-la para formular uma expressão prosentencial T σ. Aplicando T σ, somos levados a uma reivindicação a: e.g., identificando a asserção na qual σ está pontuando ou selecionando um das reivindicações caracterizadas por σ.
Usada dessa maneira, o operador T, normalmente, nos casos básicos, funciona como um aparelho para assentir a reivindicações já feitas ou mencionadas. Mas obviamente esse significado prosentencial de “T” não pode ser tomado como uma reconstrução de nosso conceito comum de verdade: O uso do operador T intitulado pela proposta prosentencial é tão forte ou fraca quanto o entendimento das reivindicações correspondentes a. E isso significa que é tão forte ou fraca quanto o conceito de justificação no comprometimento de justificar a.
Obviamente, justificações do tipo fraco não podem estabelecer a verdade, i.e., reivindicações de verdade. Se temos, por exemplo, apenas algumas boas razões para uma certa reivindicação a, frequentemente não tomamos a, sob essas bases, como sendo verdadeiro. Podemos até mesmo duvidar explicitamente que esse é o caso, porque talvez saibamos que outras razões, que podem falar contra a, devam ser consideradas.
Isso ou nos deixa com um entendimento fraco de justificação (ou inferência), nesse caso teríamos de dar ao conceito de verdade outra base (uma mais do que prosentencial) - ou (segunda alternativa) com a necessidade de produzir uma versão estrita de justificação, sob a qual um uso prosentencial de “verdadeiro” pode estar de pé. Em ambos os casos a abordagem prosentencial faz apenas parte do trabalho conceitual, é apenas um elemento numa situação conceptual muito mais complexa, e não um elemento fundamental.
Notas
[1] – O espírito e orientação geral do construtivismo filosófico é melhor demonstrado por Kamlah e Lorenzen (1984); Lorenzen (1968); Lorenzen (1974); e Kambartel (1998ª; 25-36). Uma parte essencial do construtivismo filosófico é o projeto de descobrir uma fundamentação dialógica ou argumentativa para a lógica formal (cf. Lorenzen e Lorenz (1978) e minha crítica em Kambartel (1979b: 216-228) e Kambartel (1982: 41-52).
[2] – Minha própria cooperação com o construtivismo filosófico é documentada em Kambartel (1976ª), Kambartel (1976b: 70-85), Kambartel (1979ª: 195-205) e Kambartel (1981:402-410). Mais tarde, meu entendimento das análises construtivistas desenvolvidas em um tipo de Kantismo do Wittgenstein tardio e meu cético desenvolvimento sobre o “grande design” da reconstrução normativa da linguagem e ideais incluídos na exatidão metodológica e generalidade teórica. Para uma reflexão nesta re-orientação veja Kambartel (2000: 75-85), Kambartel (1989) e Kambartel (1998b).
Referências
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Lorenzen, P. 1974. Konstrutive Wissenschaftstheorie, Frankfurt a.M: Suhrkamp.
Lorenzen, P. und Lorenz, K. 1978. Dialogische Logik Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft
Sobre o Autor:
Friedrich Kambartel é Professor emérito de Filosofia na Universidade de Johann-Wolfgang-Goethe, de Frankfurt em Main. Ensinou de 1966 à 1992 na Universidade de Konstanz e se especializou em Filosofia da linguagem e ciências exatas, incluindo Economia. É autor de Philosophie und Politische Okonomie (1998), Philosophie der humanen (1989), Erfahrung und Struktur (1968) e publicou em jornais como Deutsche Zeitschrift fur Philosophie, bem como em vários volumes coletivos.