"Sobre a própria ideia de um esquema conceitual", de Donald Davidson

"Sobre a própria ideia de um esquema conceitual", de Donald Davidson

Nota introdutória,

Davidson neste artigo acerta suas contas com Quine, em especial no que diz respeito a questão abordada por Quine em seu artigo "sobre a própria ideia de um 'terceiro dogma'", a ideia de um terceiro dogma, tal como proposta por Davidson, é rejeitada por Quine. Davidson, todavia, responde a Quine neste texto e, abordando também escritos de demais autores como Feyerabend e Thomas Kuhn, o filósofo britânico expõe o terceiro dogma como sendo aquele do dualismo entre "esquema conceitual" e "mundo". Para Davidson, há somente mundo, e a ideia de "algo neutro" ou "comum" a todos esquemas conceituais é ilusória: não podemos sair de nossa própria rede conceitual -- é impossível, desse modo, considerar uma "impossibilidade de tradução de sentenças", pois não podemos simplesmente sair "para fora" e enxergar uma diferença entre esquemas. A ferramenta pela qual compreendemos um ao outro é, então, não a constatação e que partilhamos de um mesmo esquema conceitual, mas sim a caridade. 

Sobre a Própria Ideia de um Esquema Conceitual

Filósofos de diversas tendências são propensos a falar de esquemas conceituais. Esquemas conceituais, nos é dito, são formas de organizar a experiência; são sistemas de categorias que dão forma aos dados dos sentidos; eles são pontos de vistas dos quais os indivíduos, culturas ou períodos examinam a cena que passa. Não pode haver tradução de um esquema para outro, no caso do qual as crenças, desejos, esperanças e pedaços de conhecimento que caracterizam uma pessoa não possuem contrapartes verdadeiras para o subscritor a outro esquema. A realidade ela mesma é relativa a um esquema: o que conta como real em um sistema pode não sê-lo em outro.

Até mesmo aqueles pensadores que têm certeza de que há somente um esquema conceitual estão na oscilação de um conceito de esquema; até mesmo monoteístas têm religião. E quando alguém se encarrega de descrever “nosso esquema conceitual”, sua acolhedora tarefa assume, se a considerarmos literalmente, que pode haver sistemas rivais.

O relativismo conceitual é uma doutrina inebriante e exótica, ou o seria caso pudéssemos fazer bom senso dela. O problema é, como é tão frequente na filosofia, que é difícil aprimorar a inteligibilidade enquanto se retém a agitação. De todo modo é isso o que argumentarei.

Somos encorajados a imaginar que entendemos mudanças conceituais em massa ou profundos contrastes por meio de exemplos legítimos de um tipo familiar. Às vezes uma ideia, como aquela da simultaneidade como definida na teoria da relatividade, é tão importante que, com sua adição, um departamento de ciência assume uma nova aparência. Às vezes revisões na lista de sentenças sustentadas como verdadeiras em uma disciplina são tão centrais que podemos sentir que os termos envolvidos mudaram seus significados. As linguagens que evoluíram em tempos ou locais distantes podem diferir extensivamente em seus recursos para lidar com uma ou outra extensão de fenômenos. O que chega facilmente em uma linguagem pode chegar dificilmente em outra, e essa diferença pode ecoar dissimilaridades em estilo e valor.

Mas exemplos como esse, impressionantes como ocasionalmente são, não são tão extremos, senão que as mudanças e os contrastes podem ser explicados e descritos usando o equipamento de uma única linguagem. Whorf, querendo demonstrar que hopi incorpora uma metafísica tão alienígena a nós que hopi e inglês não podem, como ele coloca, “ser calibrados”, usa inglês para convir aos conteúdos de sentenças de amostra em hopi.[1] Kuhn é brilhante ao dizer como as coisas eram antes da revolução usando – o que mais? – nosso idioma pós-revolucionário.[2] Quine nos dá um sentimento pela “fase pré-intuitiva na evolução de nosso esquema conceitual”,[3] enquanto Bergson nos fala onde podemos ir para termos uma visão de uma montanha sem ser distorcida por uma ou outra perspectiva provincial.

A metáfora dominante do relativismo conceitual, aquela de diferentes pontos de vista, parece revelar um paradoxo subjacente. Diferentes pontos de vistas fazem sentido, mas somente se houver um sistema coordenado comum sobre o qual colocá-los; ainda assim a existência de um sistema comum contradiz a afirmação de incomparabilidade dramática. O que precisamos, parece-me, é alguma ideia das considerações que definem os limites para o contraste conceitual. Há suposições extremas que se fundam sobre paradoxo ou contradição; há exemplo modestos que não temos problemas para entender. O que determina a linha de onde cruzamos do meramente estranho ou novo para o absurdo?

Podemos aceitar a doutrina que associa ter uma linguagem com ter um esquema conceitual. Pode-se supor que a relação seja essa: onde diferem os esquemas conceituais, assim também o fazem as linguagens. Mas os falantes de diferentes linguagens podem partilhar de um esquema conceitual dado que haja um modo de traduzir uma linguagem a outra. Estudar o critério de tradução é, desse modo, uma forma de focar em critérios de identidade para esquemas conceituais. Se esquemas conceituais não estão associados a linguagens dessa forma, o problema original é desnecessariamente duplicado, pois então teríamos de imaginar a mente, com suas categorias ordinárias, operando com uma linguagem com sua estrutura organizadora. Sob circunstâncias que com certeza gostaríamos de perguntar quem é o chefe.

Alternativamente, há a ideia de que qualquer linguagem distorce a realidade, o que implica que desmundanamente [worldlessly] apenas – se for possível de algum modo -- que a mente chega a lidar com as coisas tal como realmente são. Isso é conceber a linguagem como um meio inerte (embora necessariamente distorcedor) independente das agências humanas que o empregam; uma visão da linguagem que certamente não pode ser sustentada. Ainda assim, se a mente pode apreender o real sem distorção, a mente ela mesma precisa estar sem categorias e conceitos. Esse self sem feições é familiar a partir de teorias em partes bem diferentes da paisagem filosófica. Há, por exemplo, teorias que fazem a liberdade consistir em decisões tomadas à parte de todo desejo, hábito e disposição do agente; e teorias do conhecimento que sugerem que a mente possa observar a totalidade de suas próprias percepções e ideias. Em cada caso, a mente é divorciada das características que a constituem; uma conclusão, como eu disse, inescapável de linhas certeiras de raciocínio, mas uma conclusão que sempre nos convence a rejeitar as premissas.

Podemos identificar os esquemas conceituais com linguagens, e então, ou melhor, permitir a possibilidade de que mais de uma linguagem possa expressar o mesmo esquema, conjuntos de linguagens intertraduzíveis. Linguagens das quais não pensaremos como separáveis de almas; falar uma linguagem não é uma característica que um homem possa perder enquanto retém o poder do pensamento. Então não há chance que alguém possa tomar um ponto de vantagem para comparar esquemas conceituais ao temporariamente trocar o seu próprio esquema. Podemos então dizer que duas pessoas têm diferentes esquemas conceituais se elas falam linguagens que falham com a intertraduzibilidade?

No que se segue eu considero dois tipos de caso que possam se esperar que surjam: falhas completas e parciais de traduzibilidade. Haveria uma falha completa se nenhuma extensão significante de sentenças em uma linguagem puder ser traduzida para a outra; haveria uma falha parcial se alguma extensão puder ser traduzida e alguma extensão não puder (devo negligenciar possíveis assimetrias). Minha estratégia será argumentar que não podemos fazer sentido da falha total, e então examinar mais brevemente casos de falha parcial.

Primeiro, então, os supostos casos de falha completa. É tentador tomar uma linha bem tênue: nada, pode-se dizer, poderia contar como evidência de que alguma forma de atividade não poderia ser interpretada em nossa linguagem que não fosse ao mesmo tempo evidência de que essa forma de atividade não fosse um comportamento de fala. Se isso estivesse certo, provavelmente deveríamos sustentar que uma forma de atividade que não pode ser interpretada como linguagem em nossa própria linguagem não é comportamento de fala. Colocar as coisas dessa forma é, entretanto, insatisfatório, pois trata-se de um pouco mais que fazer a traduzibilidade a uma língua familiar um critério de linguagebilidade [languagehood]. Por decreto, a tese carece de apelo de evidência em si mesma; se ela é uma verdade, como eu penso que é, ela deveria emergir como a conclusão de um argumento.

A credibilidade da posição é aprimorada pela reflexão sobre as relações próximas entre linguagem e a atribuição de atitudes tais como crença, desejo e intenção. Por um lado, é claro que a fala requer uma multidão de intenções e crenças precisamente discriminadas. Uma pessoa que afirma que a perseverança mantém a honra intacta precisa, por exemplo, representar a si mesma como crente de que a perseverança mantém a honra intacta, e ela precisa pretender representar a ela mesma como crente nisso. Por outro lado, parece improvável que possamos inteligivelmente atribuir atitudes tão complexas como essa a um falante a não ser que possamos traduzir suas palavras para as nossas. Não pode haver dúvida de que a relação entre ser capaz de traduzir a linguagem de alguém e ser capaz de descrever suas atitudes é muito próxima. Ainda, até que possamos dizer mais sobre o que essa relação é, o caso contra as linguagens intraduzíveis permanece obscuro.

Pensa-se às vezes que a traduzibilidade a uma linguagem familiar, digamos o inglês, não pode ser um critério de linguagebilidade sob os fundamentos de que a relação de traduzibilidade não é transitiva. A ideia é que alguma linguagem, digamos o saturniano, possa ser traduzível ao inglês, e mais alguma linguagem, como o plutoniano, possa ser traduzível para o saturniano, embora o plutoniano não seja traduzível ao inglês. Diferenças traduzíveis o suficiente podem somar a uma intraduzível. Ao imaginar uma sequência de linguagens, cada qual próxima o suficiente daquela anterior a ser aceitavelmente traduzida a ela, podemos imaginar uma linguagem tão diferente do inglês de modo a totalmente resistir a tradução a ele. Corresponder a essa linguagem distante seria um sistema de conceitos totalmente alienígena a nós.

Esse exercício não é, penso eu, introduzir qualquer elemento novo na discussão. Pois deveríamos ter de perguntar como reconhecemos que o que o saturniano estava fazendo era traduzir plutoniano (ou qualquer outra coisa). O falante de saturniano pode-nos dizer que isso era o que ele estava nos dizendo. Mas então nos ocorreria a dúvida sobre se nossas traduções do saturniano estavam corretas.

De acordo com Kuhn, cientistas operando em diferentes tradições científicas (dentro de diferentes “paradigmas”) “trabalham em diferentes mundos”.[4] O The Bounds of Sense de Strawson começa com a observação de que “é impossível imaginar tipos de mundos muito diferentes do mundo tal como o conhecemos”.[5] Visto que há no máximo um mundo, essas pluralidades são metafóricas ou meramente imaginadas. As metáforas, entretanto, não são no final das contas a mesma. Strawson nos convida a imaginar mundos possíveis não-atuais, mundos que podem ser descritos, usando nossa linguagem presente, ao redistribuir os valores-verdade sobre as sentenças de várias formas sistemáticas. A clareza dos contrastes entre mundos nesse caso depende de supor que nosso esquema de conceitos, nossos recursos descritivos, permanecem fixos. Kuhn, por outro lado, quer que pensemos de diferentes observadores do mesmo mundo que chegam a ele com sistemas incomensuráveis de conceitos. Os muito mundos imaginados de Strawson são vistos ou ouvidos ou descritos do mesmo ponto de vista; o mundo único de Kuhn é visto de diferentes pontos de vista. É sobre a segunda metáfora que quero trabalhar.

A primeira metáfora requer uma distinção dentro da linguagem de conceito e conteúdo: usando um sistema fixo de conceitos (palavras com significados fixos) descrevemos universos alternativos. Algumas sentenças serão verdade simplesmente por causa dos conceitos ou significados envolvidos, outros por causa da forma do mundo. Ao descrever mundos possíveis, jogamos com sentenças do segundo tipo somente.

A segunda metáfora sugere que em vez de um dualismo de um tipo bem diferente, um dualismo de um esquema total (ou linguagem) e conteúdo não-interpretado. Aderir ao segundo dualismo, enquanto não inconsistente com aderir ao primeiro, pode ser encorajado por ataques ao primeiro. Aqui está como isso pode funcionar.

Desistir da distinção analítico-sintético como sendo básica para o entendimento da linguagem é desistir da ideia de que podemos claramente distinguir entre teoria e linguagem. O significado, como vagamente podemos usar a palavra, está contaminado pela teoria, [está contaminado] por aquilo que é sustentado como verdadeiro. Feyerabend coloca dessa forma:

Nosso argumento contra a invariância do significado é simples e claro. Procede do fato de que geralmente alguns dos princípios envolvidos nas determinações dos significados de teorias ou pontos de vistas antigos são inconsistentes com as novas [...] teorias. Isso aponta que é natural resolver essa contradição ao eliminar os problemáticos [...] antigos princípios, e substituí-los por princípios ou teorias de uma nova [...] teoria. E isso se conclui ao mostrar que tal procedimento também levará à eliminação dos antigos significados.[6]

Pode não parecer que tenhamos uma fórmula para gerar distintos esquemas conceituais. Conseguimos um novo esquema a partir de um antigo esquema quando os falantes de uma linguagem chegam a aceitar como verdade uma importante extensão de sentenças que eles previamente tomavam como falsos (e, é claro, vice-versa). Precisamos agora descrever essa mudança simplesmente como questão de eles chegarem a ver antigas falsidades como verdades, pois uma verdade é uma proposição, e o que eles chegam a aceitar, ao aceitar uma sentença como verdade, não é a mesma coisa que eles rejeitavam quando eles anteriormente sustentavam que a sentença era falsa. Uma mudança ocorreu no significado da sentença porque ela agora pertence a uma nova linguagem.

Esse retrato de como novos (talvez melhores) esquemas resultam de nova e melhor ciência é bem parecido com o retrato que filósofos da ciência, como Putnam e Feyerabend, e historiadores da ciência, como Kuhn, fizeram para nós. Uma ideia relacionada emerge na sugestão de alguns outros filósofos, que poderíamos aprimorar nosso lote conceitual se afinarmos nossa linguagem a uma ciência aprimorada. Assim, tanto Quine quanto Smart, seguindo formas de algum modo diferentes, relutantemente admitem que nossas formas presentes de conversar tornam impossível uma ciência séria do comportamento. (WIttgenstein e Ryle disseram coisas parecidas sem arrependimento). A solução, pensam Quine e Smart, é mudar como conversamos. Smart defende (e prevê) a mudança visando nos colocar no caminho cientificamente reto do materialismo: Quine está mais preocupado em mudar o caminho para uma linguagem puramente extensiva [extensional]. (Talvez eu devesse acrescentar que nossos atuais esquema e linguagem são mais bem entendidos como extensivos e materialistas).

Se seguíssemos esse conselho, eu não penso eu mesmo que a ciência ou o entendimento seriam avançados, embora a moral possivelmente seria. Mas a questão presente é somente se, caso tais mudanças fossem ocorrer, deveríamos estar justificados em chamá-las de alterações no aparato conceitual básico. A dificuldade em chamar desse jeito é fácil de apreciar. Suponha que em meu ofício de Ministro da Linguagem Científica eu quero que o novo homem pare de usar palavras que se refiram, digamos, a emoções, sentimentos, pensamentos e intenções e fale, em vez disso, dos estados fisiológicos e eventos que são assumidos como sendo mais ou menos idênticos à ralé mental. Como eu posso saber se meu conselho foi ouvido se o novo homem fala uma nova linguagem? Por tudo que sei, as brilhantes novas frases, embora roubadas da antiga linguagem na qual elas se referem a princípios fisiológicos, possam nessa boca desempenhar o papel de antigos conceitos mentais desordeiros.

A frase chave é: Por tudo o que sei. O que é claro é que a retenção de alguns ou de todo o antigo vocabulário em si mesmo providencia nenhuma base para julgar o novo esquema como o mesmo que, ou diferente de, o antigo. Então o que soou primeiro como uma animada descoberta – aquela verdade é relativa a um esquema conceitual – não foi até agora mostrado como sendo nada mais que o banal e familiar fato de que a verdade de uma sentença é relativa a (entre outras coisas) linguagem à qual pertence. Em vez de viver em diferentes mundos, os cientistas de Kuhn podem, como aqueles que precisam do dicionário Webster, estar somente em palavras à parte.

Desistir da distinção analítico-sintético não proveu uma ajuda para fazer sentido do relativismo conceitual. A distinção analítico-sintético, entretanto, é explicada em termos de algo que pode servir para apoiar o relativismo conceitual, a saber, a ideia de conteúdo empírico. O dualismo do sintético e do analítico é um dualismo de sentenças, algumas das quais são verdadeiras (ou falsas) tanto porque o que elas significam quanto por causa de seu conteúdo empírico, enquanto outra são verdadeiras (ou falsas) em virtude do significado somente, tendo nenhum conteúdo empírico. Se desistirmos do dualismo, abandonamos a concepção de significado que vem junto dele, mas não temos de abandonar a ideia de conteúdo empírico: podemos sustentar, se quisermos, que toda sentença possui conteúdo empírico. O conteúdo empírico é por sua vez explicado em referência aos fatos, ao mundo, a experiência, a sensação, a totalidade dos estímulos sensoriais, ou algo parecido. O significado nos deu uma forma de conversar sobre categorias, a estrutura organizadora da linguagem, e assim por diante; mas é possível, como vimos, desistir desses significados e da analiticidade enquanto retemos a ideia de linguagem como incorporando um esquema conceitual. Assim, em lugar do dualismo do analítico-sintético temos o dualismo do esquema conceitual e conteúdo empírico. O novo dualismo é a fundação de um empirismo podado dos insustentáveis dogmas da distinção analítico-sintético e do reducionismo – podado, isto é, da ideia inviável de que podemos alocar unicamente o conteúdo empírico sentença por sentença.

Quero incentivar que esse segundo dualismo de esquema e conteúdo, de sistema organizador e algo que espera a ser organizado, não pode ser feito inteligível e defensável. Ele é em si mesmo um dogma do empirismo, o terceiro dogma. O terceiro, e talvez o último, pois se desistirmos dele não está claro que haja qualquer coisa distintiva restante para chamar de empirismo.

O dualismo esquema-conteúdo tem sido formulado de diversos modos. Aqui estão alguns exemplos. O primeiro vem de Whorf, elaborando sobre um tema de Sapir. Whorf diz que:

[...] A linguagem produz uma organização da experiência. Somos inclinados a pensar que a linguagem é simplesmente uma técnica de expressão, e a não perceber que a linguagem antes de tudo é uma classificação e arranjo do fluxo de experiências sensórias que resultam em uma certa ordem do mundo [...] Em outras palavras, a linguagem faz, de um modo rude mas também mais abrangente e mais versátil, a mesma coisa que a ciência faz [...] Somos então introduzidos a um novo princípio de relatividade, que sustenta que todos os observadores não são levados pela mesma evidência física para o mesmo retrato do universo, a não ser que seus planos de fundo linguísticos sejam similares, ou possam de algum modo ser calibrados.[7]

Aqui temos todos os elementos exigidos: linguagem como força organizadora, que não deve ser distinguida claramente de ciência; o que é organizado, referido diversamente como “experiência”, “o fluxo de experiência sensória”, e “evidência física”; e finalmente, a falha da intertraduzibilidade (“calibração”). A falha da intertraduzibilidade é uma condição necessária para a diferença de esquemas conceituais; a relação comum à experiencia ou a evidência é o que supostamente nos ajuda a fazer sentido da afirmação de que são as linguagens ou esquemas que estão sob consideração quando a tradução falha. É essencial a essa ideia de que há algo neutro e comum que reside fora de todos os esquemas. Esse algo comum não pode, é claro, ser o assunto [the subject matter] das línguas contrastantes, ou a tradução seria possível. Assim, Kuhn recentemente escreveu:

Os filósofos agora abandonaram a esperança de encontrar uma linguagem de puro sense-datum [...] mas muitos deles continuam a assumir que teorias podem ser comparadas por recurso a uma vocabulário básico consistindo inteiramente em palavras que estão anexadas a natureza de modos que são não-problemáticos e, na medida necessária, independente de teoria [...] Feyerabend e eu argumentamos extensivamente que nenhum vocabulário desse tipo está disponível. Na transição de uma teoria para a próxima as palavras mudam seus significados ou condições de aplicabilidade segundo modos sutis. Embora a maioria dos mesmos signos sejam usados antes e depois de uma revolução – e.g., força, massa, elemento, composto, célula – o modo no qual alguns deles se anexam a natureza de algum modo mudou. Teorias sucessivas são, assim, dizemos, incomensuráveis.[8]

“Incomensurável” é, é claro, a palavra de Kuhn e Feyerabend para “não-intertraduzível”. O conteúdo neural esperando por ser organizado é fornecido pela natureza.

Feyerabend ele mesmo sugere que podemos comparar esquemas contrastantes ao “escolher um ponto de vista de fora do sistema ou da linguagem”. Ele espera que possamos fazer isso porque “ainda há experiência humana como um processo atualmente existente”[9] independente de todo esquema.

O mesmo pensamento, ou similar, é expresso por Quine em muitas passagens: “A totalidade de nosso assim-chamado conhecimento ou crenças [...] é um tecido artificial que invade a experiência somente ao longo de limites [...]”[10] “[...] a ciência total é como um campo de força cujas condições limítrofes são a experiência”;[11] “Como um empirista eu [...] penso os esquemas conceituais da ciência como uma ferramenta [...] para prever a experiência futura à luz da experiência passada.”[12] E novamente:

Persistimos quebrando a realidade de algum modo em uma multiplicidade de objetos identificáveis e discrimináveis [...] Conversamos de forma tão inveterada de objetos que dizer que fazemos isso parece quase dizer nada no final das contas; pois que outro modo há para conversar? É difícil pensar que outro modo há para conversar, não porque nosso padrão objetificante é uma característica invariável da natureza humana, mas porque somos fadados a adaptar qualquer padrão alienígena ao nosso próprio no processo mesmo de entendimento ou tradução de sentenças alienígenas.[13]

O teste de diferença permanece uma falha ou dificuldade de tradução: “[...] falar desse meio remoto como radicalmente diferente do nosso é dizer nada mais que as traduções não chegam suavemente.”[14] Ainda assim a brutalidade pode ser tão grande que o alienígena tem “um padrão ainda inimaginado para além da individuação”.[15]

A ideia é então que algo é uma linguagem, e associado com um esquema conceitual, se podemos traduzí-lo ou não, se permanece em uma certa relação (prevendo, organizando, encarando ou encaixando) de experiência (natureza, realidade, sugestões sensórias [sensory promptings]). O problema é dizer o que é a relação e ser mais claro sobre as entidades relacionadas.

As imagens e metáforas recaem em dois principais grupos: esquemas conceituais (linguagens) ou organizam algo, ou eles o encaixam (como em “ele deforma sua herança científica para encaixar suas [...] sugestões sensórias”[16]). O primeiro grupo contém também sistematizar, repartir (o fluxo da experiência); mais exemplos do segundo grupo são prever, levar em consideração, encarar (o tribunal da experiência). Enquanto para as entidades que se organizam, ou às quais o esquema precisa se encaixar, penso novamente que podemos detectar duas principais ideias: ou é realidade (o universo, o mundo, a natureza), ou é experiência (a amostra em passagem, irritações na superfície, sugestões sensórias, dados dos sentidos, o dado).

Não podemos anexar um significado claro à noção de organizar um único objeto (o mundo, a natureza etc.) a não ser que o objeto seja entendido como contendo ou consistindo em outros objetos. Alguém que se encarregue se organizar um armário organiza as coisas nele. Se você é ordenado a não organizar os calçados ou camisetas, mas o próprio armário, você estaria confuso. Como você organizaria o Oceano Pacífico? Endireitando suas costas, talvez, ou realocando suas ilhas ou destruindo seus peixes.

Uma linguagem pode conter simples predicados cujas extensões não são combinadas com predicado simples algum, ou até mesmo por quaisquer predicados no final das contas, em alguma outra linguagem. O que nos permite fazer esse ponto em casos particulares é uma ontologia comum às duas linguagens, com conceitos que individuam os mesmos objetos. Podemos ser claros acerca das decomposições em tradução quando elas são locais o suficiente, pois um plano de fundo de tradução em geral bem-sucedida nos providencia o que é necessário para tornar inteligíveis as falhas. Mas estávamos atrás de um jogo maior: queríamos fazer sentido de haver uma linguagem que não poderíamos de modo algum traduzir. Ou, para colocar o ponto de forma diferente, estávamos buscando um critério de linguagebilidade que não dependesse, ou acarretasse, em traduzibilidade em um idioma familiar. Sugiro que a imagem da organização do armário da natureza não nos fornecerá tal critério.

E quanto então ao outro tipo de objeto, a experiência? Podemos pensar uma linguagem organizando-a? Muitas das mesmas dificuldades recorrem. A noção de organização se aplica somente a pluralidades. Mas qualquer seja a pluralidade na qual a experiência consiste – eventos como perder um botão ou bater o pé na quina, ter uma sensação de calor ou ouvir a um oboé – teremos de individuar de acordo com princípios familiares. Uma linguagem que organiza tais entidades precisa ser uma linguagem tal como a nossa.

A experiência (e seus colegas de classe como irritações de superfície, sensações e dados dos sentidos) também fazem outro e mais óbvio problema para a ideia organizadora. Pois como algo poderia contar como uma linguagem que organizou somente experiências, sensações, irritações em superfícies ou dados dos sentidos? Decerto garfos e facas, ferrovias e montanhas, repolhos e reinos também precisam de organização.

Essa última observação sem dúvida soará inapropriada como uma resposta à afirmação de que um esquema conceitual é uma forma de lidar com a experiência sensória; eu concordo que é esse o caso. Mas o que estava sob consideração foi a ideia de organizar a experiência, não a ideia de lidar com (ou encaixar ou encarar) a experiência. A resposta foi conveniente ao primeiro e não ao último conceito. Então agora vejamos se podemos fazer melhor com a segunda ideia.

Quando nos voltamos da conversa da organização para a conversa sobre encaixar [fitting], voltamos nossa atenção do aparato referencial da linguagem – predicados, quantificadores, variáveis e termos singulares – para sentenças inteiras. São as sentenças que preveem (ou são usadas para prever) sentenças que lidam com ou tratam de coisas que se encaixam em nossas sugestões sensórias, e de forma bem-sucedida encaram o tribunal da experiência, prevê a experiência futura ou lida com o padrão de nossas irritações em superfícies, dado que é surgida pela evidência.

No percurso comum das coisas, uma teoria pode surgir pela evidência disponível e ainda sim ser falsa. Mas quando o que está em vista aqui não é somente evidência atualmente disponível; é a totalidade de experiência sensória possível, passada, presente, futura. Não precisamos pausar para contemplar o que isso pode significar. O ponto é que uma teoria se encaixar ou encarar a totalidade da possível experiência sensória é essa teoria ser verdadeira. Se uma teoria quantifica objetos físicos, números ou conjuntos, o que ela diz sobre essas entidades é verdade dado que a teoria como um tempo encaixa a experiência sensória. Pode-se ver como, desse ponto de vista, tais entidades podem ser ditas postulados [posits]. É razoável chamar algo de um postulado se pode ser contrastado com algo que não é. Aqui algo que não é experiência sensória – ao menos é essa a ideia.

O problema é que a noção de encaixar a totalidade da experiência, assim como a noção de encaixar os fatos, ou de ser verdadeira aos fatos, adiciona nada que seja inteligível ao simples conceito de ser verdade. Falar de experiência sensória em vez de evidência ou somente dos fatos, expressa uma visão sobre a fonte ou natureza da evidência, ou não acrescenta uma nova entidade ao universo contra o qual testar esquemas conceituais. A totalidade da evidência sensória é o que queremos, dado que isso é toda a evidência que há; e toda evidência que há é justamente o que leva para tornar verdadeiras nossas sentenças ou teorias: não a experiência, não irritações na superfície, não o mundo, podem tornar verdadeira uma sentença. Essa experiência toma um determinado percurso, que nossa pele é aquecida ou perfurada, que o universo é finito, esses fatos, se quisermos falar desse modo, tornam verdadeiras sentenças e teorias. Mas este ponto é mais bem colocado sem menção aos fatos. A sentença “minha pele está quente” é verdadeira se e somente se minha pele está quente. Aqui não há referência a um fato, um mundo, uma experiência ou a uma peça de evidência.

Nossa tentativa de caracterizar linguagens ou esquemas conceituais em termos da noção de encaixar alguma entidade foi reduzida, então, ao simples pensamento de que algo é um esquema conceitual ou teoria aceitável se é verdadeiro. Talvez digamos melhor amplamente verdadeiro de modo a permitir que os que partilham de um esquema difiram sobre os detalhes. E o critério de um esquema conceitual diferente de nosso próprio torna-se: amplamente verdadeiro, mas não traduzível. A questão sobre se isso é um critério útil é somente a questão de o quão bem entendemos a noção de verdade, tal qual aplicada a linguagem, independente da noção de tradução. A resposta é, penso eu, que não a entendemos de forma independente no final das contas.

Reconhecemos sentenças como “’A neve é branca’ é verdadeira se e somente se a neve é branca” como sendo trivialmente verdadeiras. Ainda assim a totalidade de tais sentenças em inglês de forma única determinam a extensão do conceito de verdade para o inglês. Tarski generalizou essa observação e tornou-a um teste de teorias da verdade: de acordo com a Convenção T de Tarski, uma teoria satisfatória da verdade para uma linguagem L deve acarretar, para toda sentença s de L, uma teoria da forma “s é verdadeira se e somente se p” onde “s” é substituído por uma descrição de s e “p” pelo próprio s se L é inglês, e por uma tradução de s para o inglês se L não é inglês.[17] Isso não é, é claro ,uma definição de verdade, e não alude que há uma única definição ou teoria que se aplique a linguagens em geral. De todo modo, a convenção T sugere, embora não possa afirmar, uma importante característica a todos os conceitos especializados de verdade. Sucede em fazer isso ao fazer uso essencial da noção de tradução a uma linguagem que conhecemos. Visto que a Convenção T incorpora nossa melhor intuição enquanto a como o conceito de verdade é usado, não parece haver muita esperança para um teste de que um esquema conceitual é radicalmente do nosso se esse teste depende da assunção de que podemos divorciar a noção de verdade daquela da tradução.

Nem um estoque fixo de significados nem uma realidade neutra de teorias pode então providenciar um fundamento para comparação de esquemas conceituais. Seria um erro continuar procurando por tal fundamento se por isso queiramos dizer algo concebido como comum para esquemas incomensuráveis. Ao abandonar essa busca, abandonamos a tentativa de fazer sentido da metáfora de um único espaço dentro de cada esquema que tem uma posição e providencia um ponto de vista.

Me volto agora à abordagem mais modesta: a ideia de falha parcial em vez de total de tradução. Isso introduz a possibilidade de tornar inteligíveis as mudanças e contrastes em esquemas conceituais por referência à parte comum. O que precisamos é de uma teoria de tradução e interpretação que não faça suposições sobre significados, conceitos ou crenças, compartilhados.

A interdependência da crença e do significado desabrocha da interdependência de dois aspectos da interpretação do comportamento de fala: a atribuições de crenças e da interpretação de sentenças. Nós observamos antes que podemos sustentar associar esquemas conceituais com linguagens por causa dessas dependências. Agora podemos colocar o ponto de uma forma um tanto mais afiado. Permitir que a fala de um homem não possa ser interpretada senão por alguém que sabe um tanto bom sobre o que o falante acredita (pretende e quer), e que distinções tênues entre crenças são impossíveis sem fala entendida; como então devemos interpretar a fala ou a inteligibilidade para atribuir crenças e outras atitudes? Claramente precisamos ter uma teoria que simultaneamente leve em consideração atitudes e interprete a fala, e que não assume nenhuma.

Eu sugiro, seguindo Quine, que podemos sem circularidade ou suposições injustificáveis aceitar certas atitudes muito gerais com relação a sentenças como a evidência básica para uma teoria de interpretação radical. Em virtude da presente discussão, podemos ao menos depender da atitude de aceitar como verdadeiro, no que tange a sentenças, como sendo a noção crucial. (Uma teoria mais forte visaria outras atitudes com relação a sentenças também, tal como querer que seja verdade, questionar sobre se é verdadeiro, pretender tornar verdadeiro, e assim por diante). Atitudes certamente estão envolvidas aqui, mas o fato de não se foge da principal questão não pode ser visto a partir disso: se nós somente conhecemos que alguém sustenta uma certa sentença como verdadeira, não sabemos nem o que ele quer dizer pela sentença nem qual crença seu ato de sustentar sua verdade representa. Seu ato de sustentar a sentença como verdadeira é assim o vetor de duas forças: o problema de interpretação é abstrair da evidência uma teoria funcional do significado e uma teoria aceitável da crença.

A forma pela qual esse problema é resolvido é mais bem apreciado a partir de exemplos não-dramáticos. Se você vê um brigue* navegando e sua companhia diz, “olhe só aquele belo iole*”, você poderia enfrentar um problema de interpretação. Uma possibilidade natural é que seu amigo confundiu um brigue com um iole, e formou uma falsa crença. Mas se a visão dele é boa e sua linha de visão é favorável é até mesmo mais plausível que ele não use a palavra “iole” de forma diferente da que você faz, e não tenha cometido erro no final das contas acerca da posição de uma vela de polpa no iate que estava passando. Fazemos essa espécie de interpretação improvisada toda hora, decidindo em favor da reinterpretação de palavras visando preservar uma teoria razoável da crença. Como filósofos, somos particularmente tolerantes com o malapropismo sistemático, e praticado na interpretação do resultado. O processo é aquele de construir uma teoria viável da crença e do significado a partir de sentenças sustentadas como verdadeiras.

Tais exemplos enfatizam a interpretação de detalhes anômalos contra um plano de fundo de crenças comuns e um método ativo de tradução. Mas os princípios envolvidos precisam ser os mesmos em casos menos triviais. O que importa é isso: se tudo que sabemos é quais sentenças um falante sustenta como verdadeiras, e não podemos assumir que sua linguagem é a nossa própria, então não podemos tomar nem mesmo o primeiro passo rumo a interpretação sem conhecer ou assumir uma boa parte das crenças do falante. Visto que o conhecimento de crenças chega somente com a capacidade de interpretar palavras, a única possibilidade para começar é assumir concordância geral sobre crenças. Tomamos uma primeira aproximação a uma teoria acabada ao assinalar às sentenças das condições de verdade de um falante que atualmente obtém (em nossa própria opinião) somente quando o falante sustenta aquelas sentenças verdadeiras. A diretriz política é fazer isso na medida do possível, sujeita às considerações de simplicidade, suspeitas sobre os efeitos de condicionamento social, e é claro nosso conhecimento do senso-comum, ou científico, de erro explicável.

O método não é designado para eliminar discordância, nem pode; seu propósito é tornar possível a discordância significativa, e isso depende inteiramente de uma fundação – alguma fundação – em concordar. A concordância pode tomar a forma de partilhamento difuso de sentenças sustentadas como verdadeiras por falantes da “mesma linguagem” ou concordância em geral mediada por uma teoria de verdade planejada por um intérprete para falantes de outra linguagem.

Visto que a caridade não é uma opção, mas uma conclusão de ter uma teoria funcional, é sem significado sugerir que possamos cair em um erro massivo ao endossá-la. Até termos com sucesso estabelecido uma correlação sistemática de sentenças sustentadas como verdadeiras com sentenças sustentadas como verdadeiras, não há erros a se fazer. A caridade é forçada sobre nós; gostemos dela ou não, se queremos entender os outros, precisamos considerá-los certos na maioria das questões. Se podemos produzir uma teoria que reconcilia a caridade e as condições formais para uma teoria, temos feito tudo o que poderia ter sido feito para garantir a comunicação. Nada mais é possível, e nada mais é preciso.

Fazemos sentido máximo das palavras e pensamentos de outros quando interpretamos de uma forma que otimize a concordância (isso inclui espaço, como dizemos, para erro explicável, isto é, diferenças de opinião). Onde isso deixa caso para o relativismo conceitual? A resposta é, penso eu, que precisamos dizer quase a mesma coisa sobre diferenças em esquemas conceituais assim como dizemos sobre diferenças em crenças: aprimoramos a clareza e a sensação de declarações de diferença, seja de esquema ou de opinião, ao ampliar a base para linguagem partilhada (traduzível) ou de opinião partilhada. De fato, nenhuma linha clara entre casos pode ser feita. Se escolhemos traduzir alguma sentença alienígena rejeitada por seus falantes por uma sentença na qual estamos fortemente anexados com base comunitária, podemos ser tentados a chamar isso de uma diferença de esquemas; se decidimos acomodar a evidência de outros modos, pode ser mais natural falar de uma diferença de opinião. Mas quando outros pensam de forma diferente de nós, nenhum princípio geral, ou apelo a evidência, pode nos forçar a decidir que a diferença reside em nossas crenças em vez de em nossos conceitos.

Precisamos concluir, penso eu, que a tentativa de dar um significado sólido a ideia de relativismo conceituai, e consequentemente à ideia de um esquema conceitual, não se sucede melhor quando baseada em falha parcial de tradução do que quando baseada em falha total. Dada a metodologia subjacente de interpretações, poderíamos não estar em uma posição para julgar que outros têm conceitos ou crenças radicalmente diferentes de nossas próprias.

Pode ser errado sumarizar ao dizer que mostramos como a comunicação é possível entre as pessoas que têm diferentes esquemas, uma forma que funciona sem necessidade daquilo que não pode ser, a saber, um fundamento neutro, ou um sistema comum coordenado. Pois não achamos base inteligível alguma, sobre a qual pode-se dizer que esquemas são diferentes. Seria igualmente errado anunciar a gloriosa notícia de que toda a humanidade – todos os falantes de uma linguagem, ao menos – partilham de um esquema e de uma ontologia comuns. Pois se não podemos inteligivelmente dizer que esquemas são diferentes, também não podemos inteligivelmente dizer que eles são um.

Ao desistir da dependência do conceito de uma realidade não interpretada, algo fora de todos os esquemas e ciência, não renuncia a noção de verdade objetiva – totalmente o contrário. Dado o dogma do dualismo de esquema e realidade, tomamos a relatividade conceitual, e a verdade relativa a um esquema. Sem o dogma, esse tipo de relatividade vai por água abaixo. É claro, a verdade das sentenças permanece relativa à linguagem, mas isso é o mais objetivo possível. Ao desistir do dualismo de esquema e mundo, não desistimos do mundo, mas reestabelecemos o tato imediato com os objetos familiares, cujas pegadinhas [antics] tornam nossas sentenças verdadeiras ou falsas.

Notas

 

[1] B.L. Whorf, “The Punctual and Segmentative Aspects of Verbs in Hopi”.

[2] T.S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions.

[3] W.V. Quine, “Speaking of Objects”, 24.

[4] T.S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 134.

[5] P. Strawson, The Bounds of Sense, 15.

[6] P. Feyerabend, “Explanation, Reduction, and Empiricism”. 82.

[7] B. L. Whorf, “The Punctual and Segmentative Aspects of Verbs in Hopi”. 55.

[8] T.S. Kuhn, “Reflections on my Critics”. 266, 267.

[9] P. Feyerabend, “Problems of Empiricism”. 214.

[10] W.V. Quine, “Two Dogmas of Empiricism”. 42.

[11] Ibid.

[12] Ibid., 44.

[13] W.V. Quine, “Speaking of Objects”. 1.

[14] Ibid., 25;

[15] Ibid., 24.

[16] W.V. Quine, “Two Dogmas of Empiricism”, 46.

[17] A. Tarski, “The Concept of Truth in Formalized Languages”.

* Tipo de navio de velas.

* Tipo de embarcação com dois mastros.

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