Texto introdutório (Hélio Sena): Neste texto, é aberta uma discussão sobre o conceito de "progresso" apresentado pelo pai fundador da historiografia moderna, Leopold von Ranke. O historiador alemão argumenta que a noção que possuímos sobre a palavra progresso não pode ser definida de forma redutiva como uma simples evolução que avança em linha reta ou como algo meramente teleológico na história. Isso ocorre porque, enquanto uma nos nega a nossa liberdade (isto é, a liberdade humana), a outra nos pressupõe uma condição que Ranke considera indigna do divino. Sendo a compreensão da história um assunto de diversos debates filosóficos, Ranke posiciona-se com uma abordagem mais complexa para compreender os fenômenos dominantes de cada época, rejeitando assim as demais posições deterministas e teleológicas da história e convidando os futuros historiadores a analisar de forma crítica o conceito de progresso e como ele deve ser aplicado corretamente no estudo histórico.
Sobre as Épocas da História Moderna
Por Leopold Von Ranke
1. Como o conceito de “progresso” deve ser entendido na história
Se assumirmos, em comum com muitos filósofos, que toda a humanidade está se desenvolvendo de um dado estado original para um objetivo positivo, poderíamos conceber esse processo de duas maneiras. Ou uma vontade geral de orientação promove o desenvolvimento da raça humana de um ponto a outro, ou há na humanidade um vestígio de natureza espiritual que necessariamente impulsiona as coisas em direção a um certo objetivo. Eu não consideraria essas duas visões filosoficamente sustentáveis ou historicamente demonstráveis.
Não podemos considerar essas visões filosoficamente aceitáveis porque o primeiro caso chega ao ponto de acabar com a liberdade humana e transforma os homens em ferramentas sem vontade própria; e, no último caso, os homens teriam que ser Deus ou nada.
Mas, historicamente, essas visões também não são prováveis. Pois, em primeiro lugar, a maior parte da humanidade ainda está em seu estado original, no próprio ponto de partida. E então surge a questão: o que é progresso? Onde o progresso da humanidade é perceptível? Elementos do grande desenvolvimento histórico foram incorporados nas nações latina e germânica. Aqui, com certeza, existe um poder espiritual que se desenvolve passo a passo. De fato, o poder histórico do espírito humano em toda a história é inconfundível, um movimento iniciado em tempos primitivos que continua com certa firmeza. Há, no entanto, apenas um sistema de populações entre a humanidade que participa desse movimento histórico geral, enquanto outros são excluídos dele.
Mas, em geral, também podemos ver as nacionalidades envolvidas no movimento histórico como não progredindo de forma constante. Por exemplo, se voltarmos nossa atenção para a Ásia, veremos que a cultura se originou lá e que o continente teve várias épocas culturais. No entanto, o movimento tem sido, de modo geral, retrógrado; pois a época mais antiga da cultura asiática foi a mais florescente. As segunda e terceira épocas, nas quais os elementos gregos e romanos dominaram, não foram tão significativas, e com a invasão dos bárbaros — os mongóis — a cultura na Ásia desapareceu completamente. Em vista desse fato, a tese da progressão geográfica foi proposta. Devo, no entanto, desde o início, declarar que é uma afirmação vazia assumir, como fez, por exemplo, Pedro, o Grande, que a cultura estava fazendo as rondas do globo; que tinha vindo do Oriente e estava retornando para lá novamente.
Em segundo lugar, outro erro deve ser evitado aqui, a saber, a suposição de que o desenvolvimento progressivo dos séculos abrange ao mesmo tempo todos os ramos da natureza e das habilidades humanas. Para enfatizar apenas um exemplo, a história nos mostra que, nos tempos modernos, a arte floresceu mais no século XV e na primeira metade do século XVI, mas no século XVII e nos primeiros três quartos do século XVIII, ela declinou mais. O mesmo é verdade para a poesia: também há apenas breves períodos em que essa arte é realmente notável, mas não há evidências de que ela se eleve a um nível mais alto no curso dos séculos.
Se assim excluirmos uma lei geográfica do desenvolvimento e, além disso, tivermos de assumir, como a história nos ensina, que podem perecer povos entre os quais o desenvolvimento que começou não abrange tudo de forma constante, reconheceremos melhor a substância real do movimento contínuo da humanidade. Baseia-se no fato de que as grandes tendências espirituais que governam a humanidade às vezes seguem caminhos separados e, em outras ocasiões, estão intimamente relacionadas. Nessas tendências, no entanto, há sempre uma certa direção particular que predomina e faz com que as outras recuem. Assim, por exemplo, na segunda metade do século XVI, o elemento religioso predominou tanto que o literário recuou diante dele. No século XVIII, por outro lado, a busca pela utilidade ganhou tanto terreno que a arte e as atividades relacionadas tiveram de ceder diante dela.
Assim, em cada época da humanidade, uma certa grande tendência se manifesta; o progresso repousa no fato de que um certo movimento do espírito humano se revela em cada época, enfatizando, às vezes, uma tendência e, outras vezes, a outra, manifestando-se de maneira característica.
Se, em contradição com a visão expressa aqui, alguém assumisse que esse progresso consistia no fato de que a vida da humanidade alcança um potencial mais alto em cada época — isto é, que cada geração supera completamente a anterior e que, portanto, a última época é sempre a preferida, enquanto as épocas que a precedem são apenas degraus para as que se seguem — isso seria uma injustiça por parte da divindade. Tal geração que, por assim dizer, se tornará um meio, não teria nenhum significado para si mesma. Teria significado apenas como um trampolim para a geração seguinte e não teria uma relação imediata com o divino. Mas eu afirmo: cada época é imediata para Deus, e seu valor não se baseia de forma alguma no que deriva dela, mas repousa em sua própria existência, em seu próprio eu. Desta forma, a contemplação da história, isto é, da vida individual na história, adquire sua própria atração particular, pois agora cada época deve ser vista como algo válido em si mesma e se parecer altamente digna de consideração.
O historiador, portanto, tem que prestar atenção particular, antes de tudo, a como as pessoas em um certo período pensavam e viviam. Então, ele descobrirá que, além de certas ideias principais eternas e imutáveis, por exemplo, as da moralidade, cada época tem sua própria tendência particular e seu próprio ideal. Mas, embora cada época tenha sua justificativa e seu valor em si mesma, ainda não se deve ignorar o que surgiu dela. O historiador deve, portanto, em segundo lugar, perceber a diferença entre as épocas individuais, a fim de observar a necessidade interna da sequência. Não se pode deixar de reconhecer um certo progresso aqui. Mas eu não gostaria de dizer que esse progresso se move em linha reta, mas mais como um rio que, à sua maneira, determina seu curso. Se eu ousar fazer esta observação, imagino a divindade — já que nenhum tempo está diante dela — como examinando toda a humanidade histórica em sua totalidade e encontrando-a em todos os lugares de igual valor. Há, com certeza, algo de verdadeiro na ideia da educação da humanidade, mas, diante de Deus, todas as gerações de homens parecem dotadas de direitos iguais, e é assim que o historiador deve ver as coisas.
Na medida em que podemos seguir a história, o progresso incondicional, um movimento ascendente mais definido, deve ser assumido no reino dos interesses materiais, em que o retrocesso dificilmente será possível, a menos que ocorra uma imensa reviravolta. Em relação à moralidade, no entanto, o progresso não pode ser rastreado. As ideias morais podem, com certeza, progredir extensivamente; e assim também se pode afirmar em questões culturais [geistige] que, por exemplo, as grandes obras que a arte e a literatura produziram são apreciadas hoje por um número maior do que antes. Mas seria ridículo querer ser um escritor de épicos maior do que Homero ou um escritor de tragédias maior do que Sófocles.
2. O que se deve pensar sobre as chamadas Ideias Principais da História
Os filósofos, particularmente a escola hegeliana, estabeleceram certas ideias segundo as quais a história da humanidade se desenrola como um processo lógico de declaração, contra-afirmação e mediação, em elementos positivos e negativos. No entanto, na escolástica, a vida perece; e assim também essa visão da história, esse processo do espírito se desenvolvendo de acordo com várias categorias lógicas, levaria de volta àquilo que já rejeitamos acima. De acordo com essa visão, apenas a ideia teria uma vida independente, e todos os seres humanos seriam meras sombras ou fantasmas inflados por essa ideia.
A doutrina segundo a qual o espírito do mundo produz coisas, por assim dizer, por meio do engano e usa as paixões humanas para atingir seus objetivos é baseada em uma ideia totalmente indigna de Deus e da humanidade. Perseguida até sua conclusão lógica de forma consistente, essa visão pode levar apenas ao panteísmo. A humanidade é, então, Deus em processo de se tornar, que dá à luz a si mesma por meio de um processo espiritual que reside em sua natureza.
Posso, portanto, entender por “ideias principais” apenas as tendências dominantes em cada século. Essas tendências só podem ser descritas, mas, em última análise, não podem ser subsumidas sob um conceito. Caso contrário, voltaríamos novamente àquilo que rejeitamos acima.
O historiador deve diferenciar as grandes tendências dos séculos e desenrolar a grande história da humanidade, que é apenas o complexo dessas várias tendências. Do ponto de vista da ideia divina, não posso pensar no assunto de forma diferente, mas sim que a humanidade abriga em si uma infinita multiplicidade de desenvolvimentos que se manifestam gradualmente de acordo com leis que são desconhecidas para nós e que são mais misteriosas e maiores do que se pensa.