"Sobre as Instituições", O Legado de Max Weber (cap. 2)

"Sobre as Instituições", O Legado de Max Weber (cap. 2)

Nota Introdutória,

Segundo Cap. de "O Legado de Max Weber" de Ludwig Lachmann, neste capítulo nosso economista e, neste caso, sociólogo busca elaborar com base nos escritos de Weber uma teoria geral de instituições, Weber não nos deixou uma teoria geral de instituições sistematizada e, com auxílio da interpretação de nosso primeiro cap., ou seja, a interpretação praxiológica do método de Weber, Lachmann busca desenvolver sua teoria.

Sobre as instituições

 

I

 

Compreender a ação humana significa compreender o plano que orienta os atos observáveis aos quais ela dá origem. O método praxiológico, que visa nos permitir compreender a ação, repousa no paralelismo entre ação e plano, fato que não tem contrapartida na natureza. O plano que se desdobra gradualmente no espaço e no tempo contém, assim como vimos, um esquema de orientação que deve compreender a finalidade, os meios e os obstáculos. Assim, a ação é orientada para eles.

Devemos agora voltar à segunda questão que levantamos no final de nosso primeiro ensaio, ou seja, a inter-relação entre as ações de vários agentes. Dissemos ali que formalmente para o ator não há diferença entre a ação dos outros e quaisquer outras circunstâncias que afetem as restrições que limitam sua liberdade de ação. Mas também apontamos que, materialmente, uma diferença significativa reside no fato de que, como a ação humana é mais volátil que as condições da natureza, é muito menos fácil de prever. Em uma sociedade complexa como a nossa, na qual o sucesso de nossos planos depende indiretamente das ações de milhões de outras pessoas, como nosso esquema de orientação pode nos fornecer uma orientação firme? A resposta precisa ser procurada na existência, natureza e funções das instituições.

Uma instituição fornece meios de orientação a um grande número de agentes. Ela permite que eles coordenem suas ações por meio de orientação comum. Se o plano é um esquema mental no qual as condições de ação são coordenadas, podemos considerar as instituições, por assim dizer, como esquemas de orientação de segunda ordem, para os quais os planejadores orientam seus planos como agentes orientam suas ações para um plano. Investigar a natureza, as funções e as relações estruturais entre instituições é a tarefa principal deste ensaio.

Quer enviemos uma carta, esperemos por um trem ou passemos um cheque, nossa ação está em cada caso orientada para uma complexa rede de ação humana, da qual sabemos o suficiente para fazê-la servir nossos fins, embora possamos não saber quase nada sobre a ordem interna de trabalho destas instituições. Sabemos, é claro, que essa ordem de trabalho interna existe, mas em nossa vida cotidiana não nos interessamos por seus detalhes. Sabemos muito bem que os Correios trabalham de acordo com um plano geral, mas tal conhecimento que temos sobre ele é geralmente bastante irrelevante para a realização de nosso propósito ao enviar uma carta. Apenas alguns aspectos deste plano geral, talvez os tempos de coleta e entrega de correspondência, precisam ser motivo de preocupação para nós.

A existência de tais instituições é fundamental para a sociedade civilizada. Elas permitem que cada um de nós confie nas ações de milhares de outros anônimos, sobre cujos propósitos e planos individuais nada podemos saber. Elas são pontos nodais da sociedade, coordenando as ações de milhões de pessoas que elas aliviam da necessidade de adquirir e digerir conhecimento detalhado sobre os outros e formar expectativas detalhadas sobre sua ação futura. Mas mesmo o conhecimento da sociedade que elas fornecem de forma altamente condensada pode não ser relevante para a realização de nossos propósitos imediatos. A economia de esforço pode nos induzir a ignorar, na maior parte do tempo, uma boa parte do conhecimento disponível para nós.

A maioria dos bancos exibe orgulhosamente seus balanços em suas agências, mas um cliente normal raramente olha para eles.

A existência de instituições levanta um grande número de problemas, dos quais apenas alguns poucos podemos considerar aqui. Mas três deles parecem ocupar um lugar tão proeminente que teremos de examiná-los em detalhes.

Há, em primeiro lugar, o problema da mudança institucional. Para que as instituições nos sirvam como pontos firmes de orientação, sua posição no firmamento social deve ser fixa. Os sinalizadores não devem ser deslocados. Por outro lado, é quase impossível imaginar que bancos, ferrovias e outras instituições estejam totalmente isentos de mudanças. Parece que tal mudança não precisa interferir nos planos dos usuários das instituições, desde que seja conhecida com antecedência. Mas algumas mudanças não obedecerão a esta condição. O que acontece então? São possíveis situações nas quais as instituições induzam em erro em vez de orientar as ações planejadas?

Há, em segundo lugar, o problema da ordem institucional e de sua unidade. Para as instituições servirem de instrumentos de coordenação, elas mesmas não precisam ser coordenadas? Se sim, ou seja, se cada instituição faz parte de uma estrutura abrangente, qual é a natureza das forças que a integram? E qual seria o caráter das circunstâncias em que estas forças deixaram de funcionar? Em outras palavras, quais são as condições de integração e desintegração?

Da confluência destes dois problemas surge, em terceiro lugar, a questão se as forças de integração, supondo que operem, operariam em todas as condições de mudança. É evidente que o surgimento de novas instituições, em parte para substituir as mais antigas, mas em parte para preencher “lacunas” na estrutura institucional, levanta questões que pertencem a esta terceira categoria.

Qual é a natureza geral das condições nas quais essas novas instituições se “encaixariam” na estrutura existente? E onde estas condições não existem, é impossível que surjam novas instituições? Se não, isso significa que a estrutura institucional existente teria que mudar de forma a acomodar as novas acreções, ou que será prejudicada por elas?

Enumerar estas questões é apenas dar um esboço muito rudimentar das tarefas com as quais nos confrontamos. Mas, antes de nos debruçarmos sobre elas, teremos primeiro que nos desviar e examinar o que Weber pensava sobre isso. Contudo, ao examinarmos o legado de Weber, logo teremos de aprender que a construção de uma teoria de instituições designada a responder nossas perguntas com base neste legado é tudo menos fácil.

 

II

 

Nenhuma teoria geral de instituições pode ser encontrada no trabalho de Weber. Para ser correto, ele tem muito a dizer sobre as instituições e seus modos de mudança. Ainda hoje, seu trabalho é uma de nossas mais ricas minas de informação sobre as instituições e suas mudanças ao longo da história. Certamente temos o direito de dizer que toda a gama de instituições, religiosas, políticas, econômicas, legais e educacionais que sua poderosa mente abrangeu, e seus modos de mudança sob o impacto de variadas forças sociais, sempre estiveram na vanguarda de seus interesses. Mesmo assim, continua sendo verdade que ele nunca formulou uma Teoria Geral das Instituições. Fragmentos de tal teoria podem ser encontrados e, naturalmente, teremos que examiná-los cuidadosamente. Mas um quadro geral coerente dentro do qual esses fragmentos encontrariam seus lugares não faz parte do legado da Weber. É possível encontrar razões para esta ausência de uma estrutura geral que pareçam superficialmente plausíveis, mas que não forneçam uma explicação real. Três dessas razões se sugerem prontamente ao estudante da obra de Weber.

A primeira é de caráter linguístico. O Alemão moderno não possui palavra que corresponda exatamente ao significado da palavra inglesa “institution”. A palavra alemã Institution possui um significado mais restrito, confinada às instituições organizadas. No Alemão moderno, a família é, mas o idioma não é, uma Instituição. Weber geralmente evita o termo por completo e fala em Anstalt, um termo legal que designa uma associação organizada. Os sociólogos Alemães modernos, por outro lado, adotaram o termo Gebilde precisamente para tornar o significado do termo mais amplo, e Weber conhecia a palavra. Além disso, Menger, em seu Untersuchungen, utilizou a palavra Instituição exatamente no mesmo sentido que tem no inglês atual. A sugestão, portanto, de que a Weber, mesmo que ele quisesse formular uma teoria geral das instituições, teria faltado o molde linguístico no qual lançou seu pensamento, não carrega muita convicção.

Uma segunda razão, e mais forte, talvez encontremos na visão repetidamente expressa por Weber de que a teoria, embora seja uma ferramenta necessária ao arsenal do historiador, nunca deve se tornar um fim em si mesmo. Ele certamente depreciou toda teoria sobre si própria. Em geral, ele não viu razão para um nível de abstração mais elevado do que a natureza do objeto concreto em consulta necessitava. Assim, ele pode ter pensado que uma teoria geral das instituições era desnecessária.

Mas será que devemos realmente acreditar que uma mente tão poderosa quanto a dele, tendo dominado um número quase incrível de fatos detalhados sobre instituições das mais diversas espécies, do Judaísmo antigo à Rússia Czarista, da China à América moderna, nunca sentiu a necessidade de uma estrutura de generalizações a ser extraída desses fatos? Como, de fato, é possível até mesmo ordenar este vasto estoque de fatos sem estabelecer um certo número de generalizações em algum nível?

Weber não se opôs à teoria como tal, mas apenas à teoria desnecessária ou, o que é a mesma coisa, teoria em um nível de abstração mais elevado do que pede o objeto de inquérito. Tentamos mostrar na primeira seção deste ensaio por que uma teoria geral de ação como a de Weber não apenas garante, mas realmente exige, uma teoria geral de instituições. Além disso, os fatos mostram que, ocasionalmente, especialmente quando o (geralmente polêmico) contexto do discurso parecia exigi-lo, Weber não era de forma alguma avesso ao estabelecimento de generalizações de uma ordem bastante alta de abstração. Teremos de dedicar atenção a alguns destes. O que permanece um enigma não é, portanto, a ausência de generalizações na obra de Weber, mas sua falha em integrar as generalizações que existem em uma estrutura coerente.

Uma terceira razão, que alguns considerarão como uma variante da segunda, pode ser encontrada nas circunstâncias que envolvem o treinamento inicial da Weber na Escola Histórica. A teoria abstrata, pode-se dizer, Weber não se sentiu como sendo seu métier. Ele não negou sua necessidade, mas, em geral, exceto em casos de (polêmica) emergência, estava inclinado a deixá-la a outros mais bem equipados do que ele. Não era para ele as longas cadeias de raciocínios dedutivos procedentes de alguns poucos axiomas apropriadamente escolhidos, mas sempre de forma arbitrária. Ele sentiu que podia fazer o melhor trabalho possível cultivando outros campos.

O problema com esta explicação é que, como já sabemos, Weber se interessou pelo lugar da teoria abstrata no pensamento social. Como se pode estar interessado em metodologia sem estar interessado em todos os métodos, por mais abstratos que alguns deles possam ser, que podem ser usados em uma disciplina? A esta pergunta, a resposta pode ser que uma coisa é ser crítico dos métodos, e outra bem diferente é praticá-los.

O fato, porém, é que, especialmente em argumentos polêmicos, Weber não evitou níveis de abstração da qual, se esta explicação fosse válida, deveria ter sido cauteloso. De qualquer maneira, podemos ter certeza de que, se ele tivesse pensado em uma Teoria Geral das Instituições, nem as limitações de sua formação em teoria econômica, nem qualquer outra coisa o teriam impedido de criá-la. Ao apresentarmos nossa própria hipótese de por que ele não o fez, temos de explicar, em primeiro lugar, por que ele pode não ter pensado que isso era necessário.

No Methodenstreit, um interesse no qual, como vimos anteriormente, desencadeou os estudos metodológicos da Weber, a origem, natureza e funções das instituições ocupavam um lugar de destaque. A Escola Historicista Alemã havia acusado os economistas clássicos de ignorar os efeitos do ambiente institucional sobre a ação humana. Apontando para a variedade e diversidade das instituições econômicas em diferentes sociedades e séculos, os adeptos desta escola perguntaram como um modelo analítico poderia possivelmente explicar todas as variedades da ação econômica em circunstâncias tão diversas. Pareceu-lhes que esta diversidade de instituições por si só invalidava aquela teoria universal da economia de mercado que está no coração da economia clássica.

Diante deste desafio, Menger decidiu contra-atacar por uma jogada ousada[1]. Ele admitiu a importância das instituições para a ação econômica, mas distinguiu entre aquelas que são produto da legislação (“a vontade comum”) e aquelas que não o são. Ele então levantou a famosa questão: “Como pode ser que as instituições que servem o bem-estar comum e são extremamente significativas para o seu desenvolvimento, surgiram sem uma vontade comum voltada para o seu estabelecimento?”, que ele descreveu como “talvez o problema mais notável das ciências sociais” (p. 146).

Sua resposta foi, brevemente, que “aquelas estruturas sociais que são o resultado não intencional do desenvolvimento social” são todas, mais ou menos, como preços de mercado e taxas salariais, na medida em que, em um longo processo histórico, surgiram como resultado de homens perseguindo seus interesses. “Elas se apresentam-nos como o resultado não intencional de esforços individuais de membros da sociedade, ou seja, de esforços na busca de interesses individuais […] são […] o resultado social não intencional de agentes teleológicos individuais”. (p. 158) Na linguagem Marshalliana podemos dizer que, enquanto no curto prazo os fenômenos econômicos são de fato moldados por instituições existentes, no longo prazo estas instituições são moldadas pelas próprias forças cuja ubiquidade e poder universal a Escola Histórica havia negado. Desta forma, Menger alegou ter arrancado uma arma muito poderosa das mãos de seus oponentes. Pois eles não haviam entendido a verdadeira natureza das instituições, “uma natureza que até agora tem sido caracterizada meramente por vagas analogias ou por frases sem sentido” (p. 158), enquanto ele havia demonstrado que esta natureza é idêntica à de fenômenos estritamente econômicos como preços de mercado, taxas salariais etc.

Temos aqui, então, o que podemos chamar de teoria praxiológica das instituições, reconhecidamente em linhas gerais, na qual a existência de certas instituições é explicada como o resultado não intencional da busca de planos individuais por um grande número de agentes—como um “resultado de forças sociais”, e não um produto de desígnio social. Na terminologia de Menger, elas são as instituições de origem orgânica, não pragmática. Podemos observar que nesta parte de seu livro, Menger nada diz sobre o que determina as ações humanas que possuem tais efeitos sociais não concebidos. A busca de interesses individuais é aqui uma noção ampla, sem qualquer conotação determinista. Dentro das limitações de uma dada situação, presume-se que os homens são livres para perseguir seus fins.

Infelizmente, este traço voluntarista da tese de Menger foi manchado por seu Apêndice VI que traz o título “O Ponto de Partida e o Objetivo de toda a Economia Humana são Estritamente Determinados” (pp. 216-19). Aqui, Menger argumenta que toda ação econômica é estritamente determinada pelas necessidades humanas e pelos recursos disponíveis para satisfazê-las: “Nossa necessidade direta e os bens imediatamente disponíveis estão, em relação a qualquer momento presente, fatos dados que não estão dentro de nosso arbítrio” (p. 217). Ele admite que a ação humana enquanto tal, “a forma que pode realmente ser tomada ou será realmente tomada pelos agentes humanos […] não é de forma alguma estritamente determinada a priori […]”. Mas as razões para isto são “Arbítrio, erro e outras influências”. Sem tais influências, portanto, toda ação humana seria determinante.

É possível, com certeza, ver neste Apêndice VI uma recaída em um período anterior do pensamento de Menger, um determinismo mais rígido orientado para os ideais da ciência natural do século XIX, ao qual Weber, como sabemos, se opôs. Mas o leitor deve ser perdoado se ficar perplexo com o contraste entre as duas passagens.

Qual foi a atitude de Weber em relação a esta questão? Como vemos, ele discordou da Escola Historicista e estava bastante disposto a dar a Menger sua bênção cuidadosamente qualificada, mas pode-se sentir que ele se sentia inquieto, no entanto, com a posição bastante ambígua de Menger sobre o determinismo e achou possível convencer-se de que Menger também não tinha a resposta completa. Nestas circunstâncias, ele pode ter considerado sábio deixar toda a questão em aberto—uma atitude que, de qualquer forma, viria naturalmente a um discípulo da Escola Historicista. Para Weber, com sua aversão à teoria “desnecessária”, nenhuma teoria geral parecia ser necessária nesta situação.

A rejeição de Weber à teoria Volksgeist das instituições, defendida por alguns, embora não todos, os adeptos da Escola Historicista, é enfática. No “Método Histórico de Roscher”, o primeiro artigo que escreveu após se recuperar de sua doença[2], ele endossa explicitamente a crítica de Menger de que Roscher e seus seguidores, a Escola Historicista de economistas, tinham entendido mal o método de Savigny e a Escola Historicista de Direito, ao fazer muito mais do Volksgeist do que esta última pretendia. Weber ressalta que esta noção é, na melhor das hipóteses, “um conceito auxiliar para a denotação preliminar de uma multidão de fenômenos concretos ainda não trabalhados logicamente” e “resultante de inúmeros efeitos culturais” havia sido dotada por Roscher de um “caráter metafísico” e considerada “a causa real das manifestações culturais individuais de um povo que dela emana.”[3] Tal metafísica era para ele um total desagrado.

Do contrário, porém, sua atitude em relação a Menger e sua teoria das instituições é bastante ambígua. É um fato curioso que em seu maior trabalho sobre metodologia, o Ensaio sobre a “Objetividade das Ciências Sociais”, de 1904, o nome de Menger não é mencionado uma única vez[4], embora todo o ensaio seja claramente dirigido contra o “naturalismo”, ou seja, a crença dogmática de que existe e pode existir apenas um método verdadeiramente científico. A visão de Menger sobre o determinismo na ação humana é aqui, evidentemente, relevante. Mais tarde, porém, em sua Sociologia do Direito, Weber assumiu, com algumas qualificações, a maior parte da tese de Menger sobre a origem das instituições “orgânicas” como resultado não intencional da ação individual na busca de interesses, como “resultante de forças sociais”—ao menos no campo das instituições jurídicas. Por outro lado, ele teve o cuidado de salientar que não considerava esta tese como uma explicação completa.

Parece legítimo inferir que a atitude ambígua de Weber em relação a Menger se deveu à atitude ambígua de Menger sobre a liberdade da ação humana. Weber, incerto até que ponto a teoria praxiológica de Menger sobre as instituições, com a qual ele era bastante simpático, repousava em última instância sobre uma premissa determinista, queria evitar um “confronto” com ele. Mas se ele tivesse tentado uma teoria geral das instituições, tal confronto não poderia ter sido evitado. Nesta situação, ele sentiu que o tempo não era propício para generalizações sobre um assunto tão precário.

 

III

 

Quer nossa explicação seja aceita ou não, o fato é que nenhuma teoria geral de instituições pode ser encontrada nos escritos da Weber. Mas precisamos de tal teoria, pois, sem ela, a teoria da ação, que dará expressão ao método praxiológico, estaria incompleta. Assim, enfrentamos a árdua tarefa de juntar que generalizações sobre instituições, de uma ordem suficientemente alta de abstração, somos capazes de colocar nossas mãos na obra de Weber, a fim de ver se elas podem servir de base para o edifício que temos que erguer.

Tomando por ordem de tempo as afirmações de Weber, a primeira é uma que já conhecemos: sua rejeição da interpretação “emanacionista” da origem das instituições no artigo de 1903 sobre Roscher, mencionado acima. Talvez possamos notar aqui que quando Weber descreve o Volksgeist como nada mais que “resultante de inúmeras influências culturais”, esta expressão é semelhante a uma por vezes encontrada em Menger, por exemplo, quando as instituições são descritas como “resultantes de forças sociais”.

A segunda declaração de Weber que nos interessa, encontramos no contexto de suas críticas à obra do filósofo do direito Stammler, em 1907, no “Paradigma do jogo de Skat”[5] (N.T.: um jogo de cartas alemão), Stammler, sem um uso muito cuidadoso dos termos, sustentou que a característica marcante da vida social era ser governada por regras, e havia falado da analogia com as “regras do jogo”. Como um jogo pode ser considerado uma instituição, o que Weber diz no contexto de sua polêmica contra Stammler lança alguma luz sobre sua visão geral sobre elas.

Seu ponto principal contra Stammler é que, embora a ação dos jogadores seja naturalmente orientada para as regras do jogo que eles estão jogando, e embora possamos chamar as regras de “pressuposto” de qualquer jogo concreto, isto não nos diz nada sobre os acontecimentos reais em um jogo concreto. Em nossa terminologia, as regras do jogo constituem um conjunto de pontos de orientação, limitando o raio de ação de cada jogador, mas também permitindo-lhe, pois as ações de seus rivais estão igualmente sujeitas a limitações, adivinhar com mais confiança o que eles farão. Dentro destes limites, a ação humana aqui, como em qualquer outro lugar, permanece livre. O argumento de Weber segue assim a linha geral antideterminista. As normas como tais não podem determinar um resultado concreto. Mas nada foi dito até agora sobre a origem das regras do jogo.

Em 1913 Weber publicou um ensaio no qual ele esclareceu o significado de alguns dos conceitos fundamentais a serem usados em sua magnum opus Wirtschaft und Gesellschaft, que, naquela época, ainda estava em seus estágios iniciais. A última parte deste ensaio é dedicada ao Anstalt, a instituição organizada. Aqui, ele faz três pontos que são de especial interesse para nós.

Em primeiro lugar, sobre a origem de tais instituições, ele enfatiza que as normas que as regem surgem “apenas nos casos mais raros por acordo autônomo de todos os participantes da ação futura, dos quais […] é esperada lealdade às normas”.[6] Quase sempre algumas pessoas proclamam tais normas e as outras se submetem a elas. As normas institucionais, portanto, têm sua origem habitual em Oktroyierung, nos poucos impondo sua vontade a muitos. Encontramos aqui, em linhas gerais, uma teoria da elite sobre a origem das instituições, e Weber perto da posição de Mosca e Pareto, sobre os quais, até onde sabemos, ele nada sabia.

Em segundo lugar, ele ressalta que a mesma instituição muitas vezes vem a significar coisas diferentes para pessoas diferentes, e o motivo de ser assim. Ela é criada por um primeiro grupo que a impõe ou “sugere” a outros. É “dirigida” por um segundo grupo, isto é, por executivos, que podem interpretar seu propósito de maneira diferente do primeiro. É então utilizada “para seus propósitos particulares” por um terceiro grupo para cujos membros é “um meio de orientação de seus atos (legais ou ilegais), porque certas expectativas relativas à conduta de outros a elas se prendem” (p. 472). Um quarto grupo, “e este são as massas”, simplesmente aprende por tradição certos modos de conduta em relação à instituição “em sua maioria sem qualquer conhecimento de propósito e significado, ou mesmo consciência da existência das normas” (p. 473). Ele mostra que o mesmo princípio se aplica ao dinheiro, que não é uma instituição “organizada”, um Anstalt. “Como realmente adquiriu suas qualidades peculiares, o usuário de dinheiro não sabe—visto que até mesmo os especialistas discutem sobre isso de forma tão violenta.”

Ao final do ensaio, ele enfatiza mais uma vez a função significativa das instituições, que reside no fato de que elas nos permitem orientar nossa ação para “expectativas inequívocas, às quais elas dão origem”. E aqui repousa o interesse específico do “empreendimento” capitalista racional em normas “racionais” cujo funcionamento prático, em termos de chances, pode ser tão bem calculado quanto o de uma máquina” (p. 474). Teremos de voltar mais tarde a este significativo ponto.

As generalizações mais importantes, do nosso ponto de vista, podem ser encontradas na Sociologia do Direito.[7] De fato, o que é dito aqui se aplica, estritamente falando, apenas às instituições jurídicas. Mas as generalizações que aqui encontramos são de natureza tão fundamental que são prontamente estendidas além da esfera jurídica.

Não é surpreendente que nesta parte de seu trabalho Weber estivesse no seu melhor, se lembrarmos que sua formação original foi em direito e história jurídica, e que incorpora a experiência de uma vida inteira. O próprio Weber deve ter sentido isto quando disse a sua esposa que era a parte mais “completa” de seu trabalho.

Na Sociologia do Direito encontramos certos temas, já familiarizados, com uma série de variações interessantes adicionadas. Weber pergunta: “Como surgem novas normas legais?” e responde que, embora hoje isso aconteça em grande parte pela legislação, nem sempre tem sido assim, e não precisa ser assim. Ele rejeita novamente a explicação metafísica das instituições: “Cientificamente, porém, essa concepção não leva a lugar algum” (p. 67). Ele também rejeita a opinião de que as mudanças nas “condições externas de existência” por si só são causas de mudanças legais. “O elemento realmente decisivo sempre foi uma nova linha de conduta que resulta em uma mudança do significado das regras de direito existentes ou na criação de novas” (p. 68).

Ele então adota cautelosamente o que é, em essência, a teoria praxiológica de Menger sobre a origem das instituições não concebidas. Novas formas institucionais são mais frequentemente criadas por indivíduos através de “invenção” e depois disseminadas por imitação e seleção: “Não apenas nos tempos modernos esta última situação tem sido significativa como fonte de reorientação econômica, mas em todos os sistemas nos quais o modo de vida atingiu pelo menos uma medida de racionalização” (p. 68).

Por outro lado, o caráter sistemático do direito, o postulado de que todas as normas legais constituem um sistema coerente, o sistema legal, é um produto tardio de nossa civilização. Weber, que em todo este capítulo é, talvez inevitavelmente, mais o historiador jurídico do que o sociólogo, atribui sua evolução principalmente aos hábitos mentais dos advogados continentais academicamente treinados, que estavam naturalmente inclinados a interpretar a ordem jurídica como um sistema “fechado” (assim como faz a moderna ciência). Ele está ciente que: “Entre as condições para o desenvolvimento de uma economia de mercado, o cálculo do funcionamento da maquinaria coercitiva constitui o pré-requisito técnico, bem como um dos incentivos, para o gênio inventivo dos juristas de cautelares” (p. 72). Mas não lhe parece ter ocorrido associar este desenvolvimento de “calculabilidade” ao caráter necessariamente formal de um sistema jurídico coerente. Pelo contrário, ele enfatiza diversas vezes os conflitos que podem surgir entre o “formalismo” do pensamento lógico dos advogados e as necessidades de seus clientes e do público em geral:

Não é de forma alguma a peculiar idiotice da moderna jurisprudência que leva a tais conflitos. Em grande parte, tais conflitos são antes a consequência inevitável da incompatibilidade que existe entre as necessidades intrínsecas do pensamento jurídico-formal logicamente consistente e o fato de que os acordos e atividades juridicamente relevantes de entes privados são voltados para resultados econômicos e orientados para expectativas economicamente determinadas. (p. 308)

Para nós, esta discrepância reflete meramente um problema mais profundo da sociedade.

Para Weber, então, o caráter sistemático da ordem jurídica é um produto tardio da história moderna, como outras manifestações da “racionalização”.

Para uma lei jovem, é desconhecido. De acordo com os modos de pensamento atuais, representa uma integração de todas as proposições legais derivadas analiticamente, de tal forma que elas constituem um sistema de regras logicamente claro, internamente consistente e, pelo menos em teoria, um sistema de regas sem lacunas, sob o qual, está implícito, todas as situações de fato concebíveis devem ser capazes de ser logicamente subsumidas para que sua ordem não careça de uma garantia efetiva […] De modo geral, o “sistema” tem sido predominantemente um esquema externo para a ordenação de dados legais e tem sido de pouca importância na derivação analítica de proposições legais e na construção de relações jurídicas. A forma especificamente moderna de sistematização, que se desenvolveu a partir do Direito Romano, tem seu ponto de partida na análise lógica do significado das proposições legais, bem como das ações sociais. (p. 62)

Por outro lado,

A crescente necessidade de conhecimento jurídico especializado criou o advogado profissional. Esta crescente demanda por experiência e conhecimento especializado e o consequente estímulo para a crescente racionalização da lei quase sempre vieram do crescente significado do comércio e dos que nele participam. Para a solução dos novos problemas assim criados, o treinamento especializado, ou seja, racional, é um requisito indispensável.

No entanto,

um corpo jurídico pode ser “racionalizado” de várias maneiras e de forma alguma necessariamente na direção do desenvolvimento de suas qualidades “jurísticas”. A direção na qual essas qualidades formais se desenvolvem é, no entanto, condicionada diretamente pelas condições “intrajurísticas”: o caráter particular dos indivíduos que estão em posição de influenciar “profissionalmente” as formas pelas quais a lei é moldada, e apenas indiretamente pelas condições econômicas e sociais gerais. (p. 97)

Weber também notou por quais forças sociais o caráter sistemático da ordem jurídica moderna é ameaçado:

Novas exigências para uma “lei social” baseada em postulados éticos tão emocionalmente coloridos como justiça ou dignidade humana, e assim dirigida contra o próprio domínio de uma mera moralidade empresarial, surgiram nos tempos modernos com o surgimento do problema de classe moderno. (p. 308)

 

IV

 

Agora devemos nos voltar para a tarefa de construir uma teoria de instituições que se encaixe em nosso esquema conceitual. Ao examinar o legado que Max Weber nos deixou, nos deparamos com uma série de generalizações que podem nos servir como blocos, mas também teremos de procurar outros materiais de construção. Se quisermos nos comportar como herdeiros sábios e responsáveis, tirando nosso legítimo usufruto, mas também acrescentando ao legado por nossos próprios esforços, não podemos descansar satisfeitos com as generalizações de Weber como elas estão. Temos de encaixá-las no edifício que estamos prestes a construir, uma teoria de instituições que pode ser ligada à teoria da ação, estabelecida no primeiro ensaio. Descobriremos que, como muitas vezes acontece, assim que tentamos encaixar uma série de generalizações até então isoladas em uma estrutura coerente, elas começam a revelar certas características problemáticas, que sem este teste teriam provavelmente passado despercebidas.

Ao voltarmos para nossa tarefa, não teremos que gastar muito tempo no exame da teoria das necessidades das instituições de Menger no Anexo VI. Devemos rejeitá-la. Na verdade, nenhuma instituição pode existir por muito tempo, a menos que satisfaça alguma necessidade. Mas nem toda necessidade gera uma instituição. A fraqueza desta teoria reside em sua incapacidade de nos fornecer qualquer critério para distinguir entre aquelas necessidades que encontrarão sua satisfação através de instituições apropriadas e aquelas que não o encontrarão. Menger estava, aqui como em qualquer outro lugar, prontamente inclinado a recorrer à analogia do mercado. Em uma economia de mercado, é claro, o sistema de preços atua como uma “agência centralizada” para a distribuição de bens e serviços. Temos aqui um critério simples pelo qual determinar quais necessidades serão de fato satisfeitas. No mercado, neste sentido, todas as necessidades são colocadas em harmonia, desde que consideremos os preços como índices objetivos das necessidades que os bens comprados a estes preços devem satisfazer. Quando esta disposição não se aplica, não há comparação de necessidades. Fora da esfera do mercado, nem mesmo uma agência unificadora como o sistema de preços pode ser encontrada. Portanto, devemos concluir que a teoria das necessidades das instituições não satisfaz nossa necessidade de uma teoria coerente sobre a origem e as funções das instituições.

Por outro lado, a teoria praxiológica de Menger sobre a origem das instituições não concebidas (“orgânicas”) é muito mais adequada às nossas necessidades analíticas. Aqui, temos uma teoria que explica a origem de tais instituições da mesma forma que outras inovações. Alguns homens percebem ser possível perseguir seus interesses com mais eficácia do que até agora e que uma situação existente oferece oportunidades não exploradas até agora. Em conjunto com outros, eles as exploram. Se tiverem sucesso, seu exemplo logo encontrará imitadores; a princípio alguns, depois muitos.

Os planos bem-sucedidos assim se cristalizam gradualmente em instituições. Dentro da esfera da liberdade de ação surgem novas instituições como pontos de orientação adicionais, que podem tomar o lugar de instituições mais antigas, que se tornaram obsoletas. A imitação do sucesso é, aqui como em qualquer outro lugar, a forma mais importante pela qual os meios da elite se tornam propriedade das massas. Uma vez que uma ideia originalmente captada por uma mente ávida tenha sido “testada” e considerada bem-sucedida, ela pode ser seguramente empregada como um meio para o sucesso por mentes menos ávidas e sem originalidade. As instituições são as relíquias dos esforços pioneiros das gerações anteriores, das quais ainda estamos nos beneficiando. Baseando-nos mais uma vez na analogia do mercado, podemos dizer que a teoria das instituições é o homólogo sociológico da teoria da concorrência na economia. Em ambos os casos, inovação e imitação são os elementos complementares do que é essencialmente o mesmo processo social.

Mas mesmo que considerássemos a resposta que acabamos de esboçar como, de modo geral, uma resposta satisfatória à pergunta sobre a origem e as funções de instituições não concebidas, uma nova série de perguntas intrincadas apareceria no horizonte. A maioria destas se agrupa em torno do problema da natureza e permanência da ordem institucional, um problema que permanecerá no centro de nossa atenção até o final do livro.

Quando homens diferentes, perseguindo com sucesso diferentes interesses, formam tipos de ação que, por imitação múltipla, gradualmente se cristalizam em instituições, como podemos saber que esses produtos não concebidos de busca individual serão todos compatíveis entre si? Será que todos eles formarão um sistema coerente? Que problemas surgirão se não for este o caso?

Ao tentar responder a estas perguntas, devemos receber pouca ajuda ao invocar a analogia do mecanismo de mercado quanto no caso da teoria das necessidades das instituições. Em uma economia de mercado, pode-se demonstrar a existência de uma “tendência para um equilíbrio geral” de preços e quantidades produzidas e trocadas, sujeita a uma série de condições, que incluem a ausência de mudanças inesperadas que perturbariam os planos. Fora da esfera do mercado, não se pode afirmar de forma significativa que essa tendência predominante para um equilíbrio geral funcione. Em todas as situações concebíveis existem forças “desestabilizadoras”, bem como “estabilizadoras” em ação. Além disso, é difícil imaginar qualquer tipo de mudança institucional que não perturbaria pelo menos alguns planos existentes. Invocar a analogia das forças de mercado não nos ajudará muito, portanto.

Também temos que lembrar que além das instituições não concebidas até agora discutidas, existem as da variedade projetada, produtos da legislação e outras manifestações da “vontade social”. Que razões temos para acreditar que todas as instituições, concebidas e não concebidas, se encaixarão facilmente em um todo coerente, quando já as não concebidos por si mesmas nos deixam em dúvida?

Nestas circunstâncias, devemos estabelecer claramente, como nosso próximo passo, se a coerência da estrutura institucional como um todo é de grande importância para nossa tarefa de construir uma teoria das instituições. Pois se não fosse assim, se, por exemplo, essa coerência fosse para nós uma característica de importância secundária para a tarefa em questão, talvez pudéssemos ignorar com segurança as dificuldades que agora aparecem em nosso horizonte.

Infelizmente, esta saída fácil não está aberta para nós. A coerência e a permanência da ordem institucional são de suma importância para aqueles envolvidos, como nós, no rastreamento de todas as principais condições de ação racional. Ao reduzir a incerteza do futuro que envolve toda ação humana, e ao nos ajudar a superar as limitações de nossa ignorância do presente, tal coerência e permanência são de fato de importância primordial.

Isto é mais facilmente visto se considerarmos inicialmente apenas as instituições legais. Aqui, é realmente óbvio que qualquer ato pelo qual alguém se compromete por um período significativo, se, por exemplo, concede um empréstimo reembolsável após vinte anos, envolve a coerência e a permanência de toda a ordem jurídica. Que em qualquer acordo entre credor e devedor envolve a coerência e a permanência das regras legais é óbvio o suficiente, mas pode-se pensar a princípio que este requisito se aplica apenas às regras relativas aos contratos de empréstimo. É claro que isto é uma falácia. Em primeiro lugar, não pode haver permanência de um conjunto de normas, a menos que elas sejam coerentes. Em segundo lugar, é impossível separar as disposições legais que regem os empréstimos do restante da ordem jurídica. Cada transação comercial concreta envolve um número tão grande de normas legais que seria impossível enumerá-las todas e, portanto, separá-las do resto da ordem jurídica. Que em nossa vida cotidiana não temos consciência deste fato, é claro, devido à ocorrência relativamente rara de disputas legais na vida dos não advogados, uma vez que é, via de regra, apenas no caso de disputa legal que estas questões são chamadas à nossa atenção, e mesmo em tal disputa apenas algumas regras se tornam objeto de litígio. Finalmente, em um sistema jurídico sem coerência, seria impossível prever o resultado de apenas um caso, pois seria impossível determinar o escopo e a natureza das “lacunas” no sistema, bem como todas as contradições concebíveis nele.

Portanto, é errado ver, com Weber, na coerência e permanência dos sistemas jurídicos modernos, nada mais que o sedimento de um certo tipo de educação jurídica, o produto de advogados cujas mentes, treinadas para a lógica e a ordem, exigiam uma disposição ordenada de sua caixa de ferramentas. Estas características de nossa ordem jurídica são tipicamente características não concebidas de nosso tipo de civilização.

Isto não é para negar que existe um sólido mérito na maneira de Weber de olhar para este desenvolvimento. Ao traçar a história de uma instituição há sempre muito a se dizer para enfatizar a propensão intelectual, o “espírito”, da elite que a criou. Instituições bem-sucedidas muitas vezes carregam a marca inconfundível do espírito de seus criadores, mesmo depois de séculos de mudanças. Mas a tendência a enfatizar tais origens espirituais é uma virtude que, como outras virtudes, pode ser praticada em excesso. Neste caso, os advogados também tiveram claramente que se orientar a partir das necessidades de seus clientes para uma ordem jurídica coerente.

A discrepância, enfatizada por Weber e mencionada acima (p. 64), entre a necessidade de homens de negócios por regras simples e as características complexas da lógica jurídica, naturalmente existe e frequentemente leva a conflitos entre os advogados e o público. Mas o verdadeiro conflito existe aqui mais entre a necessidade de simplicidade a curto prazo do empresário individual e a necessidade a longo prazo da comunidade empresarial como um todo de uma ordem jurídica coerente, implicando regras lógicas complexas. Nesta situação, os advogados atuam apenas como intermediários.

Surge agora a questão de como a coerência e a permanência da ordem jurídica podem ser conciliadas com os fatos da legislação anual. Como podemos falar da uniformidade e da existência contínua de um corpo de normas se cada uma dessas normas pode ser alterada a cada ano? A resposta necessita ser que é exatamente assim que o advogado precisa considerar o sistema legal, tanto quanto o comerciante vê seu estoque como um todo, como aparece em seu balanço, como consistindo inteiramente de partes facilmente substituíveis. É uma ficção jurídica necessária para dar coerência à estrutura do pensamento jurídico.

Mas temos que olhar para o assunto do ponto de vista praxiológico, como diferente do ponto de vista legal, e desconsiderar as ficções. À luz do que foi dito acima sobre a função social das instituições como sinaleiros, deve ficar claro que quanto mais frequentemente a ordem jurídica é sujeita a mudanças, por legislação ou interpretação judicial, mais ela perde sua capacidade de servir como um meio de orientação em relação à ação de outros. Este fato tem relação com toda a questão do status das instituições concebidas em nosso edifício conceitual. Deve haver claramente um limite para a quantidade de projetos e redesenhos anuais de instituições que a sociedade pode suportar. A ordem jurídica pode absorver algumas mudanças, mas não demasiadas, e elas não devem ser de um tipo fundamental.

Se quisermos agora estender nossa perspectiva da esfera jurídica às instituições da sociedade como um todo, temos que estabelecer, antes de tudo, a existência de coerência e permanência nesta esfera mais ampla. Sem dúvida, temos o direito de falar de uma ordem jurídica, mas com que direito podemos pretender falar de uma ordem institucional em geral? Mesmo que consigamos estabelecer a existência de tal ordem, é provável que ela precise ser uma muito mais frouxa e menos coerente do que a da esfera jurídica.

 

 

 

V

 

Em nossa situação poderia ser tentador invocar o apoio de uma das muitas teorias do “sistema social”, que agora abundam no campo das ciências sociais. Parece que, se a rede de relações sociais se presta a uma descrição em termos de “sistema”, as instituições terão, em grande parte, que fornecer sua estrutura e, portanto, ter um papel importante a desempenhar nele. E como as instituições possuem uma importante função na orientação da ação social, será que elas não se prestam assim prontamente ao tratamento em termos da variedade “estrutural-funcional” das teorias do sistema social?

Há várias razões pelas quais não devemos contar com tal apoio, e por que somos obrigados a procurar estabelecer a existência de uma ordem institucional por nossos próprios esforços. Em primeiro lugar, existem diferenças substanciais entre estas várias teorias, em particular no que diz respeito ao seu nível de abstração. Alguns autores não parecem significar por “sistema” nada mais do que a existência de um conjunto de relações sociais. Outros se baseiam em grande parte na especialização funcional. O status das instituições dentro do contexto dessas teorias exigiria um esforço considerável de esclarecimento. É evidente que uma boa parte da “estrutura” repousa nelas. Infelizmente, porém, a maioria dessas teorias prossegue em um nível tão elevado de abstração que nunca se sabe quando as instituições referidas são destinadas a ser instituições concretas, e quando são elementos de um sistema abstrato.

Há outra razão, ainda mais importante para nós, por que não devemos invocar o apoio das teorias do sistema social atualmente em voga para nos ajudar em nosso esforço. Estamos preocupados com o legado de Max Weber. Como apontamos na Introdução, a abordagem de Weber à ação social é algo muito diferente das teorias estruturais-funcionais.[8] Weber estava preocupado com o significado que o ator atribui à sua ação. A maioria das teorias de sistemas sociais ignora este aspecto da ação. No que diz respeito às instituições em particular, quando falamos de sua “função” na orientação e coordenação das ações de milhões de indivíduos, estamos seguindo Weber no uso desta palavra em um sentido muito diferente daquele que ela possui em “estrutural-funcional”. A teoria que estamos tentando estabelecer visa a redução de certos fenômenos sociais aos atos mentais humanos, como manifestados nos planos. A maioria das teorias mencionadas, ao contrário, visa estabelecer seus “sistemas” em termos de padrões recorrentes de ação sem referência ao significado que tal ação possui aos indivíduos que agem. Acreditamos que estamos fazendo uso legítimo do legado da Weber. Por conseguinte, dificilmente podemos esperar tirar proveito das teorias de sistemas sociais do tipo caracterizado.

Também devemos lembrar que Weber, como ele explicou longamente em sua famosa crítica a Stammler,[9] atribuiu grande importância à distinção entre normas legais e conduta humana orientada a tais normas, e enfatizou que a primeira não “determinam” de forma alguma a segunda. Assim, temos boas razões para distinguir cuidadosamente entre as normas legais e aqueles padrões recorrentes de conduta que chamamos de instituições. Estamos, então, no direito de falar de uma ordem institucional?

Em primeiro lugar, o simples fato de cada instituição denotar um padrão de conduta recorrente não implica, por si só, a existência de uma ordem institucional geral. Como foi o caso da ordem jurídica, o critério de existência de uma ordem institucional mais ampla, se esta puder ser demonstrada, teria que ser buscada em sua capacidade de perdurar a seus elementos individuais. As formas e o caráter de sua existência devem, portanto, ser estabelecidos separadamente daqueles de seus elementos componentes. Ao comparar o sistema jurídico com a ordem institucional mais ampla, temos que lembrar que a unidade da primeira reside em seu caráter de sistema de normas, enquanto a unidade da segunda terá que ser buscada em outro lugar.

Vamos agora comparar o sistema jurídico e a ordem institucional com relação a seus graus de coerência, e o faremos comparando-os com relação a quatro de suas características: permanência, consistência, unidade e complementaridade geral (“sem brechas”).

A primeira característica é evidentemente compartilhada tanto pelo sistema jurídico quanto pela ordem institucional como um todo. Simplesmente não podemos falar de um agregado como um “todo”, a menos que ele perdure mais que os elementos que o compõem. A importância da permanência da ordem institucional em geral, bem como para uma teoria de ação como a nossa, não requer comentários.

Quanto à consistência, nossa segunda característica, o assunto já é mais complicado. No caso das instituições jurídicas, a gama de compatibilidade requerida compreende todas elas. Duas instituições legais não podem ser incompatíveis. Com outras instituições, a exigência de compatibilidade é menos rígida, pois nem todas as instituições são utilizadas pelos mesmos agentes ou figuram nos mesmos planos. A existência de instituições militares baseadas na obediência absoluta à autoridade superior não impede a existência de outras instituições nas quais as ordens podem ser, e são esperadas a, ser questionadas, mesmo que os dois princípios sejam incompatíveis. Mas deve haver sempre algumas instituições fundamentais com as quais todas as outras são compatíveis.

A unidade do sistema jurídico repousa sobre o caráter lógico de suas normas. Ela decorre da natureza abrangente da gama de compatibilidade exigida, que acaba de ser discutida. Embora não encontremos uma contrapartida exata disto na esfera institucional mais ampla, no entanto, as instituições aqui também exibem uma “ordem”, elas não são um agregado de composição aleatória. Os Correios dificilmente poderiam assumir as funções da polícia, o clero dificilmente agiria como um Corpo de Bombeiros. A base desta ordem, a propriedade característica que lhe confere a unidade que possui, é aqui evidentemente a especialização funcional.

A maior diferença existe em relação a nossa quarta característica: a complementaridade total. O sistema legal é uma teia sem costura. Não possui “lacunas”. Um juiz perante o qual um caso é apresentado nunca pode se recusar a dar uma decisão com o argumento de que não conhece nenhuma norma legal para aplicá-la. Ele tem que encontrar uma. A ordem jurídica abomina um vácuo não menos que a natureza o faz. Na esfera institucional mais ampla, não encontramos paralelo a esta característica. Algumas instituições serão complementares na medida em que necessitam dos serviços umas das outras, como os Correios e ferrovias ou linhas aéreas. Na verdade, tal complementaridade de grupo é o resultado inevitável da especialização funcional de instituições individuais. Mas aqui não há necessidade de complementaridade intergrupais. As “lacunas” são onipresentes.

Como resultado de nossa comparação, temos que concluir que o sistema jurídico e a ordem institucional mais ampla compartilham a primeira característica de permanência, enquanto que a quarta, a complementaridade “sem lacunas”, está ausente desta última. No que diz respeito à compatibilidade das instituições, a gama é menos abrangente na esfera mais ampla do que no setor jurídico. Ambas mostram unidade suficiente para reivindicar o caráter de um todo estruturado, mas no caso das instituições da sociedade, esta unidade repousa na especialização funcional e não é de natureza lógica. Em resumo, temos que perceber que a coerência da ordem institucional mais ampla, embora certamente exista, é mais fraca do que a parte da qual é formada pelas instituições legais.

 Do fato de que as duas esferas, a mais larga e a mais estreita, compartilham a propriedade de permanência, decorre que elas também compartilham a característica notável de que a permanência do todo não implica a permanência de cada uma de suas partes. É tão verdadeiro da ordem institucional quanto de sua parte legal que a ordem como um todo dura, enquanto cada instituição individual pode mudar. Veremos que esta coincidência de permanência do todo com a flexibilidade de suas partes dá origem a uma série de intrincados problemas.

As instituições surgem e desaparecem, elas se movem e mudam. Uma instituição pode durar muito tempo, mas durante este tempo assume novas funções ou descarta as antigas. Descobriremos mais tarde que estes fatos provavelmente terão efeitos particularmente abrangentes na esfera das instituições políticas.

Estas mudanças institucionais, sem dúvida, ocorrem muitas vezes em resposta a necessidades em mudança, mas também muitas vezes por outras razões. Uma instituição pode deixar de existir, por exemplo, porque os serviços necessários a ela não estão mais disponíveis, talvez porque, devido a uma mudança no clima moral e intelectual da sociedade, as qualidades de vontade e mente necessárias dos responsáveis por ela se tornaram um objeto de desprezo ou escárnio, ou talvez porque aqueles com as habilidades necessárias são agora atraídos para outros caminhos. A importância de agentes como estes no “lado da oferta” fornece mais uma ilustração da inadequação da teoria das necessidades das instituições, que rejeitamos anteriormente. Para trazer uma nova instituição à existência requer não apenas a existência de certas necessidades, mas também a habilidade específica “empreendedora” do inovador, bem como a de seus imitadores de sucesso. Mas até mesmo para ajustar uma instituição existente a novos usos é necessário possuir habilidades específicas.

Em cada sociedade, portanto, a qualquer momento, encontraremos instituições pertencentes a diferentes “estratos” históricos, algumas das quais foram originalmente concebidas para fins muito diferentes daqueles para os quais são atualmente utilizadas e que, no entanto, juntas formam um padrão coerente—um padrão que, no entanto, não vai durar. Como a atual configuração de uma cidade antiga (na qual encontramos edifícios erguidos ao longo de muitos séculos e construídos em muitos estilos diferentes) não deve menos à engenhosidade de seus usuários atuais do que ao gênio dos arquitetos originais que provavelmente projetaram seus edifícios para fins totalmente diferentes, igualmente o padrão atual da ordem institucional não deve menos à engenhosidade dos usuários atuais dessas instituições do que ao de seus originadores. As instituições mudam menos como resultado da “modificação das circunstâncias” do que como resultado da ação humana projetada para atender às mudanças.

Mas qual a mudança de cada instituição é compatível com a permanência de nossa estrutura? Todo o problema de “flexibilidade versus coerência” aparece agora no horizonte. Deve haver alguma flexibilidade, algum espaço de manobra para que os homens possam perseguir seus vários interesses. Mas quanto disso podemos admitir antes que toda a estrutura institucional seja prejudicada?

Confrontados com este dilema, devemos lembrar que não se trata de uma mudança como tal, mas de uma mudança inesperada, que compromete a ação planejada. A posição de cada instituição sobre o firmamento social deve ser dada, ou, pelo menos, deve poder ser conhecida. Ela não precisa ser fixa, de fato, mas sua órbita, pelo menos, deve ser conhecida. Não o movimento como tal, mas o movimento irregular, desqualifica uma instituição de servir como um ponto de orientação. A exigência crucial é que os agentes sejam capazes de se orientar pelas instituições existentes, de ser capazes de se “guiar por elas”.

Uma noite no teatro com o primeiro ato de Hamlet, seguido pelo segundo ato de Macbeth e o terceiro ato de King Lear, poderia ter certa atratividade, desde que todos no elenco e no público conhecessem o programa de antemão. Somente se a direção o introduzisse inesperadamente surgiriam o caos no palco e a perplexidade na plateia. A razão pela qual tal programa pode ser viável é, naturalmente, que alguns agentes e atrizes possuem um repertório de papéis suficientemente amplo para permiti-lo, e que os planos imediatos da maioria dos espectadores de teatro se estendem por apenas algumas horas. Mas em nossa sociedade, especialmente na indústria moderna, muitos planos (edifícios, instalações, equipamentos) precisam se estender por um grande número de anos e, portanto, são particularmente suscetíveis a mudanças inesperadas. A conclusão parece inevitável de que quanto mais importantes se tornam os planos de longo prazo que, uma vez que o curso de ação planejado tenha sido posto em marcha, não pode ser ajustado à mudança subsequente, mais prejudicial se torna a mudança institucional. Uma vez que a qualquer momento algum plano de longo prazo está a ser executado, o tempo para uma mudança institucional indolor nunca chegará, a menos que seja dado aviso prévio a todas as partes interessadas com antecedência suficiente, para dar tempo à conclusão de qualquer plano em operação. Assim, é quase inevitável que toda mudança institucional perturbe alguns planos em seu curso de execução.

Infelizmente, ainda não chegamos ao fim de nossas dificuldades. É provável que esta mudança inesperada tenha outras repercussões. Em particular no que diz respeito à relação entre instituições projetadas e não projetadas, temos que observar que as instituições só podem ser projetadas para atender uma determinada situação conhecida, ou um número limitado de situações possíveis, isto é, concebíveis, mas não um número ilimitado de situações desconhecidas. Portanto, não nos deparamos apenas com o problema de como instituições concebidas e não concebidas podem se complementar umas às outras, de modo a formar juntas uma estrutura institucional coerente. Encontramos agora uma possibilidade ainda pior, a saber, que mudanças inesperadas de instituições não concebidas podem não apenas comprometer a coerência da estrutura institucional como um todo, mas, além disso, podem evitar o próprio desenho das instituições concebidas.

Aqui podemos contemplar a seguinte saída. Em uma sociedade na qual é geralmente conhecido que a mudança frequente de instituições não concebidas é inevitável, os projetistas de instituições concebidas podem deliberadamente limitar sua atividade à concepção de uma estrutura que deixe espaço para uma significativa quantidade (em princípio, uma quantidade ilimitada) de mudança que, uma vez que ocorrerá dentro da estrutura, não afetará esta última como tal. Este dispositivo servirá para resolver nosso segundo problema, mesmo que não possamos ter certeza de que a integração da estrutura institucional como um todo coerente possa ser realizada desta forma.

Esta ideia não é um mero fruto de nossa imaginação. A estrutura jurídica das sociedades ocidentais modernas conseguiu, de fato, algo semelhante ao modelo que acabamos de prever, deixando uma ampla esfera de “liberdade contratual” para os indivíduos que atuam na busca de seus respectivos interesses. A economia de mercado moderna não seria possível sem ela.

Em uma sociedade assim, pode-se dizer que as instituições não concebidas que evoluem gradualmente como o resultado não intencional e imprevisível da busca de interesses individuais se acumulam nos interstícios da ordem jurídica. Os interstícios foram planejados, embora os sedimentos que se acumulam neles não tenham sido, e não poderiam ter sido. Em uma sociedade deste tipo, poderíamos então distinguir entre as instituições externas, que constituem, por assim dizer, a estrutura externa da sociedade, a ordem jurídica, e as instituições internas, que evoluem gradualmente como resultado de processos de mercado e outras formas de ação individual espontânea. Parece-nos que é dentro de um esquema como este que a teoria praxiológica das instituições que estamos tentando estabelecer mais prontamente encontra seu lugar. Também acreditamos que Menger possuía um esquema semelhante a este em mente quando expôs suas ideias sobre instituições na terceira parte de seu livro.

Mas tal modelo do caráter das relações entre instituições externas e internas, projetadas e não projetadas, não é totalmente satisfatório para nosso propósito. Ele não leva em conta a natureza complexa das relações que se obtêm aqui. O contraste sugerido entre a firme estrutura externa e o vazio interno desforme pode, na verdade, ser altamente enganoso.

Em primeiro lugar, o modelo se baseia na suposição de que as instituições não concebidas evoluem, enquanto que as concebidas formam uma estrutura externa, ou seja, que as primeiras se alteram muito mais rapidamente do que as segundas. Mas as instituições projetadas também mudam e não temos motivos para acreditar que sua velocidade de mudança será sempre menor do que a da variedade não projetada. Os problemas de mudança estrutural das instituições projetadas nos ocuparão em um ensaio subsequente.

Em segundo lugar, os processos de mudança das duas classes não podem ser considerados independentes um do outro. As mudanças na ordem jurídica podem afetar a área de manobra dentro da qual os indivíduos se movem e as instituições não concebidas evoluem. Por outro lado, a evolução das instituições não concebidas também cria novos problemas para a ordem jurídica. Mais cedo ou mais tarde, algumas delas podem precisar ser coordenadas. A lei pode permitir que todos possam formar empresas com responsabilidade limitada, ou sindicatos, mas, mais cedo ou mais tarde, simplesmente para reduzir a quantidade de possíveis litígios, algumas regras legais sobre o relacionamento entre diretores e acionistas, secretários de filiais e membros, necessitarão ser promulgadas.

Em terceiro lugar, é sempre possível que a lenta evolução de algumas instituições, ainda que a princípio ocorra aparentemente dentro dos interstícios de uma ordem social e jurídica existente, conduza gradualmente ao que poderíamos chamar de “deformação do espaço social”. A coerência e a permanência da ordem social existente serão então comprometidas, mesmo sem qualquer mudança no sistema legal. O perigo será ainda maior quando as instituições em crescimento estiverem, de certo modo, em conflito entre si, de modo que apenas uma, mas não ambas, possam ser integradas à estrutura institucional existente. Desta forma, podem surgir problemas bastante graves.

Os problemas mencionados podem ser agrupados sob três categorias:

(1) aquelas que surgem da multiplicidade de fontes (interesses)—coerência;

(2) aquelas que surgem do lapso de tempo e da necessidade de ajustar as instituições existentes a novas instituições—flexibilidade, mudança;

(3) aquelas que surgem da incerteza quanto a quais novas instituições existirão no futuro —flexibilidade, mudança, ajuste a quê?

Vamos agora dar um exemplo oportuno de mudança institucional desestabilizadora na qual todas estas três categorias estão envolvidas.

Quando nos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial a maioria dos países do mundo ocidental adotaram as instituições britânicas de “negociação coletiva”, às vezes em sua forma puramente britânica, às vezes com a adição de instituições de arbitragem compulsória em disputas industriais, não foram ouvidas muitas vozes de discordância. Alguns economistas se mostraram conscientes do elemento de monopólio bilateral que a “negociação em nível industrial” de tarifas salariais e condições de trabalho implicaria, e apontaram os perigos inerentes a tal situação. Mas, via de regra, eles e qualquer outra pessoa que expressasse dúvidas sobre a excelência da nova permissão, eram simplesmente considerados como “reacionários”. Parecia que um problema que nas primeiras décadas da era industrial havia surpreendido tantos homens de boa vontade havia agora finalmente encontrado uma solução: como encaixar as relações de trabalho da indústria moderna na estrutura do mercado sem resultados que pareciam privar o trabalhador individual de toda influência no desfecho do processo de mercado. Afinal, a “negociação coletiva” era uma forma de barganha, e não era barganha a essência do mercado?

Como no mundo de 1920 a estrutura da economia de mercado era simplesmente tomada como algo dado, parecia que mesmo o conluio entre os negociadores só poderia ocorrer dentro de limites restritos. Com um sistema de preços competitivo em existência, nenhum preço e, portanto, nenhuma taxa salarial, poderia ficar muito fora de linha. De fato, o sistema de preços competitivos, por sua própria existência, estabelecia limites bastante estreitos para a área dentro da qual as taxas salariais podiam ser determinadas por meio de barganha. Qualquer tentativa dos sindicatos de induzir os empregadores a aceitar taxas salariais que eram “muito altas” afetaria negativamente o volume de vendas, levando ao desemprego. As instituições de negociação coletiva, vistas na perspectiva de 1920, pareciam estar embutidas em uma ordem econômica suficientemente forte e estável para garantir seu caráter benéfico.

Estamos vivendo em um mundo diferente. Nenhum economista negaria hoje que a inflação contínua que o mundo Ocidental sofre há mais de duas décadas tem algo a ver com os métodos modernos de determinação das taxas salariais. Agora temos que perguntar quais são as circunstâncias precisas que tornaram as instituições, que em 1920 pareciam bastante inofensivas, em uma fonte de processos sociais perigosos e desestabilizadores que a sociedade Ocidental contemporânea, por toda sua riqueza e sua exaltada eficiência, parece ser incapaz de parar. Temos aqui um exemplo claro do que chamamos acima de “deformação do espaço social”.

Três tipos de mudanças nas instituições econômicas, bem como no clima mental em que elas florescem, nos parecem as principais causas deste desenvolvimento, embora, sem dúvida, seja possível enumerar uma série de outros agentes que contribuem para o resultado inflacionário.

Há, em primeiro lugar, a mudança no sistema monetário de um padrão metálico para um sistema de dinheiro de dívida. O dinheiro moderno consiste em créditos contra bancos, bancos centrais ou governos. É da essência de tal sistema que o número total de tais créditos que podem ser criados é, em princípio, ilimitado, embora o controle por uma autoridade pública possa limitá-lo em qualquer momento específico. Enquanto no mundo de 1920 era possível afirmar que a quantidade limitada de dinheiro metálico mantinha o sistema de preços dentro dos limites e, assim, também estabelecia limites para as taxas salariais máximas alcançáveis por meio de barganha, não existe atualmente nenhum “determinante final”. Hoje, seria até mais correto dizer que a quantidade total de reivindicações monetárias é influenciada por nada mais que pela quantidade total de reivindicações salariais que tem sido concedida. Isto é o que o Sr. John Hicks quis dizer com o “padrão trabalho”, que substituiu o antigo padrão ouro. Em outras palavras, a transição de um padrão metálico para um padrão de crédito, a adoção de um sistema monetário no qual o dinheiro pode ser criado virtualmente à vontade, eliminou uma importante restrição externa ao poder de definição salarial dos barganhistas industriais.

A segunda mudança diz respeito ao poder de definição de preços dos industriais, que, ao mesmo tempo, representam um dos lados no processo de negociação. Hoje a maioria dos preços dos produtos industriais é definida por seus produtores, normalmente são preços de lista ou de catálogo. Quando os empregadores concedem taxas salariais mais altas, eles estão virtualmente certos de que poderão recuperar tais aumentos nos custos de produção, na forma de preços mais altos dos bens que vendem, em particular, porque sabem que seus concorrentes terão que pagar as mesmas taxas salariais elevadas.

Esta situação difere em aspectos importantes da que prevalecia na economia de mercado do século XIX. Naquele período, os bens industriais mais importantes (têxteis, carvão, móveis) eram tipicamente produzidos por empresas de porte relativamente pequeno, enquanto o mercado para eles era dominado por comerciantes atacadistas, que atuavam como intermediários entre produtores e vendedores do varejo. Esses vendedores atacadistas, que obtinham seus lucros exclusivamente de seu volume de negócios, estavam principalmente interessados em manter sua taxa de recebimento, mas não estavam nada interessados nos custos de produção, que não os afetavam diretamente. Eles tinham que fazer corresponder a oferta à demanda para que seus lucros não sofressem. Uma queda na demanda os induziria a reduzir seus preços de venda e, portanto, seus preços de compra. Os custos de produção dos bens tinham, então, que ser ajustados de acordo. Os preços de mercado determinavam as taxas salariais, e não o contrário.

Hoje o comerciante atacadista como definidor de preços praticamente desapareceu e com ele o sistema de preços flexíveis característico da economia de mercado do século dezenove. Atualmente, os preços são fixados pelos produtores industriais, mais interessados em sua margem de lucro do que em sua taxa de rotatividade. Uma queda na demanda levará hoje a uma queda na produção e no emprego, mas dificilmente a uma queda nos preços.

No entanto, estas duas mudanças institucionais por si só não teriam sido suficientes para provocar a inflação permanente de nossa época. A característica econômica mais importante de nossa era é certamente que, em nosso mundo, os preços podem, pelo menos a longo prazo, apenas subir, mas nunca cair. Nossas duas primeiras razões servem apenas para explicar por que, em nosso mundo, certas restrições ao aumento das taxas salariais, que em 1920 ainda eram universalmente consideradas algo certo, desapareceram. Elas ainda não explicam porque estas taxas salariais aumentam continuamente e não caem mesmo em tempos de depressão.

A terceira mudança que explica este mesmo fato não foi, a rigor, de natureza institucional, mas de natureza moral. Em nosso mundo, passou a ser aceito como um artigo de fé social que nenhuma taxa salarial deve jamais cair, que os assalariados têm o direito de esperar que sua renda em dinheiro aumente, pelo menos a longo prazo, e que esta expectativa não deve, em nenhuma circunstância, ser frustrada. Isto significa, para todos os efeitos práticos, que, como as taxas salariais só podem subir e nunca cair, o mesmo deve se aplicar aos preços.

Se esta mudança na atmosfera social na qual operam as instituições de negociação coletiva deve ser consideradas como a verdadeira causa do processo inflacionário, enquanto as outras duas mudanças mencionadas talvez só devam ser consideradas condições necessárias, é uma questão que não iremos aqui discutir. Toda ação humana é, naturalmente, orientada para as condições de seu sucesso. A lição que precisamos aprender com nosso exemplo é que uma mudança no clima mental pode, por si só, sem a criação de novas instituições ou o desaparecimento de velhos marcos no cenário institucional, revelar-se uma importante mudança institucional, pois afeta a forma com a qual os homens utilizam suas instituições existentes. Uma instituição não concebida, que originalmente era capaz de operar de uma das várias maneiras possíveis (as taxas salariais poderiam cair, subir ou permanecer constantes) pode, quando uma dessas maneiras se tornar socialmente obsoleta e outras mudanças institucionais ocorrerem concomitantemente, adquirir um tipo inteiramente novo de ímpeto nunca sonhado por seus pioneiros. Assim, é possível que uma instituição, sem qualquer mudança em sua forma externa de aparência e sem que ninguém, mesmo entre aqueles que dela fazem uso diário, conhecendo-a há muito tempo, mude gradualmente seu caráter, seu modus operandi e seu lugar em toda a estrutura institucional.

 

VI

 

Chegou a hora de olharmos para o caminho que percorremos e tentarmos tirar algumas conclusões acerca do que aprendemos.

Vimos que uma teoria de ação que visa a inteligibilidade deve repousar sobre o paralelismo entre plano e ação. As instituições servem para coordenar os planos nas grandes sociedades. Para servir a este propósito, elas devem formar uma estrutura à qual se possa atribuir coerência e permanência, já que nenhuma instituição se mantém sozinha e toda ação se estende para o futuro. Mas um mundo em mudança também exige flexibilidade de planos e instituições. Vimos que instituições não concebidas em particular podem ser consideradas planos de sucesso que se cristalizaram em instituições por imitação generalizada. Parece, portanto, que a necessidade de coerência e permanência, por um lado, e de flexibilidade, por outro, não podem ser facilmente conciliadas. Mas não precisamos perder as esperanças com nossa teoria de estrutura institucional.

Por um lado, não seria surpreendente se a gama de possíveis perturbações da ordem institucional geradas pela necessidade de flexibilidade revelada por nossa análise excedesse consideravelmente a gama real que provavelmente encontraremos em qualquer sociedade. Um esquema analítico como o nosso deve compreender toda a gama de possíveis, e não apenas as prováveis ocorrências. Quantas dessas ocorrências se tornarão reais é outra questão. A gravidade da ameaça potencial à estabilidade institucional que emana da necessidade de flexibilidade é uma questão de tempo. Uma mudança lenta é menos prejudicial que uma rápida. Quase todas as mudanças levam tempo, e assim também fazem suas repercussões. A quantidade de mudança possível por unidade de tempo também é limitada. Quanto às instituições projetadas, há um limite para a atividade anual de projetistas qualificados. Dispositivos como a legislação delegada podem ampliar esses limites, mas não podem apagá-los. No caso de instituições não concebidas, é preciso tempo para que os modos de ação bem-sucedidos se cristalizem em instituições. Leva tempo até mesmo para que os participantes descubram qual foi a ação bem-sucedida e qual não foi. Leva mais tempo para que tal conhecimento se difunda entre os potenciais imitadores. Além do aspecto temporal da questão, a própria frouxidão da estrutura institucional que discutimos acima tende a agir como um dispositivo de proteção em tais casos. A falta de complementaridade entre instituições de diferentes classes significa aqui que a área sobre a qual uma determinada mudança terá repercussões é limitada.

Por outro lado, temos claramente que nos perguntar como na realidade as sociedades continuam a lidar com tais problemas. Como a necessidade de coerência e permanência é conciliada com a necessidade de flexibilidade no mundo real? Embora, sem dúvida, tenham sido empregados diferentes dispositivos para este fim em sociedades diferentes e em momentos diferentes, quatro desses dispositivos parecem chamar a atenção no contexto de nossa investigação e ter direito a um lugar em um esquema analítico como o nosso.

Já estamos familiarizados com os dois primeiros do modelo que apresentamos na seção anterior. O primeiro dispositivo consiste em conceder aos indivíduos uma esfera bastante ampla de “liberdade contratual”, uma esfera na qual se espera que as mudanças sejam frequentes e que pode ser considerada a principal fonte de instituições não concebidas. O primeiro dispositivo consiste, então, brevemente, em ter instituições que são frequentemente mutáveis em uma esfera de ação definida.

Seu complemento, nosso segundo dispositivo, consiste em ter algumas instituições “fundamentais” que, pelo contrário, não são mutáveis de modo algum. Em nossa terminologia anterior, essas instituições externas devem fornecer uma firme estrutura exterior nos interstícios da qual os sedimentos dos esforços individuais na esfera “livre e mutável” podem se acumular. Devemos enfatizar novamente que estes dois dispositivos são mutualmente complementares. As instituições frequentemente mutáveis e (quase) imutáveis requerem-se e se apoiam mutuamente. Como os economistas clássicos sabiam bem, uma economia de mercado pode se ajustar a muitos tipos de mudanças, mas depende incondicionalmente das instituições de propriedade e contrato.

O terceiro dispositivo, novo para nós, toma a forma de atender a uma situação que requer mudança não pela criação de uma nova instituição, nem pela substituição de uma instituição antiga por uma nova, mas pela “ampliação” de uma instituição existente, de tal forma que possa servir a novos interesses sem perturbar os planos que até agora fizeram uso dela. O alargamento do conceito de propriedade na empresa moderna, de tal forma que as relações entre diretores e acionistas possam ser trazidas dentro de seu escopo, parece um bom exemplo.

O quarto e, por mais de um motivo, último dispositivo de que toda sociedade dispõe para se defender contra os casos desesperados de dilemas deste tipo, é proibir mudanças que ameaçam perturbar a ordem social, e agir contra os interesses que a geram. Quando a mudança institucional provocada pela busca de interesses ameaça a unidade da ordem institucional, é esta última precisa ser defendida.

Nenhuma sociedade pode suportar mais do que uma certa quantidade de mudanças em u determinado período. Sem dúvida, o limite de tolerância varia entre uma sociedade e outra, ou entre um período e outro dentro de uma mesma sociedade. Boa parte dependerá claramente da medida em que os dispositivos enumerados (e possivelmente outros) estiverem disponíveis como alternativas.

Mas, sem dúvida, em todos os lugares existe algum limite de tolerância à mudança institucional, e toda sociedade saudável é capaz de recorrer a forças sociais de força considerável quando esse limite está sendo aproximado. Neste simples fato, temos que ver uma manifestação da “Racionalidade da Tradição”. Todo sistema social é sempre comprometido pelo pluralismo de interesses em disputa e necessita depender da força de sua ordem institucional para defendê-lo contra tal deformação do espaço social que ameaçaria sua continuada existência.

Notas

[1]      Carl Menger, Problems of Economics and Sociology, editado com uma introdução de Louis Schneider (University of Illinois Press, 1963).

[2]      Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre (Segunda Edição, 1951), pp. 1-42. Todas as traduções do texto alemão destes ensaios são nossas.

[3]      ibid., p. 10.

[4]      Há uma referência à Menger, embora não pelo nome. “Apesar da distinção metodológica fundamental entre conhecimento histórico e conhecimento de "leis", que o criador da teoria desenhou como o primeiro e único, ele agora reivindica validade empírica, no sentido da dedutibilidade da realidade a partir de "leis", para as proposições de teoria abstrata.” (The Methodology of the Social Sciences, p . 87).

        Isto é bastante estranho. Menger, embora um forte defensor do método abstrato da economia clássica, dificilmente pode ser considerado como seu “criador”, nem como o “primeiro e único” a desenhar esta distinção particular. Em nossa opinião, esta estranha passagem confirma a até que ponto a mente de Weber estava preocupada com o trabalho de Menger.

[5]      Ibid., pp. 337-40.

[6]      Gesamelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, p. 468.

[7]      Max Weber on Law in Economy and Society, editado por Max Rheinstein (Harvard University Press, 1954). Aqui referido como: Sociologia do Direito.

[8]      Para uma crítica detalhada do “funcionalismo” na teoria social de um ponto de vista muito próximo ao de Weber, ver John Rex, Key Problems of Sociological Theory (Routledge and Kegan Paul, 1961), cap. IV. Ver também, W. G. Runciman, Social Science and Political Theory (1963), GUP, pp. 110-22.

[9]      Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre (1951), pp. 291-359

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