Texto introdutório (Alta Linguagem): Convém a opinião do dominicano neste momento de aparente controvérsia política sobre as posições do novo Papa, afirmando que, se se quer considerar "direita" e "esquerda" para se interpretar o catolicismo, deve-se entender sempre em termos de diferentes caminhos para os quais a Igreja se guia vez ou outra, isto é, um comportamento homogêneo do papado é impossível. O texto é útil para esta e uma série de outras percepções e opiniões sobre o papado tanto de Francisco quanto o atual de Leão XIV.
Um Papa de direita ou de esquerda?
Giovanni Cavalcoli, O.P.
Convém virar levemente à direita para manter a rota.
É surpreendente quão atuais são as recomendações feitas por Deus a Moisés e Josué, de guiar o povo sem desviar nem para a direita nem para a esquerda. Isso vale para todo navegador ou timoneiro, que sabe bem que, para alcançar a meta, deve manter os olhos fixos na estrela polar, porque as correntes marítimas, ou ainda negligências e distrações do timoneiro, tendem a desviar o navio do curso correto. Um desvio para a direita ou para a esquerda pode fazer o navio colidir com os recifes.
Da mesma forma, o risco ou a tentação de todo Sucessor de Pedro, dada a fragilidade de sua natureza humana, assim como as seduções e ameaças que vêm do mundo, é aquela de desviar, seja para a direita ou para a esquerda, da justa direção. Em vez de ser a Igreja que guia o mundo pela via de Cristo, Pedro sempre sofre a tentação de deixar-se guiar pelo mundo, talvez com o intento de servi-lo e fazer o bem, mas, em realidade, correndo o risco de que o mundo infecte a Igreja com suas vaidades e ilusões.
No entanto, permanece para Pedro a obrigação e a possibilidade de discernir no mundo o que é bom, e deve ser acolhido, e o que é mau, e deve ser rejeitado. De fato, o mundo, embora em si mesmo bom e criado por Deus, é pecador e não possui em si mesmo o critério da própria bondade ou os meios para sua salvação, mas encontra na Igreja o critério para saber se o caminho que está percorrendo é justo ou não, e para conseguir as forças necessárias para alcançar a meta que a Igreja lhe propõe.
O defeito da Igreja do passado foi ter adotado uma postura excessivamente desconfiada, impositiva, arrogante e condenatória em relação ao mundo, supervalorizando sua missão de salvadora do mundo, como se o mundo só tivesse a aprender e nada a ensinar à Igreja. Havia, em particular, uma antipatia geral pela modernidade e uma rejeição exagerada ao mundo protestante, que, por sua vez, estava em grande agitação e efervescência, gerando uma teologia tumultuosa e inquieta que, devido a um conceito irracional de Deus, acabaria desembocando no ateísmo (Como explicou bem o Padre Cornelio Fabro em sua monumental e documentadíssima Introduzione all’Ateismo Moderno (Editrice del Verbo Incarnato, Segni (RM), 2013.), por outro lado, avançavam os estudos bíblicos e uma reflexão mais profunda sobre o valor e a dignidade da consciência. A Igreja do passado foi excessivamente de direita. O Concílio Vaticano II ajustou a rota para a esquerda.
O Concílio Vaticano II tornou a Igreja mais otimista em relação aos valores do mundo, mais compreensiva com os irmãos separados, mais misericordiosa, mais atenta ao valor da consciência pessoal, mais atenta ao devir histórico, mais humilde e mais disposta a aprender com o mundo, e, assim, com o próprio Deus, o próprio criador do mundo, sem assim renunciar à sua missão de salvadora do mundo.
Uma tentação que pode assombrar Pedro é o medo de que a Igreja fique para trás diante dos avanços do mundo ou de que ela se isole, caso não agrade ao mundo. No entanto, Cristo lhe recorda que Ele mesmo, por ter sido fiel ao Pai, foi abandonado pelos seus. Quando aceitamos ser marginalizados por amor a Cristo, é Ele quem se encarrega de nos glorificar e de nos tornar luz e salvação para o mundo.
Sei benissimo, todavia, que essa ideia de direita e esquerda na Bíblia nada tem a ver com o significado que esses termos adquiriram na cultura moderna a partir do século XIX, quando surgiram por ocasião de uma simples distinção de assentos parlamentares.
Entendo benissimo, portanto, que essas duas categorias hoje têm um conteúdo político e parecem inadequadas para designar a linha de um dado pontificado. Para isso, usam-se antes termos como conservador, tradicionalista, progressista ou moderado. Todavia, as categorias que adotei neste artigo não são privadas de significado.
Ser de direita e ser de esquerda
Precisamos, então, definir o que entendemos hoje por “ser de direita” ou “de esquerda”. Esquerda e direita não são simples desvios de uma rota que procede avante. Esta corresponde ao famoso in medio stat virtus (“no meio está a virtude”), à escolha moderada e equilibrada, mas não exclui um leve ajuste para a direita ou para a esquerda.
Elas representam valores, porém apenas valores parciais, que precisam ser completados pelo valor oposto. Ai de quem toma a parte como se fosse o todo! Nascem assim as ideologias e as ditaduras de direita ou de esquerda.
Esquerda e direita foram feitas para se completarem e corrigirem mutuamente. A oposição recíproca nunca deve ser absoluta, como se fosse uma luta do bem contra o mal ou a batalha apocalíptica (Ap 20) dos justos contra os ímpios. Do confronto deve surgir uma dialética, não uma exclusão ou condenação mútua.
Pode-se ajustar a própria posição para corrigir os defeitos do lado oposto, mas não se pode exagerar nesse ajuste, de outro modo acentua-se os próprios erros e se apaga as virtudes alheias. Se o rumo pende demais para um lado, convém virar levemente para o oposto. A um Papa que tenha ido longe demais à esquerda, convém eleger outro que, sem ser de direita, interrompa esse movimento e se aproxime discretamente da direita.
A um Papa excessivamente pastor, convém suceder um Papa doutor; a um Papa demasiado inovador, um Papa conservador; a um Papa muito permissivo, um Papa severo; a um Papa voltado ao social, um Papa piedoso e religioso; a um Papa próximo do povo, um Papa alter Christus; a um Papa que vai ao mundo, um Papa que chama o mundo a si.
Trata-se, como se nota, de duas visões ou concepções opostas da vida política, que tendem a se ampliar ou alargar a um sentido moral, cultural e espiritual, e a adquirir um ar de absolutez, embora, na realidade, sejam duas metades de um todo, com a pretensão, porém, de absorver o todo em si, enxergando a outra não como complemento, mas como um inimigo a ser derrotado.
Elas deveriam se completar, mas, devido à absolutização da própria posição e à cegueira diante do valor da posição do outro, são dois inimigos irreconciliáveis, que acabam por causar uma laceração interna na sociedade e na Igreja.
A esquerda enfatiza a promoção da justiça econômica e social e a ação em benefício dos pobres e o cuidado com os últimos; o respeito aos frágeis, o valor da fraternidade universal, da democracia e da vontade popular, o aspecto subjetivo da conduta moral, a perspectiva do bem-estar terreno, as vantagens da ecologia, a importância da história, a exigência de progresso e da renovação, a sinodalidade; sublinha a grandeza da misericórdia e a condenação da guerra, vai contra o fundamentalismo, o egoísmo dos ricos, o passadismo, a rigidez, o legalismo, o dogmatismo, o clericalismo e o farisaísmo. A esquerda abrange os progressistas, verdadeiros seguidores do Concílio, e os modernistas, que o falsificam.
Convém ter cautela com a categoria de progresso associada à esquerda. É decerto desejável que o Papa Leão XIV esteja à frente do falecido Papa. É claro que na vida é preciso seguir em frente e não voltar atrás. Contudo, é preciso lembrar que o Papa também tem o dever de preservar o depósito revelado e de recuperar e reafirmar valores deste depósito que possam ter sido esquecidos.
A busca do novo deve ser conjugada com a fidelidade aos valores perenes que emergem do passado, com a proteção e defesa deles e, se necessário, com a recuperação daquilo que é antigo e caíra no esquecimento. É preciso reparar o que foi danificado, encontrar o que foi perdido, dar nova vida a valores vitais que foram negligenciados ou deixados de lado, restaurar a ordem onde a desordem foi criada, restaurar o que ainda é bom.
Por sua vez, é insensato querer reviver o que já é superado ou não serve mais ou se mostrou errado ou danoso. Qual é o sentido de preservar o comunismo, que trouxe tantos problemas à humanidade? A Rússia entendeu isso em 1989, enquanto a China ainda não aprendeu a lição. Qual é o sentido de continuar a professar aquele idealismo alemão que produziu o fruto amargo do nazismo?
Não é errado, nesse sentido, falar de restauração. Os restauradores de obras antigas prestam um grande serviço à cultura. Na história, ocorre sempre que certos valores são esquecidos. Um dos deveres do bom pastor é o de redescobri-los e reintroduzi-los.
A direita insiste nos valores da tradição, na necessidade de conservar os valores absolutos; na hierarquia dos valores, na importância da sã doutrina, da obediência à lei; dos deveres militares, na imutabilidade dos dogmas e no combate às heresias; no amor à pátria, no respeito à hierarquia eclesiástica e no primado do cristianismo; na existência de castigos divinos, na importância do sacrifício, da ascese e da disciplina moral; na importância do sagrado, do transcendente, da liturgia, da religião e da espiritualidade. A direita inclui tradicionalistas moderados, que aceitam o Concílio, e os passadistas, que o rejeitam.
Esquerda e direita não são ideais absolutos, de modo que, quanto mais se realizam, melhor melhor seria; não: são simples ingredientes da vida social e eclesial, que têm um limite que não deve ser ultrapassado, por isso não devem pretender substituir a corrente oposta ou considerá-la inimiga. O diferente, como diversas vezes já nos lembrou o Papa Francisco, não é o inimigo, mas o irmão. Não deve ser excluído, mas acolhido. Precisamos construir uma ponte com ele, não um muro.
Depois afrouxar os freios, é hora de pisar neles novamente
Com o Papa Francisco, assim como, e até mais do que com os papas progressistas do pré-Concílio e do pós-Concílio, tivemos um Papa de esquerda, naturalmente dentro dos limites da direita, sem relativismo, secularismo ou comunismo, como alguns, de forma caluniosa, o acusam de ser.
Contudo, com Francisco, verdadeiro Papa da misericórdia e da fraternidade universal, por culpa de ignorantes ou manipuladores astutos, a misericórdia arriscou degenerar em misericordismo, bonismo e perdonismo, chegando, no limite, a uma tolerância excessiva, à conivência e à cumplicidade com o pecado, não deve mais se enxergar a malícia, apenas a fraqueza, e assim o pecador não se corrige e se acomoda em sua miséria, para seu próprio mal, conforme o antigo adágio: “o médico piedoso faz gangrenar a ferida”.
Em certos casos, não basta a cura farmacológica: convém a intervenção cirúrgica; não basta o tom médio da voz, mas, como diz o profeta, deve-se gritar a plenos pulmões; não basta a doçura, é preciso firmeza. O misericordismo acaba produzindo o oposto de suas intenções, termina abrindo espaço aos mesmos prepotentes que oprimem e tranquilizam os pobres na convicção de que Deus é misericordioso e os perdoa. Eles creem que Deus não fecha apenas um olho, mas ambos.
Francisco viajou demais para a esquerda. Agora, é preciso um Papa que, sem negar as contribuições de Francisco, recupere ou restabeleça alguns valores de direita, sem, porém, arriscar-se ao passadismo pré-conciliar. Deve guardar-se nos Papas do Concílio e do pós-Concílio, especialmente naqueles que foram santos.
Se, por outro lado, fosse eleito um Papa com os mesmos defeitos de Francisco, é claro que os atuais problemas gerados pelo laxismo e pelo bonismo não só permaneceriam irresolutos, como seriam agravados, salvo sempre, é claro, o poder do Espírito Santo de corrigir Ele mesmo a rota do Papa, para que se realize aquilo que, em nome do Pai, Cristo quis para a salvação do homem.
Pe. Giovanni Cavalcoli
Fontanellato, 8 de maio de 2025