"Uma reconsideração da teoria austríaca das flutuações industriais", de Ludwig Lachmann

"Uma reconsideração da teoria austríaca das flutuações industriais", de Ludwig Lachmann

Nota Introdutória,

Lachmann neste artigo busca tratar da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, que neste texto é também chamada de "teoria austríaca das flutuações industriais", é uma nomenclatura não tão convencional, usada em uma época em que a teoria ainda estava em desenvolvimento entre os economistas austríacos. Aqui, o economista austríaco começa a dar seus primeiros passos no que culminará em sua teoria do capital, exposta em sua obra magna Capital and Its Structure (1950). No artigo, assim, também são tratadas noções elementares como a de crescimento econômico, teorias de emprego e da estrutura produtiva de uma economia bem como ao início há um esclarecimento acerca dos supostos ataques da teoria keynesiana à teoria austríaca. 

 

Uma reconsideração da teoria austríaca das flutuações industriais

[Retirado de Lachman, L. M. (1940). A Reconsideration of the Austrian Theory of Industrial Fluctuations. Economica, 7(26), 179. doi:10.2307/2548695]

1.

A Teoria Austríaca das Flutuações Industriais tem estado sob uma nuvem ultimamente.[1] Em 1940, seus adeptos mais fiéis têm que admitir a si mesmos que poucas das grandes esperanças que ela mantinha naqueles calmos dias do início da década de 1930 foram cumpridas. Até certo ponto, isso se deve, é claro, à prévia ascensão das doutrinas do Sr. Keynes e de seus seguidores, embora esta não seja senão uma razão negativa, é provavelmente a que ocorreria facilmente para três em cada quatro economistas atuais.

É provável, no entanto, que para o historiador do futuro essa ascensão seja menos um problema do que para alguns contemporâneos nossos. Pois, quando a história do pensamento econômico no segundo quarto do século XX vier a ser escrita, será mais claro do que é agora que a teoria do Sr. Keynes – tão longe de ser "geral" – deriva seu fascínio da atual geração de economistas principalmente pelo fato de que ela é uma descrição mais vívida de uma situação histórica peculiar, uma imagem impressionante do nosso mundo. Neste mundo desordenado, o quadro institucional e político do progresso econômico desmoronou e, no caos internacional daí resultante, os países mais avançados no capitalismo acham impossível cumprir a sua função natural de ajudar o desenvolvimento econômico das partes mais atrasadas do mundo. O teórico econômico de esterlina pureza, que ao construir seus modelos opta por ignorar tudo isso, pode, então, é claro, resumir essa situação falando de uma "falta de oportunidades de investimento"!

Razões mais positivas – e de valor menos efêmero – para o eclipse temporário da teoria austríaca podem ter de ser buscadas à maneira de sua primeira apresentação e no meio intelectual de seus protagonistas. Seu pedigree teórico era wickselliano, e a principal reivindicação de Wicksell à fama era ter ligado a teoria do capital Böhm-Bawerkiana ao sistema de equilíbrio walrasiano. Assim, os recentes ataques a este não puderam deixar de afetar a sua aparente derivativa no domínio das flutuações industriais, ao passo que a acusação de assumir o "pleno emprego" desde o início não pareceu menos grave para uma geração para a qual os números mensais do desemprego tinham se tornado parte integrante do seu reconhecimento da vida econômica.

De ambas as acusações, o professor Hayek já se desfez efetivamente.[2] E se se pudesse esperar que os principais obstáculos a uma compreensão mais geral da teoria fossem assim removidos, poderíamos muito bem deixar as coisas por isso mesmo. A única justificativa que temos a oferecer para reconsiderar a teoria à luz de alguns de seus aspectos dinâmicos consiste em que somos incapazes de entreter tais esperanças. Pois parece-nos que, na discussão sobre a teoria austríaca, a "Estrutura da Produção" e o "Pleno Emprego" receberam uma atenção completamente exagerada, e que aqueles que a rejeitaram o fizeram principalmente por causa de seu caráter aparentemente muito estático. É curioso observar como as mesmas pessoas adotariam então de todo o coração outra doutrina que, embora no fundo muito mais estática do que a austríaca, conseguiu transmitir uma impressão distintamente dinâmica, com todas as suas características estáticas cuidadosamente escondidas.

Apesar disso, acreditamos que a relutância com que a teoria austríaca se encontrou até agora se deve menos ao fato de ser muito estática do que ao fato de que a mente de nossa geração, impregnada de noções de equilíbrio estático, é incapaz de perceber seu verdadeiro sentido dinâmico.

No que se segue, tentaremos, em primeiro lugar, reafirmar o que para nós parece ser o essencial da Teoria Austríaca das Flutuações Industriais, uma teoria sobre os efeitos das flutuações cíclicas nas relações inter-industriais entre preços, lucros e salários reais. No final deste artigo, confrontaremos brevemente essa nossa construção teórica com qualquer conhecimento que possamos extrair da história do ciclo econômico, a fim de testar sua relevância em diferentes períodos de flutuações cíclicas. Esperamos mostrar que a teoria austríaca é essencialmente dinâmica, e acreditamos que qualquer aparência do contrário em uma primeira apresentação seja na verdade devido à educação de seus protagonistas para os quais as condições de equilíbrio walrasianas apareceram como o ponto de partida natural para todas as excursões ao mundo real. Acreditamos ser vital para uma compreensão correta da teoria austríaca enfatizar suas características dinâmicas e, em particular, salientar que alguns de seus pressupostos, que causaram no passado e provavelmente continuarão a causar muitos mal-entendidos e perplexidade, devem ser interpretados como símbolos de um mundo de mudança.

Que a teoria austríaca não se encaixa facilmente em um sistema de equilíbrio estático é tranquilamente visto, embora de uma maneira muito geral e simplificada, se tivermos em mente que, apesar da  reversibilidade ser a essência do sistema de equilíbrio estático, a teoria austríaca repousa fundamentalmente sobre a irreversibilidade da operação de investimento. Uma vez que o “Capital livre” tenha sido convertido em edifícios e máquinas, qualquer falha dos eventos em se conformar às expectativas perturbará tudo.

Não voltamos à nossa posição inicial, mas estamos em pior situação do que estaríamos se nunca tivéssemos nos afastado dela. Para toda análise de equilíbrio estático, por outro lado, é essencial que cada desvio do ponto de equilíbrio coloque em movimento forças que nos levarão de volta a este ponto.

Se se pensa que o que antecede justifica uma reconsideração do caso, há duas razões especiais pelas quais o presente momento parece particularmente propício para este esforço. Por um lado, a recente publicação de Business Cycles[3] do professor Schumpeter sem dúvida reacenderá o interesse pela dinâmica do processo de evolução capitalista, e seu conceito de “Inovação”, como veremos, fornece-nos uma ferramenta de análise muito valiosa. Com sua ajuda, tentaremos explicar a função peculiar das indústrias de bens de capital em um mundo de mudanças. Por outro lado, na nova versão da teoria austríaca, os salários reais começam a cair no momento em que o “pleno emprego” é alcançado.[4]

Este resultado, à primeira vista bastante surpreendente, baseia-se na suposição de um aumento intercíclico na produtividade do Trabalho, de modo que, em ciclos sucessivos, quantidades idênticas de produtos são produzidas por cada vez menos Trabalho, e “Capacidade Máxima” pode significar consideravelmente menos do que “Pleno Emprego”. Aqui, novamente, a teoria requer interpretação dinâmica.

Mal se precisa dizer que, se no que se segue nos esforçamos por expor o que para nós parece ser o essencial da teoria austríaca, estamos agindo  inteiramente sob a nossa própria responsabilidade. Enquanto o pensamento for livre não há garantia alguma de que as ideias de alguns homens coincidindo em algum momento o farão no próximo. Da mesma forma, as "escolas de pensamento" levam uma vida precária. Na melhor das hipóteses, de natureza transitória, elas crescem e murcham à medida que o espírito humano se move.

Acreditamos sinceramente que o que temos a dizer será inobjetável para todos os que são constatados entre a escola austríaca, mas podemos muito bem estarmos errados. Tentaremos apresentar a doutrina de tal forma que a proteja contra a maioria dos ataques aos quais até agora foi exposta, mas aqui podemos muito bem falhar. No final, o leitor terá de julgar por si mesmo se ele é capaz de reconhecer em nosso esboço características essenciais do mundo em que estamos vivendo.

2.

Nesta e nas seguintes seções, exporemos nossos pressupostos sobre a estrutura do sistema industrial e as relações entre os vários fatores de produção. Em seguida, estudaremos o processo cíclico, isto é, nosso sistema em movimento, e no final do artigo faremos uma breve tentativa de verificação.

Em todo sistema econômico em que a divisão do trabalho atingiu um determinado estágio é possível distinguir:

  1. indústrias produtoras de bens de consumo,
  2. indústrias que produzem o equipamento para a produção deste último,
  3. indústrias que produzem matérias-primas.

Por uma questão de brevidade, falaremos dessas indústrias como C-, E-  e R-. Mas numa economia progressiva haverá um outro grupo de indústrias, cuja função especial é a provisão dos meios para o progresso. E em uma economia que é suscetível de mudança, terá que haver indústrias fornecendo os meios para a mudança.

Nossa primeira tarefa consiste em convencer o leitor de que o crescimento é apenas um aspecto da inovação e que, portanto, as indústrias que fornecem os meios para ambos serão idênticas. Há pouco a acrescentar à brilhante análise do Professor Schumpeter sobre os problemas das mudanças industriais. Naturalmente, é a moda hoje em dia descrever todos os fenômenos dinâmicos em termos de quantidades agregadas (como investimento, renda, produção) e considerar o crescimento como um movimento ascendente de um sistema de variáveis interpretadas como a resposta do sistema a mudanças nas condições externas, como, digamos, a população. Como tal atitude é muito prevalente entre os economistas contemporâneos, é necessário que insistamos que não existe tal coisa como “Crescimento natural” e que um olhar casual sobre a história econômica de países como a Índia e a China é suficiente para nos fazer entender que o crescimento industrial é o resultado de um esforço humano consciente e sustentado sobre o qual as “equações dinâmicas” nos dizem menos que nada. O crescimento, então, é o efeito cumulativo dos esforços individuais direcionados para a melhoria do aparato produtivo da sociedade.

Negar que os resultados desses esforços possam ser apropriadamente descritos em equações dinâmicas não é, entretanto, o mesmo que ignorar os efeitos que eles podem ter sobre a estrutura e a composição do sistema econômico, estimulando algumas indústrias enquanto frustra outras. Pelo contrário, seria verdade dizer que a teoria austríaca é uma teoria sobre os efeitos interindustriais de certos processos dinâmicos.

Numa economia progressiva, é geralmente possível discernir indústrias que são particularmente sensíveis aos esforços empresariais para a mudança e a inovação. Podemos chamá-las de “indústrias-chave dinâmicas”, e nos referimos a elas como indústrias-K. Se o leitor estiver convencido de que o crescimento não consiste apenas em quantidades agregadas deslizando harmoniosamente ao longo de uma “tendência” imaginária, terá dado o primeiro passo para entender por que é improvável que a demanda pelos produtos dessas indústrias seja estritamente voltada para a dos bens de consumo.

Nosso próximo passo consiste em mostrar que a “intensificação do capital” ou o “aprofundamento do capital” é apenas outra forma de inovação. Uma vez que nos livramos da noção de capital como um agregado homogêneo e temos em mente seu caráter essencialmente heterogêneo como uma aglomeração de casas, navios, máquinas, etc., é fácil ver que “um aumento de capital por unidade de produção” não significa apenas a adição de outra peça de maquinaria a um parque de equipamentos que de outro modo permaneceria  inalterado, mas que, tantas vezes sim quanto às vezes não, implicará um rearranjo completo do aparelho produtivo existente, incluindo a depreciação de fatores específicos e, possivelmente, uma alteração do carácter do produto final. Esta é apenas outra maneira de dizer que o “aprofundamento do capital” é um processo não reversível pelo qual as condições de produção são definitivamente alteradas.

Para o nosso propósito, o que importa é que as indústrias que, em uma economia progressiva, fornecem os meios para a intensificação do capital são idênticas àquelas que fornecem os meios para mudanças na produção em geral (isto é, sob as condições modernas, as indústrias “pesadas” que produzem ferro e aço). Na história econômica, de fato, é muitas vezes praticamente impossível distinguir entre um e outro: a evolução das ferrovias pode ser descrita quer como a produção de um serviço inteiramente novo, quer como uma intensificação do capital do sistema de transportes pré-existente. O mesmo se aplica à eletrificação.

3.

Além disso, assumiremos que o trabalho em cada uma das indústrias descritas acima é homogêneo – o que, no entanto, não exclui diferenças entre produtos médios e marginais onde o trabalho homogêneo coopera com equipamentos de qualidade diferente – mas que não é móvel entre indústrias. Em outras palavras, o trabalho em cada indústria é um grupo não-concorrente.

Além disso, estamos assumindo um aumento intercíclico bastante rápido da produtividade da nossa situação em resultado do progresso técnico. Assim, esperamos ver em ciclos sucessivos quantidades de produção fisicamente idênticas produzidas por uma força de trabalho em constante diminuição, ou em semanas de trabalho mais curtas, ou por uma combinação de ambos.

Analisemos agora o nosso sistema em termos de complementaridade e competitividade. De um modo geral, as indústrias de bens de consumo (C), as indústrias de bens de equipamento (E) e os produtores de matérias-primas (R) são complementares no sentido de que, em geral, uma mudança na demanda por C implicará uma mudança correspondente na demanda pelos outros dois. Quanto às nossas indústrias-chave dinâmicas (K), elas certamente competem por matérias-primas com C e E. Mas o que determina a demanda por produtos K? O produto de K é complementar ou competitivo com o produto de C e E? É impossível responder imediatamente a esta pergunta, mas é sobre esta resposta, como veremos, que a querela entre os austríacos e os seus adversários acaba por girar em torno.

Não há razão prima facie para a crença de que a procura dos produtos das nossas indústrias K deve estar intimamente ligada à dos bens de consumo. É verdade que estas indústrias estão parcialmente empenhadas na construção de novas indústrias C, mas só porque estas últimas são novas, os seus calendários de demanda são desconhecidos e não é de modo algum possível deduzir tais calendários para indústrias específicas de qualquer função de procura geral. A demanda por produtos K depende, portanto, em grande parte das expectativas em relação a um futuro distante, desconhecido e incerto. Conhecemos apenas dois fatores que são mais propensos a ter uma influência decisiva sobre ele:

  1. A relação entre os custos presentes e o rendimento futuro esperado. “A taxa de juros relaciona um fluxo de rendimento futuro com um desembolso de capital presente. Com uma determinada taxa de juros, a decisão do investidor depende do custo desta despesa atual e da dimensão do fluxo de receitas futuras esperado, ou seja, tem de comparar uma despesa atual exclusivamente determinada pelo nível atual de custos e preços com um fluxo de receitas esperado que (...) é improvável que seja afetado por isso. Daqui resulta que, no caso de um investimento duradouro, cujo rendimento médio é independente das condições atuais, um aumento dos custos verificará o incentivo ao investimento e vice-versa.”[5]

Ao nos referirmos a esse fator, falaremos do efeito Lundberg.[6]

 

  1. Salários Reais. Por salário real pago em uma indústria, queremos dizer a relação entre o salário monetário e o preço do produto da indústria. Pode-se, portanto, esperar que os salários reais em diferentes indústrias sejam diferentes. Quanto mais elevado for o salário real numa indústria, mais forte será o desejo de substituir as máquinas, poupadoras de mão-de-obra, e de aumentar a quantidade de capital por unidade de produção. Da mesma forma, onde os salários reais são baixos, eles estabelecerão uma tendência a diminuir a quantidade de capital por unidade de produção e a transformar o capital mais rapidamente. Ao nos referirmos a esse fator, falaremos do efeito Ricardo.[7]

De tudo isto, conclui-se que se os nossos dois fatores se movessem juntos, se os salários reais aumentassem ao mesmo tempo que os custos de investimento aumentassem em relação aos rendimentos futuros, isso tenderia a estabilizar o nosso sistema. Pois isso significaria que, enquanto uma fonte de demanda por bens de equipamento particularmente sensível à razão custo-rendimento se esgotasse, outra -- a demanda por máquinas poupadoras de mão-de-obra -- ajudaria a manter o nível de atividade de investimento. Isto é o que, prima facie, devemos esperar que aconteça durante os estágios posteriores da prosperidade: enquanto os preços das matérias-primas sobem e suas cotações futuras começam a exibir “atrasos” sinistros, não nos aproximaremos ao ponto do pleno emprego? Infelizmente, no nosso sistema econômico, é pouco provável que isso aconteça devido ao aumento intercíclico da produtividade do trabalho. Não há razão para acreditar que, numa economia como a nossa, a introdução de máquinas que  poupam de mão-de-obra tenha de esperar que o pleno emprego se torne rentável. Além disso, a inspeção das estatísticas britânicas e americanas para as décadas de 1920 e 1930 sugere aumentos consideráveis na produtividade do Trabalho  em resultados consideravelmente menores do que o Pleno Emprego.[8] Neste caso, a menos que tenha havido um aumento correspondente no equipamento, a Capacidade Total será alcançada antes do Pleno Emprego.[9] Assim, os salários reais começarão a cair exatamente no momento em que o boom começar, e o efeito Ricardo entrará em jogo. À medida que a porcentagem de lucro por unidade de produção aumenta, será mais lucrativo lucrar mais rapidamente, em vez de investir por períodos mais longos. Assim, a relação dinâmica entre os salários reais e a relação custo-rendimento típica do nosso mundo tem um forte efeito desestabilizador sobre o investimento. E é um conforto bastante frio para nós saber que, uma vez que o sistema tenha deslizado para a fase de recessão, a melhoria na relação custo-rendimento, bem como o aumento dos salários reais, virão em nosso auxílio e tenderão a deter o processo descendente. Em 1940, todos nós aprendemos que um sistema monetário “elástico” provavelmente gerará forças que, uma vez que nosso mecanismo esteja definido em seu curso descendente, estão aptas a empurrá-lo cada vez mais longe.

O efeito cíclico do aumento intercíclico da produtividade do trabalho sobre o emprego será, no entanto, modificado, na medida em que um aumento do equipamento e da produção absorverá os desempregados. Agora, a evidência estatística mostra que anos de rápido aumento da produtividade do trabalho são geralmente também anos de pesada acumulação de capital. No entanto, por várias razões, deve parecer muito duvidoso que esse investimento possa efetivamente ter um efeito compensatório sobre o desemprego. Neste contexto, é da maior importância compreender que nem todo investimento, mas apenas algum investimento, pode ter tal efeito atenuante.

Em primeiro lugar, mesmo quando o aumento da produtividade do trabalho é meramente o resultado da intensificação do capital[10] no sentido “clássico”, isto é, um aumento do capital por unidade de produto que deixa o aparelho produtivo existente inalterado, o tanto de capital novo quanto for necessário para produzir a mesma produção com menos trabalho não pode ter efeito compensatório sobre o desemprego. Somente o investimento que exceda essa quantidade pode ter tal efeito.

Em segundo lugar, na maioria dos casos, o aumento da produtividade do trabalho deve-se, naturalmente, ao “progresso técnico”, com ou sem uma mudança na relação entre capital e produção. Neste caso, novos investimentos serão necessários para substituir todo o conjunto de máquinas existentes, a menos que o novo equipamento seja introduzido apenas gradualmente à medida que o antigo se desgasta. Mas é pouco provável que este procedimento fragmentado seja adotado, em parte por razões econômicas – porque cada empresário se esforçará para ser o primeiro no terreno – e em parte por razões técnicas –, uma vez que um plano de racionalização é um todo integrado que não pode ser realizado aos poucos. Podemos, portanto, concluir que, no caso do “progresso técnico”, apenas investimentos além da magnitude necessária para a substituição do maquinário existente serão capazes de mitigar o desemprego.

Em terceiro lugar, se, em tais casos, pelas razões acima tratadas, não for possível esperar que o equipamento existente se desgaste antes da instalação de novos equipamentos, disso resulta que tais inovações são obrigadas a formar um estoque de equipamentos antigos não utilizados a recorrer -- ainda que a um custo unitário mais elevado -- em casos de emergência. Assim, o próprio fato de uma mudança no método de produção implicará em um aumento da capacidade de produzir. Todo aumento de capacidade que é capaz de absorver desempregados teria de ser novamente superior a essa magnitude.

Assim, podemos concluir que, de qualquer ponto de vista que estejamos olhando para o nosso problema, as chances de uma mitigação precoce do desemprego tecnológico devem parecer escassas.

4.

Tendo até agora estudado os elementos do nosso sistema e as relações entre eles, estamos agora prontos para enfrentar a nossa principal tarefa. O palco está montado para que se performe "O Ciclo Econômico".

Vamos supor que em uma situação, que ciclicamente é de Depressão com Desemprego, equipamentos ociosos e estoques excedentes, um empreendedor decide realizar alguma “Inovação”. Em uma depressão isso é tão provável de acontecer quanto de não acontecer. Do lado dos custos, os baixos salários monetários e os custos dos materiais de construção são fatores favoráveis e, do lado das receitas, sabemos que o homem que planeja com muita antecedência não pode ter em conta situações cíclicas, mas tem de calcular algum rendimento médio a longo prazo. Quer a sua inovação seja um novo bem de consumo (para o qual não existe um calendário de procura atual) ou um método melhorado de produção de um bem já existente (em que a probabilidade de revolucionar ou não todo o mercado é a mesma), a atividade econômica dedicada à inovação está apta a estar apenas vagamente ligada à procura atual dos consumidores.

Tais decisões empresariais envolvem maior atividade de investimento, mais emprego nas indústrias K e mais demanda por bens C. O próximo passo é que as indústrias C, que provavelmente até agora não estavam dispostas ou com capacidade financeira de substituir seus equipamentos à medida que chegava a hora, compensem os atrasos. As substituições atrasadas terão os mesmos efeitos em E que um aumento do investimento; maiores encomendas de firmas-E, mais emprego em E, e, portanto, aumento da demanda por bens-C. Assim, um processo cumulativo de expansão começará a trabalhar entre C e E de uma forma semelhante a uma linha de ida e volta, uma vez que o efeito de impacto de K chegue.

É de algum interesse notar os efeitos relativos que o processo ascendente provavelmente terá sobre E e K. À primeira vista, parece que, na medida em que as empresas em C estão substituindo equipamentos obsoletos por outros que são mais "intensivos em capital", a demanda será desviada de E para K. Mas, primeiro, mesmo quando este é o caso, isso não interferirá com o funcionamento do nosso processo, uma vez que qualquer aumento na atividade em E ou K é atividade de investimento no sentido de que define o "Multiplicador" ondulatório. Em segundo lugar, é completamente desnecessário supor que K e E são competitivos a tal ponto que qualquer aumento na demanda por um significa uma queda na demanda pelo outro. A introdução de máquinas poupadoras de mão-de-obra irá, naturalmente, dar origem a uma procura de produtos siderúrgicos que, de outro modo, não teria sido apresentada, em parte porque significa "um aumento do capital por unidade de produção" e em parte porque dificilmente é possível que um programa de intensificação do capital possa ser realizado tão gradualmente quanto o equipamento se torna obsoleto com a idade. Na prática, como apontamos acima, toda mudança nos métodos de produção forma um acúmulo de equipamentos antigos não utilizados a que, embora os negócios em pico possam ter de recorrer no ápice, sofrem perda intermitente de seu caráter de capital. Temos de ter sempre presente que a procura de maquinaria é produzida pela intensificação do capital e que, quando as empresas em C mudam de métodos de produção, isso pode, naturalmente, criar problemas de ajuste complicados para E; mas, no geral, significa demanda por um tipo diferente de equipamento e não nenhuma demanda por equipamentos. Em outras palavras, onde a substituição comum significa demanda por produtos-E, a intensificação de capital significa demanda por produtos E e K. Isto se aplica quer o impacto inicial no nosso sistema tenha vindo de um programa de intensificação do capital, quer, caso se trate de um outro tipo de inovação, a intensificação do capital seja “induzida” e ocorra através da substituição de equipamentos obsoletos em C. Enquanto existirem recursos excedentes amplos em todo o sistema, K e E não têm de ser competir entre si e podem até mesmo tornar-se complementares.

5.

À medida que o processo de expansão começa, com o emprego,  renda e consumo todos subindo pari passu, uma etapa é gradualmente aproximada, uma na qual nossas indústrias K se tornarão concorrentes de C e E. Indicar este ponto de maneira geral e abstrata, maneira essa da qual toda a teoria econômica é capaz -- pelo menos em nosso nível atual de abstração --, basta dizer que alguns recursos que entram na produção de mais de um grupo industrial precisam ter se tornado escassos.

Por que isso deveria ser um ponto de “pleno emprego” é difícil de ver, a menos que se assuma uma curta variabilidade dos coeficientes de produção que é pouco menos do que miraculosa ou que se possa mostrar razões pelas quais, se este ponto for atingido, a mão-de-obra deve ser mais escassa do que o equipamento. Se, no entanto, a nossa conta do aumento intercíclico da produtividade do trabalho for aceita, será o contrário: a capacidade total de (novos) equipamentos será atingida enquanto ainda houver mão-de-obra desempregada. No entanto, não decorre dos nossos pressupostos que, tendo chegado a este ponto, seja fisicamente impossível aumentar a produção de bens de consumo. Isso, é claro, sempre será possível se recorrermos a equipamentos antiquados. Se, como salientamos acima, o novo maquinário não foi instalado gradualmente, substituindo o equipamento antigo, mas de uma só vez, deve existir um parque de máquinas obsoletas para a produção intermitente em níveis máximos de produção. O que nos importa é que, à medida que este equipamento menos eficiente for novamente utilizado, o produto marginal do trabalho ficará abaixo do seu produto médio. Os preços aumentarão e os lucros também, enquanto os salários reais cairão.

Sabemos que a diminuição do estoque de matérias-primas industriais é uma característica do movimento de recuperação. Assim que esse fenômeno se fizer sentir e os preços das matérias-primas começarem a subir, as nossas indústrias-K serão criticadas por dois lados. Os efeitos combinados de Lundberg e Ricardo entrarão agora em jogo. Pois, enquanto em C e E o custo mais elevado das matérias-primas é facilmente suportado com a forte pressão da demanda por bens de consumo, para K não é de modo algum assim.

Sabemos que, para as pessoas cuja atividade de demanda depende principalmente de K, o custo mais alto do investimento não é compensado por um preço mais alto do produto que estão vendendo, pois esse produto pertence principalmente ao futuro. Assim, à medida que o boom está começando, com os preços subindo, há um enfraquecimento do estímulo à inovação genuína, diferentemente da especulação – que, ao adotar as aparências externas da inovação, muitas vezes enganou historiadores econômicos e jornalistas financeiros.

O efeito Ricardo, por outro lado, explica o declínio da intensificação do capital simultâneo ao aumento de todos os tipos de atividade especulativa. Embora saibamos pouco sobre o comportamento cíclico dos estoques de bens de consumo, parece bastante óbvio que, se a taxa de lucro for alta, os homens de negócios tentarão entregar seu capital o mais rápido possível no presente lucrativo. Eles negligenciarão o investimento de longo prazo – o que significa renunciar às oportunidades de lucro presentes em prol de um futuro incerto – e se dedicarão às operações lucrativas de curto prazo. Numa economia sem mercado de capitais, em que cada empresa dependeria inteiramente dos seus próprios recursos sem poder contrair empréstimos ou emprestar, os homens de negócios tenderiam agora a consagrar as suas poupanças e as quotas de amortização do seu capital fixo ao reforço do seu capital circulante. Numa economia com um mercado de capitais plenamente desenvolvido, a procura de financiamento de participações especulativas de mercadorias e títulos passará agora a competir com a demanda por  financiamento da inovação e da intensificação do capital. Dada a alta rentabilidade do primeiro com o aumento dos preços e a diminuição da rentabilidade do segundo por causa do efeito Lundberg, não pode haver muita dúvida sobre qual será o resultado e que tipo de demanda se tornará extramarginal.

6.

Até agora, nos esforçamos para apresentar os esboços puros do que para nós aparece como o conteúdo principal da Teoria Austríaca das Flutuações Industriais, pelo menos até o parágrafo anterior, “em termos reais”. Mas, como já tivemos de trazer o mercado de capitais para explicar o funcionamento do efeito Ricardo em uma economia de trocas, podemos muito bem dar um passo adiante e examinar, a partir do nível de percepção até agora obtido, as consequências cíclicas de uma “política de dinheiro barato”.

Parece que, quaisquer que sejam os méritos de tal política em depressão ou durante os estágios iniciais de reavivamento, há um objetivo que ela não pode alcançar: manter o nível de atividade de investimento em condições de expansão. Pode parecer que, através de tal política, sejamos capazes de facilitar o financiamento do investimento a longo prazo. Mas, em condições de escassez de recursos e com lucros crescentes, ao manter a perspectiva de preços mais elevados, acrescentaremos a força de barganha daqueles que procuram financiamento para operações de curto prazo e que competem com investidores de longo prazo por matérias-primas. A posição de negociação dos potenciais investidores de longo prazo não melhoraria.

Além disso, a menos que tal política seja também suscetível a afetar as expectativas de rendimentos futuros, a elasticidade das expectativas teria de ser a unidade ou mais -- não pode deixar de ter um efeito prejudicial sobre os cálculos de custo-rendimento dos empresários dos quais, como vimos, a atividade em K depende em grande medida. Entretanto, logo que os custos marginais em C comecem a aumentar, tal política é obrigada a incentivar o acúmulo de estoques de bens de consumo -- a transferência intertemporal de bens de pontos de custo marginal menor para pontos de maior custo marginal -- e outras operações especulativas de natureza semelhante, em detrimento do investimento em equipamentos. Assim, os salários reais cairão ainda mais. Também não podemos depositar nossas esperanças em E para compensar o declínio da atividade em K. Mesmo que os custos marginais em E subam menos acentuadamente do que em C, E dificilmente será capaz de nos resgatar de nosso dilema. Essa indústria é dedicada à substituição de equipamentos desgastados e, até certo ponto, à extensão “linear” dos equipamentos existentes em C. Assim, toda a produção em E é “investimento bruto”. Mas, precisamente por esta razão, cada ordem que C dá a E envolve prender o capital que, sob condições de boom, pode ser empregado de forma muito mais lucrativa em usos que produzirão um retorno rápido. Podemos, assim, concluir que, onde há recursos escassos, nenhum dispositivo monetário superará as consequências do simples fato de que a economia como um todo não pode ter os dois pássaros na mão.

Antes de concluir esta seção, podemos acrescentar algumas observações sobre as consequências às quais nossa teoria leva quanto aos salários e às políticas salariais. Isso parece ainda mais propício, uma vez que é exatamente a esse respeito que o mais estranho dos mal-entendidos surgiu. Por alguns de seus críticos menos caridosos, a teoria quase foi denunciada como um “evangelho dos baixos salários”.

Agora, o primeiro ponto a ser observado a esse respeito é que a teoria, não sendo da variedade “macrodinâmica”, não pode dizer nada sobre agregados abstratos como “O Nível Salarial”. É óbvio, de fato, que uma doutrina que deriva seu sentido do fato de que diferentes elementos do sistema econômico são competitivos e não complementares, terá de se basear em movimentos salariais diferenciais nas diferentes partes do sistema.

Em C e nas suas indústrias auxiliares, as alterações na unidade salarial, desde que os rendimentos salariais mais elevados (ou mais baixos) sejam totalmente gastos (ou economizados) em bens de consumo, não afetarão a taxa de lucro, que depende da razão entre o custo marginal e o custo médio. Os salários em K, uma vez que seu nível presente e futuro esperado afeta os cálculos de custo-rendimento de nossos “inovadores”, são de importância cíclica e têm os mesmos efeitos que as mudanças nos preços das matérias-primas. Nessa medida, é correto dizer que os níveis relativos de salários monetários em K e C determinam o incentivo ao investimento. Mas não é verdade que a teoria austríaca, a fim de provocar o ajustamento após a crise, defenda uma redução geral dos salários. Pelo contrário, é em um aumento dos salários reais em C que temos de depositar a nossa principal esperança. Pois, à medida que a demanda dos consumidores diminui, os salários reais, pelas razões conhecidas, aumentarão, a menos que os salários monetários em C sejam extremamente flexíveis. E se esse aumento for longe o suficiente, podemos esperar que ele dê um estímulo à intensificação renovada do capital. Por outro lado, uma queda nos salários monetários em K reduzirá reduzir o custo do investimento como uma queda nos preços das matérias-primas e, assim, melhorar a base de custo-rendimento do investimento de longo prazo. Assim, a teoria austríaca se baseia, em parte, num estímulo ao investimento engendrado por uma queda dos salários em indústrias sensíveis aos custos (K). Mas uma redução dos salários monetários em C só tornaria a situação mais difícil, pois o que importa aqui é a queda dos preços em relação aos salários. Se os salários monetários em C caírem, os preços terão de cair ainda antes que possamos esperar por recuperação.

 

7.

 Temos agora de enfrentar a nossa última tarefa neste documento. Faremos uma breve tentativa de testar nosso modelo teórico à luz de fatos históricos. Perdoado será dizer que, dentro do espaço que temos disponível, seria impossível percorrer todo o curso da história do ciclo econômico a fim de descobrir se a teoria austríaca “se encaixa nos fatos”. Tudo o que podemos fazer aqui é arriscar algumas observações muito gerais e necessariamente vagas sobre a verificabilidade da nossa teoria. Nossas conclusões não conterão nada de surpreendente e possivelmente decepcionarão os leitores que se apegam a uma crença na infalibilidade das séries temporais.

Parece-nos que, em termos gerais, a teoria austríaca, quando confrontada com evidências coletadas a partir de flutuações do século XIX, se sai muito bem. Temos agora o excelente testemunho do professor Schumpeter sobre o curso dos acontecimentos americanos nos anos vinte e trinta do século passado[11], e não vemos dificuldade em interpretar a maioria das flutuações econômicas que acompanharam a construção de ferrovias em ambos os lados do Atlântico nos termos do nosso modelo.

Se soubermos que a incapacidade dos detentores de ações ferroviárias de pagar o montante total das suas prestações foi uma das características marcantes da crise britânica de 1847[12], o que mais isso significa senão que os promotores ferroviários tinham superestimado grosseiramente a vontade e a capacidade de poupança dos consumidores e que, em termos reais, tinham sido consagrados mais recursos ao investimento a longo prazo do que as preferências dos consumidores justificariam? Se, como aponta o professor Schumpeter[13], os promotores ferroviários americanos, confrontados com o mesmo dilema, foram resgatados, “em todos os grandes casos”, somente pela chegada oportuna de capital europeu -- principalmente inglês --, o que mais podemos inferir senão que os recursos móveis da economia americana -- matérias-primas e bens de consumo -- eram insuficientes para suportar o fardo de uma atividade de investimento tão grande quanto os planos ferroviários envolvidos, e que era necessário um grande aumento das importações provenientes da Europa para tapar o buraco? Além disso, todos os dados de preços e estoques de mercadorias que tenhamos para o período parecem indicar que, em todos os principais casos de uma quebra, a escassez de recursos (matérias-primas industriais) realmente existiu.[14]

Mas temos de admitir que, como explicação da crise de 1929 e dos desenvolvimentos que a conduziram, o nosso modelo não se sai tão bem. Até onde sabemos, não há evidências que sugiram que a evolução econômica da década de 1920 tenha sido interrompida pela escassez de recursos. Não nos deteremos na existência contínua, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, de desempregados durante todo esse período, pois, como foi mostrado acima, onde a produtividade industrial aumenta rapidamente, o desemprego não é inconsistente com uma pressão sobre os recursos (a combinação de trabalho com equipamentos em condições de custo não ótimo). Mais importante como sintoma da ausência de tal tensão é, naturalmente, o comportamento estacionário dos preços dos bens de consumo entre 1924 e 1929. Mas o que devemos considerar mais significativo a este respeito, uma vez que está em contradição aberta com todas as nossas outras experiências, é o aumento da existência de matérias-primas depois de 1925.[15]

Portanto, não é fácil explicar a crise de 1929 com a ajuda da teoria austríaca. Podemos inferir que as condições econômicas da década de 1920 devam ter sido muito diferentes daquelas em que nosso modelo se baseia. Dificilmente nos é possível, neste contexto, ultrapassar a fase de sugestão provisória. Tudo o que podemos fazer é insinuar dois fatos que nos parecem pertinentes para a questão.

Primeiro, a evolução do automóvel mudou a função econômica das indústrias de metais “pesados”. Nas eras da construção ferroviária e da eletrificação, a posição cíclica dessas indústrias correspondia, mais ou menos, à de nossas indústrias K. A procura dos seus produtos não estava orientada para a dos bens de consumo, existindo um grau suficiente de competitividade no sistema. A evolução do automóvel, cuja demanda é tão grande e dependente da renda dos consumidores[16], mudou isso. Graças a ela, as indústrias siderúrgicas adotaram hoje o caráter das indústrias E, no sentido de nosso modelo.

Em segundo lugar, quando grande parte da atividade de investimento da recuperação se destina a aumentar a produção e a produtividade das matérias-primas, não é necessário haver escassez delas. Não há dúvida de que, entre 1920 e 1930, a produção da maioria das matérias-primas industriais sofreu inovações revolucionárias,[17] principalmente do tipo de intensificação de capital (por exemplo, dragagem de estanho e processo de flotação seletiva para cobre e zinco) e que o aumento dos estoques de matérias-primas foi em grande parte consequente a essas mudanças na técnica produtiva. Uma sociedade industrial que aumenta a produção de matérias-primas industriais e deposita um belo estoque delas antes de se colocar na tarefa de disponibilizar mais e melhores bens de consumo está agindo com a mesma prudência que uma comunidade agrícola que não liberará metade de sua força de trabalho para a construção de uma ponte antes que um estoque de grãos suficiente para mantê-los durante sua ausência da produção primária tenha sido acumulado.

Estamos inclinados a pensar que tal sociedade seria, de fato, relativamente imune contra o tipo de crise que foi esboçada neste artigo. No entanto, como tivemos de aprender com nossa dor, nem mesmo tal prudência nos protegerá de outras calamidades de um mundo dinâmico. A extrema complexidade de tal mundo em que quase qualquer constelação de circunstâncias é capaz, sem aviso prévio, de dar origem a forças destrutivas, desafia todas as generalizações fáceis. Que chances de sucesso sob as circunstâncias que todas as tentativas de “planejamento social” que são baseadas em tais generalizações fáceis têm é uma das reflexões mais melancólicas que, em 1940, o estudante de economia não pode evitar.

Notas

[1]  O presente artigo contém resultados de uma investigação sobre problemas de depressões secundárias que o autor empreendeu como Leon Fellow da Universidade de Londres durante 1939-40.

[2] F. A. von Hayek, Profits, Interest, and Investment (London: G. Roudedge & Sons, 1939).

[3] J. A. Schumpeter, Business Cycles, 2 vols. (New York: McGrawHill, 1939).

[4] F. A. von Hayek: Profits, Interest, and Investment, p. 11. A descrição do ponto em que a escassez começa a fazer-se sentir como "Pleno Emprego" parece-nos muito infeliz. Como será visto a seguir, o que se quer dizer é Capacidade Total (de equipamentos de primeira linha) em vez de Pleno Emprego de Mão-de-Obra. Seu sentido teórico consiste em que é o ponto em que as curvas de custo começam a inclinar-se para cima.

[5] L. M. Lachmann, “Investment and Costs of Production”, American Economic Review 28 (September 1938):475.

[6] Erik Lundberg, Studies in the Theory of Economic Expansion (Stockholm Economic Series, 1937), p. 230. O Dr. Lundberg, é verdade, relaciona os recebimentos apenas com a taxa de juros. Mas, como o presente autor demonstrou (p. 475), é fácil estender o teorema de modo a cobrir outros custos além dos juros.

[7] F. A. von Hayek, Profits, Interest, and Investment, pp. 8-10.

[8] Para a Grã-Bretanha: G. L. Schwartz e E. C. Rhodes, Output, Employment, and Wages in the United Kingdom, 1924, 1930, 1935 (London and Cambridge Economic Service, Special Memorandum No.47). Veja em particular a Introdução do Professor A. L. Bowley. Para os Estados Unidos: D. Weintraub: Technological Trends and National Policy (National Resources Committee, Washington, 1937)..

[9] O leitor crítico notará que distinguimos entre os aspectos cíclicos e intercíclicos da intensificação do capital. Ao primeiro pertence seu efeito sobre o investimento, o emprego e a renda em K, ao segundo seu efeito sobre o emprego em C. Na terminologia do Dr. Hawtrey, enquanto os efeitos do aprofundamento do capital estão confinados ao Ciclo ("O Curto Período"), os do capital que foram aprofundados se estendem por um longo período de tempo. É apenas com este último que estamos aqui preocupados.

[10] L. M. Lachmann and F. Snapper, “Commodity Stocks in the Trade Cycle”, Economica 5 (November 1938):445-6.

[11] J. A. Schumpeter, Business Cycles, 2 vols. (New York: McGrawHill, 1939) 1:296n.

[12] E. V. Morgan, “Railway Investment, Bank of England Policy, and Interest Rates, 1844-48”, Economic History 4 (February 1940):331-34.

[13] J. A. Schumpeter, Op. cit., p. 335.

[14]  Lachmann and Snapper, “Commodity Stocks in the Trade Cycle”, p. 436, table I.

[15] Lachmann and Snapper, Op. cit., p. 437, table II.

[16] S. I. Horner, et aI., The Dynamics of Automobile Demand (New York: General Motors Corporation, 1939).

[17] Melvin T.Copeland, A Raw Commodity Revolution. Harvard Business Research Studies, No. 19.

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