Nota introdutória (Alta Linguagem),
O texto trata de um obituário de Werner Jager, proeminente pensador alemão especialmente na área sobre pensamento grego e antiguidade. Trata também de uma recomendação leitura por parte do autor deste texto e uma apresentação generalíssima de suas principais obras.
Werner Jaeger e os pré-socráticos
Correio da Manhã, 15 de Junho. 1962.
A notícia da morte de Werner Jaeger. Ainda que recebida com algum atraso, trouxe-me um tal pesar que não pude deixar de voltar a alguns de seus trechos básicos, entre os quais o esplêndido capítulo de “Paideia”, em que nos dá uma síntese da visão do mundo dos filósofos pré-socráticos (L. I. -- C. IX: O Pensamento Filosófico E O Descobrimento Do Mundo).
Werner Jaeger, como se sabe, não era apenas o autor do livro fundamental, talvez o mais importante escrito sobre a Grécia: “Paideia (Os Ideais Da Cultura Grega)”. Era, acima de tudo, um desses representantes supremos da “cultura alemã” no que ela tem de mais forte e eterno, um desses extraordinários expoentes que existem em todos os setores do conhecimento e que, na Alemanha, ora se chama Mommsen ou Ranke, Nietzsche ou Spengler, Rhode ou Burckhardt, Jaeger ou Otto, Gundolf ou Bertram, para não falar dos menos notáveis. No meio desses expoentes diversos, Jaeger com o seu inexcedível conhecimento da alma grega e suas transformações, com o seu sentimento do evoluir permanente da “paidéia” ou educação do homem helênico, com a sua intimidade perfeita com tudo o que assinala a passagem do “fenômeno” grego, não empalidece nem deixa a desejar frente a um Rhode ou a um Burckhardt. Suas obras que não se limitam a “Paideia”, mas descem a inúmeras “especializações”, como as monografias clássicas: “Aristóteles”, “Demóstenes”, ou à série de Conferências Gifford sobre a teologia dos pré-socráticos, pronunciadas na Universidade de Santo André, na Escócia, em 1936, e a muitas outras “comunicações” valiosas, constituem sem dúvida o que possuímos de mais elevado e melhor sobre a civilização grega.
Foram essas considerações que me trouxeram de volta a alguns textos básicos do Jaeger de “Paideia” (“Homero o Educador”, “A Herança de Sócrates” e, principalmente, o capítulo “O Pensamento Filosófico e O Descobrimento do Mundo”, a que já me referi anteriormente). Da visão de Jaeger dos pré-socráticos, já tinha eu conhecimento através das Conferências Gifford, lidas em tradução espanhola: “La Teologia De Los Primeros Filosofos Gregos” (Fondo de Cultura Económica, 1952). Mas, confesso, esse estudo de Jaeger não me tinha dado uma visão tão clara, tão nítida, dos pré-socráticos quanto as referidas páginas de “Paideia”. Talvez porque, mais detalhado (todo um volume em comparação com um simples capítulo de livro) e mais centralizado em função de um tema básico, fosse de mais difícil retenção. Talvez, também, porque Jaeger tivesse sido mais feliz, mais genialmente sintético num do que no outro. Seja como for, o capítulo de “Paideia” me falou muito mais sobre os pré-socráticos do que muitos e muitos volumes que acaso me fossem postos sob os olhos.
Um único ponto, no referido capítulo, deixou-me reticente e, invencivelmente, fez-me voltar à riqueza de detalhes das Conferências Gifford. Refiro-me às poucas linhas que Jaeger consagra, no capítulo de “Paideia”, a Empédocles. Certo, no decorrer do volume, volta, e mais de uma vez, ao filósofo de Agrigento. Mas, nesse capítulo decisivo, em que nos dá de Tales, de Anaximandro, e Anaxímenes, de Pitágoras, de Xenófanes, de Parménides e de Heráclito, visões tão fortes e definitivas, não há como não estranhar o sucinto das linhas em que estuda Empédocles--esse vulto, no entanto, tão essencial para o “descobrimento do mundo”, esse filósofo que, no curso das conferências escocesas, estudou tão decisiva e magistralmente.